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O Escravo Francisco: qual a tradição: a do Medo ou a da Liberdade?

segunda-feira, novembro 14th, 2022

O ESCRAVO FRANCISCO: QUAL TRADIÇÃO: A DO MEDO OU A DA LIBERDADE

Prof. Severino Vicente da Silva

Então saímos de casa e olhamos o mundo que carregamos em nós. Quase sempre só vemos o que já conhecemos. Quando encontramos algo que nos é desconhecido, temos que parar e comparar com o que já conhecemos, e.  nesse exercício, podemos crescer em conhecimento, ou podemos não sair de onde estamos. Sempre temos a possibilidade de negar o que de novo nos vem.  Estranha essa situação. Nos últimos dias percebi que, ao sair para usufruir ou conhecer uma cidade histórica, dessas que são nomeadas Patrimônio Cultural, tenho firmado, após conversas aleatórias com seus moradores, percebi que eles não sabem do que estamos falando ou perguntamos. Estaria conversando com estrangeiros em sua própria terra?

Às vezes seria melhor que assim fosse, pois que podem estar cultivando algo que não deveria ser guardado na memória, exceto para que não viessem a ser repetidos. Bem, na história, aprendemos que nada se repete, não da mesma maneira.

Se somos o que fomos, o que somos é resultado do foi vivido no passado, ou seja, o passado nos acompanha de maneira quase definitiva. O Brasil foi sendo gestado com um pequeno número de pessoas a impor suas vontades, desejos e projetos sobre um número enorme de outras pessoas. O Brasil cresceu com a escravidão, terminada oficialmente em 1888. Foram cerca de trezentos e cinquenta aos de abuso, de destruição de pessoas enquanto se construía o Brasil. Relações de ódio, medo, simpatia, ojeriza, carinho, perdas, frustrações, guerras, mentiras, tudo isso e muito mais fez parte da formação do Brasil: devemos reconhecer que foi assim a nossa formação, como foi a dos povos e nações com as quais convivemos no cenário mundial. E tudo isso deve ser parte da memória explícita, não apenas da memória coletiva e reprimida que carregamos. É necessário saber o que fomos e como fomos para entender o que somos.

Falamos da escravidão que tudo criou no Brasil. Joaquim Nabuco ensinou que não há coisa neste país que não tenha o trabalho da mão cativa. O cativo indígena, de quem tudo lhe foi tirado, e o cativo africano a quem nada lhe foi dado. Houve, e há, outra parte que tudo tomou, tudo teve e tudo negou. No tempo presente: tudo tem, tudo tem, tudo nega. Tomou terras do indígena para si, e também lhe tomou a liberdade, os corpos saudáveis de suas mulheres, e lhe tomou e sua alma; tomou para si o trabalho do africano escravizado, tomou seus corpos, seus sonhos, sua alma. Com isso tudo fez surgir um povo moreno, mestiço, a quem tudo é negado, de quem lhe é tomado o resultado de seus trabalhos. Assim foi sendo construído um país que só “pode” ver o mundo com os olhos daqueles que sempre o dominara, que tudo tomou para si.

 Joaquim Nabuco, dizem, era um flâneur, um vadio errante, em suas passagens pela Europa. Olhava ao seu redor, gozava os benefícios que a sociedade inglesa lhe dava, e nada que fizera para o que estava usufruindo. Seria o Pedro, segundo imperador do Brasil outro Flâneur? Sem poder ir a Europa, tento ser flâneur no Brasil. Será isso possível? Joaquim Nabuco em suas andanças inglesas não conseguia ver que estava no interior das minas de carvão. O Imperador se encantava com a França e seus escritores, mas não parece haver a presença da comuna de Paris em suas memórias. Folheando livro de autor alagoano, vejo a hipótese que, influenciado por Victor Hugo, Pedro II começou a comutar a pena de morte definida para os escravos que matassem ou ferissem gravemente seus donos. Era uma lei de 1835, que jamais foi abolida. O senso político do Imperador esteve sempre em luta com a sua convicção na defesa da vida, contra a pena de morte, segundo memorialistas e historiadores. Em relação ao Brasil que se formava com o trabalho escravo, o Imperador se portava como um flâneur. Joaquim Nabuco parece ter abdicado da irresponsabilidade do a Andarilho e se tornou abolicionista. Aliás, ainda estudante defendeu um escravo que matara seu dono, evitando a forca, determinada pela lei de 1835. Como os que estudam história sabem, o Período Regencial (1831-1840) foi um tempo de muitas rebeliões, e a lei que estamos a nos referir foi criada como resposta do Parlamento, em sessão secreta, às rebeliões, especialmente as que envolviam os escravos em luta pela liberdade.

Artur Ramos é um dos brasileiros que dedicou parte de sua vida intelectual para compreender do que é feito o Brasil, atentando para a participação do negro na formação do Brasil. Artur Ramos nasceu na cidade de Pilar, Alagoas. A cidade cresceu com o cultivo da cana e da pesca do Bagre. Mas a cidade agora, como muitas cidades históricas, quer ser local de atração turística. Está a se formar um parque para turismo religioso e, no desejo de alguns, pode vir a ser um local para um teatro aberto, em torno de um fato histórico, pouco registrado nos livros didáticos, na memória das gerações. O Acontecimento envolve Pedro II, o imperador que dizia querer ser professor, mas que não parece ter tido interesse em formar um rede de escolas. Ainda bem, pois os escravos, maior parte da população, não teriam tempo para ir aprender sob a orientação de professores. Seria um desastre para os donos dos escravos. Alguns historiadores simpáticos ao imperador, e à sua cidade protegida por Nossa Senhora do Pilar, informam que um acontecimento na cidade marca o fim da pena de morte no Brasil, pois foi em Pilar que ocorreu último enforcamento de um escravo, a quem o imperador negou clemência. Estamos falando do “escravo Francisco”, levado à forca no dia 28 de abril de 1876. Ele matara seus donos, teve um processo que durou dois anos, mas o processo foi destruído. O equilíbrio político do Imperador evitou a comutação da pena de morte em prisão perpétua, como pedira o Escravo Francisco, pois entendeu que os proprietários locais poderiam revoltar-se contra o Império.

O certo é que o Escravo Francisco, após orar na Igreja do Rosário, a pedido seu, seguiu a pé ao local de sua execução, no Sítio Bonga, acompanhado por uma multidão, mais de mil pessoas em uma cidade que então possuía treze mil habitante. Veio gente de muitos lugares para ver o enforcamento do Escravo Francisco. Uma tradição historiográfica diz que Francisco, após se despedir jogou-se antes que o carrasco agisse. Não permitiu que definissem o momento de sua morte, escolheu ele o momento de sua liberdade. 

Anualmente, a cidade de Pilar refaz esta cerimônia, faz o teatro do enforcamento, a cada 28 de abril seguindo o roteiro que o Jornal de Alagoas fez na edição do domingo 30 de abril de 1878. Os que pretendem tornar turístico este evento, esperam que a cada ano venham mais pessoas para assistir, acompanhar o mesmo trajeto que Francisco fez até o local do seu enforcamento. Soube de pessoas que choravam, enquanto outras diziam que tinha mesmo que ser enforcado para servir de exemplo. Caso prospere essa ação, qual memória ficará: a do escravo que reagiu ao tratamento de coisificação a que era submetido, ou a necessidade de que o exemplo continue a ser dado, e os dominados sejam ensinados que não devem reagir à subordinação?  

   Deodoro da Fonseca, Alagoas, 14 de novembro de 2022

Nota:

  1. Informações foram encontradas em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/04/04/jornal-de-alagoas-narrou-em-detalhes-ultima-pena-de-morte-executada-no-brasil
  2. SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Pilarenses ilustres. Maceió, 2010.

Esse povo quer biblioteca, não depósito de livros

quinta-feira, fevereiro 12th, 2015

Lembro ter conhecido Tracunhaém pelo livro de História do Brasil, escrito por Armando Souto Maior, publicado pela Editora Nacional e, que por muitos anos foi o livro texto nas escolas de todo o Brasil. Naquele livro soube da Liga de Tracunhaém, uma ação de senhores de engenhos contrários à emancipação do Recife. Não deu em nada, pois a traição levou os conspiradores para a prisão na Metrópole, o que também alterou pouco a sua situação social. Depois fiquei mais próximo de Tracunhaém quando organizei uma aula para futuras professoras, uma excursão ou, como se diz hoje, uma visita técnica. Fomos conhecer os ateliês, a arte cerâmica ali produzida. Como eram alunas de colégio afamado e que atendia – ainda atende – a classe de maior poder aquisitivo, a visita que seria de instrução quase virou uma viagem de compras. Serviu também para que as estudantes do pedagógico sentissem o aroma do vinhoto jogado nos rios e que auxiliou a tirar a vitalidade dos rios Tracunhaém e Siriji. No início do século XX Tracunhaém e as demais cidades da Mata Norte tornaram-se espaços para visitas quase permanentes, local de estudo e redescoberta, pessoal, da vitalidade cultural daquele povo que sobreviveu ao ‘cambão’, redescobri o local e a paisagem cultural de meus antepassados. Dessas viagens e estudos nasceram alguns livros, escrito, programas de rádio e novos conhecimentos que me foram dados pelos mestres da cultura popular, sendo Deca Emiliano, um dos fundadores do Bloco Carnavalesco Caravana Andaluza, um dos meus orientadores para compreender o universo cultural de minha parentela. Em uma dessas viagens fiz-me acompanhar de minha mãe.

Deca Emiliano e a Andaluza pediram-me para escrever um resumo do percurso vivido pelo Bloco Andaluza. Fiz algumas entrevistas, algumas fotos e aprendi muito e agucei a minha imaginação vendo os protagonistas de uma história que não comparece nos livros didáticos, embora seja ela a mais profunda história do Brasil. Na companhia de negros, mestiços fui conhecer os locais da vida de seus pais, avós, bisavós, encontro um Baobá, uma capela dedicada a São Bernardo em uma propriedade que teria sido de Brandônio ou Brandão.

Um dos objetivos do Andaluza é fazer uma biblioteca. Gosto muito quando gente que não tem livro em casa pensa em ter uma biblioteca na sua rua. Mas descubro, em uma casa, apertada por prédios que quase não a deixam respirar, na praça principal da cidade uma biblioteca. Aliás, as casas das cidades da Zona da Mata não podem respirar, estão uma colada a outra, sem janelas. O uso da terra para o plantio da cana deixa pouco espaço para os viventes Fotografo de fora, e entro para verificar que há uma sala com três mesas e oito cadeiras para leituras e estantes, apertadas contra as paredes, em um corredor que termina em outra sala com mais estantes e mais um quarto com mais estantes. Todas com livros, classificados de acordo com o interesse imediato, sem qualquer consideração às técnicas da organização das informações. Mas como tem obras interessantes! Obras completas de Machado de Assis, Jorge Amado,  Joaquim Nabuco, Eça de Queiroz, duas enciclopédias Delta e uma Britânica, literatura latino americana, Celso Furtado, e tantos outros. Cito de memória, não fiz anotações, mas lá está a História Geral da África.  A Biblioteca Rui Barbosa é responsabilidade da Secretaria de Educação do Município. Mas carece dar alguma informação e, talvez, educação aos dirigentes da educação desses municípios. é necessário que os espaços das escolas, das bibliotecas sejam agradáveis e convidativos e que os responsáveis pelas bibliotecas sejam mais informados e convencidos da sua importância social. Se os espaços que preservam e transmitem a cultura não são tratados com respeito e importância, as crianças, os jovens e adultos não os frequentarão.

Quase assim são as bibliotecas de Aliança, Nazaré da Mata, Goiana, Vicência; e creio que sejam, também, assim nas demais cidades da região. Os livros foram doados, em sua maioria, por pessoas, creio que, que precisavam liberar alguns espaços e, como os principais usuários dessas bibliotecas são alunos das escolas do município, eles lucram bastante pelas enciclopédias e obras clássicas da literatura e da história (há livros de Joaquim Nabuco e Capistrano de Abreu), mas ressentem de uma atualização de títulos. Carecem, também de mais espaços para leitura, para a guarda dos livros e para as novas atividades que se esperam das bibliotecas.

A situação das bibliotecas da Zona da Mata é uma demonstração dos males de uma sociedade com tão profundas raízes na escravidão, que continua escravizando por não facilitar que eles, os protagonistas da história, tenham acesso ao conhecimento.

Quase assim são as bibliotecas de Aliança, Nazaré da Mata, Goiana, Vicência; e creio que sejam, também, assim nas demais cidades da região. Os livros foram doados, em sua maioria, por pessoas, creio que, que precisavam liberar alguns espaços e, como os principais usuários dessas bibliotecas são alunos das escolas do município, eles lucram bastante pelas enciclopédias e obras clássicas da literatura e da história (há livros de Joaquim Nabuco e Capistrano de Abreu), mas ressentem de uma atualização de títulos. Carecem, também de mais espaços para leitura, para a guarda dos livros e para as novas atividades que se esperam das bibliotecas.

A situação das bibliotecas da Zona da Mata é uma demonstração dos males de uma sociedade com tão profundas raízes na escravidão, que continua escravizando por não facilitar que eles, os protagonistas da história, tenham acesso ao conhecimento.

 

Biu Vicente

Festival Canavial e Dom Hélder Câmara

sábado, novembro 15th, 2014

 

O Direito de Celebrar

 

Manhã do dia 15 de novembro 2014. Sem grande participação popular, a República do Brasil começou a 115 anos. Um grupo de soldados, bacharéis e jornalistas afastaram a monarquia e desejaram construir uma nova maneira de gerir os interesses públicos. Mas desde logo se observou que parte do povo brasileiro ficou assistindo como besta e, depois, continuou sendo bestializado. Trabalhador construtor de riquezas, homens e mulheres continuaram a viver seus afazeres, particulares e públicos, com as dificuldades de sempre. Desde ontem estou em Nazaré da Mata participando do 8° Festival Canavial, que teve seu início humilde nas Festas de Terreiros, realizadas no Ponto de Cultura Estrela de Ouro de Aliança, uma festa mensal que punha o desafio para alguns rapazes e moças do entorno da Chã de Camará: treinarem a produção de um evento. Era a recuperação de uma tradição: o povo fazer a sua própria festa, em um momento em que as administrações federais, estaduais e municipais teimavam em desconhecer as criações artísticas dos trabalhadores rurais e urbanos da República. Os organizadores da Festa de Terreiros entendiam que a arte, a educação artística, é um caminho para a cidadania. Coquistas, Repentistas, bailarinos de Cavalo Marinho, Cirandeiros, Maracatuzeiros, Forrozeiros, Guerreiros, Sanfoneiros, eram os convidados para cantar e dançar com os trabalhadores dos canaviais da Mata Norte de Pernambuco. Aqueles que foram bestializados apresentavam-se para que eles mesmos conhecem-se as belezas que construíram nos cem anos, que literato chamava de solidão, mas eram, simultaneamente de criação, afirmação de sua maneira de ver, entender e recriar o  mundo. Nesses oito anos, o Festival Canavial vem se ampliando e já ultrapassou os limites da Mata Norte, com presença nas litorâneas Olinda e Ipojuca, e na agrestina Limoeiro. Interessante é que onde chega o Festival Canavial não encontra espaço vazio, mas chega para alimentar o fogo da vida que pulsa naquelas cidades, uma vida periférica que acolhe o festival que auxilia a troca de experiências dos criadores da cultura brasileira com as suas especificidades locais.

Nesta manhã que celebramos o advento da República, vejo como o rio da cultura popular vem se alastrando no exercício da cidadania. Nossa República tem sido bastante acossada por hábitos oligárquicos de mandonismo, que nos fizeram viver vários momentos de governos ditatoriais. O mais recente findou em 1985 e, desde então vivemos o mais longo período de vida democrática em nossa sociedade. Alvísseras e gritos de alegrias por esse período que desejamos uma maior duração. E, é necessário que compreendamos como ele foi construído, esse período tem longa gestação, que é a gestação de nossa cidadania, a criação e conquistas de nossos direitos. Ninguém pode arvorar-se a dizer que ‘fiz isso e fiz aquilo’, ‘eu dei tais e tais direitos’. Os que assim agem denunciam o seu ranço de dominador, escravizador de homens e mulheres. O que temos hoje em nossa República tem sido resultado do trabalhos, dos sofrimentos, do anseios, das esperanças dos bestializados que, vez por outra encontra alguém a simbolizar essa luta. Zumbi dos Palmares, oculto dos brasileiros durante três séculos, hoje simboliza as lutas e as conquistas que fazem de nós um povo livre e que luta contra os diferentes tipos de amebas políticos que os rondam. Ontem, recebi uma notícia que tem relação enorme com o que estou vivendo aqui neste 8º Festival Canavial. Amigos me informaram que, parece, Dom Hélder Câmara foi definido em lei como Patrono dos Direitos Humanos no Brasil. Rapidamente a memória levou-me para o já longínquo ano de 1967, quando escutei Dom Hèlder conversar sobre Mahatama Gandhi e Martin Luther King. Vivíamos sob o duro tacão da ditadura imposta por civis e militares ao povo brasileiro. Era a ditadura que eu conheci, Dom Hélder falava de outras que ele conhecera, especialmente a que terminara em 1945. Foi durante aquela ditadura comandada por Getúlio Vargas que ele começou a experimentar a transição da tentação totalitária para a vida democrática. Creio que a sua experiência com os jovens da Ação Católica deu-lhe a compreensão dos limites que eram impostos ao povo brasileiro, com o intuito de mantê-lo sempre bestializado. Como bispo auxiliar do Rio de Janeiro iniciou o processo de garantia do direito à moradia decente para os favelados. Foi o Drama da Habitação Popular que o apaixonou e que deu início ao ódio que lhe dedicaram os exploradores e fabricantes de marionetes. Dalí para sonhar com a ações encaminhadoras da cidadania foi um passo acertado. Vieram a SUDENE  e a SUDAN, depois desencaminhadas de seus objetivos iniciais para garantir o prazer do lucro aos que sempre lucraram com a bestialização do povo. Assisti Dom Hélder iniciar a Pressão Moral Libertadora, uma rota de não violência para fortalecer os que agiam para superar a destruição do homem. “Nordeste, o Homem proibido” foi, salvo engano, o primeiro documento a afrontar os ditadores  ao clamar contra a destruição dos homens e mulheres pela exploração desenfreada que não  lhes permitia iniciar a jornada para estabelecer no Brasil o que foi definido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU em 1948. Foi a defesa dos Direitos Humanos que tanto incomodou coronéis, generais, de farda indústria ou terras. O Estabelecimento da primeira Comissão de Justiça e Paz, na Arquidiocese de Olinda e Recife é um marco na história do Brasil, na história da superação da bestialização a que vem sendo submetida parte da sociedade brasileira.

Entendo o Festival Canavial, como muitos outros semelhantes a ele que são organizados neste país, afora e adentro, neste início do século XXI, como o início do alcance da liberdade de criar a arte e de poder expressá-la para si e para os seus. Todos esses festivais que nos expressam, que expõem a nossa cultura são resultados da luta pelos Direitos Humanos.

Nesta manhã republicana, nesta semana da celebramos a necessidade de assumirmos que somos negros, índios, mestiços, caboclos, evangélicos, católicos, brancos, xangozeiros, candomblecistas, macumbeiros, catimbozeiros, matutos, caipiras, e tantas outras identidades que nos faz belos brasileiros, belos seres humanos.

 

Severino Vicente da Silva – Biu Vicente

Recusando a inércia e o aprendizado ordenado

quinta-feira, abril 10th, 2014

Os mais recentes dias nos encorajam para muitas diversões do pensamento. Noticias variadas nos confirmam a diversidade cultural da humanidade. É certo que alguns peleam pela diversidade na esperança, escondida, de que todos venham a se reunir sobre a “sua diversidade”. A natureza é diversa nos seus frutos, embora todas essa diversidade parece ter originado de um momento, um átimo,m algo que carregava em si a possibilidade de tão belo caleidoscópio, sempre o mesmo e sempre com novas formas e possibilidades.

Mas somos a possibilidade de sermos e, por sermos diversos, colhemos da multiplicidade das criações da natureza e da inteligência que a natureza concedeu aos seres e, parece que os animais humanos foram beneficiados pela ausência de uma regra única na natureza.   Os professores, nós encontramos essa diversidade em nossas salas de aulas. É claro que nas salas de aulas supomos encontrar pessoas de diversas origens sociais e com interesses diversos. Mas, como deslocaram-se de suas casas para um ponto  comum que os atraiu, tomamos a liberdade de presumir que esses seres diversos, de origens diversas, de grupos sociais diversos, ao sentarem em bancos de uma sala estejam interessados no que vai ser dito naquela sala. Como chegaram ali por sua escolha e iniciativa, acreditamos que devemos ficar surpresos por esses seres não esboçarem qualquer reação ao objeto do estudo.  Surpreende que a maioria chegue atrasada; lamenta-se a forma de como espalham seus corpos nas cadeiras e ofende o olhar vago sobre o nada que parece existir em sua frente, mas que se expande do seu espírito, ou que resta dele naquela massa. Quase nenhum tem um livro ou caderno à sua frente ou lápis próximo a si. Dizem que a burguesia inventou camisas com bolso para que ali pusessem os instrumentos de trabalho. Os operários levam suas ferramentas em caixa, se são autônomos, ou usam as caixas nas fábricas para guardar os instrumentos após o trabalho. Em uma escola de ensino superior que está a preparar pessoas para a atividade de ensinar, espera-se que esses operários que não sujam a mão de graxa, tenham algum instrumento e lugar para guardá-los. A maioria dos aprendizes chega como aristocratas em campo de férias: em seus vestuários nenhum bolso, em suas mãos nenhum instrumento. Claro que eles devem ter um cérebro onde estão armazenando de maneira definitiva, julgam, aquilo que acham necessário.

Boa parte desses jovens produz seus corpos com exercícios físicos, apresentam músculos bem definidos sob a camiseta esportiva que os protege e expõe. Mas seus cérebros não aprecem exercitados na arte do desenvolvimento da curiosidade. Perguntas novas não parecem aflorar das elipses elétricas. Quase supomos, pelo olhar, que o cérebro está em repouso esperando o momento de responder, pavlovamente, a palavras como “time de futebol”, “copa do mundo”, “reacionário”, “show de …”, e e outras palavras de ordem. Então a vida surge como a baba do cachorro do cientista, e essa reação chamam de vida.

Quem foi educado dessa maneira, no falso diálogo, não tem a resistência para a leitura de um texto, para a comparação. A comparação implica a perceber, se não a diversidade, ao menos a existência de duas realidades diferentes. Entretanto é melhor continuar a brincadeira, essa que brincam sem saber da sua existência, como o peixe não se distingue da água, a brincadeira de Boca de Forno, essa na qual há o compromisso de se fazer tudo que o Senhor Rei mandar. Nessa brincadeira corre-se de um lado para outro, apenas com o objetivo de “fazer o que o senhor rei mandar”. Para tal só é necessário o exercício físico, a resistência física. Não se deve argumentar com rei. Apenas seguir as suas ordens, elas a todos confortam por proporcionarem um momento de exaltação e êxtase por cumprir a tarefa, desde que essa tarefa não implique o uso da massa para além de indicar qual membro do corpo deve ser utilizado para o gáudio majestático.

E como ensinamos usar o mínimo possível o cérebro, é que uma Popozuda passa a ser considerada por um professor de uma escola brasiliense, uma importante pensadora da atualidade. Afinal a ausência de estrias ou celulite é o ideal das moças para o gáudio ocular dos rapazes. Nada de rugas, e o cérebro é rugoso. E os movimentos que fazem as informações que a ele chegam, podem ter as mais diversas consequências. cada pensamento é uma miríade de possibilidades, caso haja a prática de exercício, o interesse de desenvolver a curiosidade e que esse interesse  seja mais remunerado que os apetites que exigem cérebros menos rugosos.

BV

M de Magistério, M de Menorah

domingo, março 23rd, 2014

A corrente da vida continua sempre na direção que não desejamos enquanto fazemos aquilo que nos agrada. O estímulo para continuar na imensa maratona é que a vida deseja ser vivida. Como uma vela ela ilumina e se consome. O importante é o brilho que produz o aquecimento, a possibilidade de promover a visão para além de si mesma. E nem sempre a vela brilha com o vento leve, uma pequena brisa que auxilia a combustão produtora da luz e do calor. Nem sempre a vela queima recebendo a exata dose de oxigênio, às vezes o vento que lhe toca está bravio e faz a chama dobrar-se, quase apagar. Algumas velas não resistem e param de fornecer o brilho antes que todo o pavio e a sua cera sejam consumidas. Todos os dias eu fico pensando nas velas que não queimaram até o final. É triste.

Entendo que não somos apenas uma vela, somos um castiçal de sete velas, um Menorah que é posto no Santo dos Santos, sinal dos dons divinos: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, conhecimento, temor do Senhor e prazer no Senhor. Nas tribulações da vida necessitamos de todos esses para que possamos nos queimar na construção do mundo, na continuação da obra na qual chegamos já em curso. Cada um desses dons que temos nos auxiliam a não desistir.

Leio, de alguns amigos, palavras que falam de um possível fracasso em sua tarefa de magistério porque muitos foram à rua protestar contra o que eles estão vivendo e, por engano, voltam-se para o passado, querem o retorno da ditadura civil militar que machucou a pátria brasileira durante um quarto de século. Oito meses são passados quando outras pessoas também saíram à rua para protestar contra o que elas estão vivendo. Não saíram pedindo a volta do passado, mas tampouco apontaram para algum futuro. Oito meses atrás as aulas de história pareciam ter tido um bom resultado, uma vez que os saíram às ruas estavam mais próximos das ideias que esses meus colegas professores – e eu também – professam; agora parece que as nossas aulas de história não serviram, pois os que agora saíram às ruas professam ideias diferentes desses professores. Como precisamos de entendimento para aconselhar!

De qualquer modo, a função do professor de história é professar, é ensinar, indicar o caminho ou caminhos possíveis e, para isso, como me ensinou um professor: um livro é bom, um livro só não presta. Se apenas indicamos uma leitura, uma explicação sobre os acontecimentos não estamos ensinando as mentes a pensar, estamos amestrando as mentes e, se os amestramos criamos em nós mesmos a expectativa de que eles pensarão como nós pensamos. Se for assim, ficaremos desiludidos quando eles não agirem como nós os treinamos. Se uma pessoa recebe muito de um só alimento, isso o levará ao desgosto desse alimento e, sem o gosto, ele, o alimento, será rejeitado. A variedade de possibilidades das análises da realidade trará muito mais possibilidade de fazer surgir o novo. A oferta de uma só explicação terá duas consequências vergonhosas para um professor: fará um clone de si mesmo – e os clones sempre trazem consigo algum defeito, sendo o principal deles o cultivo da mediocridade para ser aceito; ou fará um reagente que negará aquele que o quis enfeitiçar – não ensinar possíveis caminhos – e então aprenderá a gostar de fazer aquilo que desgosta a quem o quer medíocre.

Um professor não é, não pode ser, um agente de propaganda, um professor deve ter a coragem de formar alguém que poderá pensar diferente de si. Um professor não é um replicador deste ou daquele ‘pensador’, ‘projeto politico’ ou coisas semelhantes. Um professor nem mesmo é um formador, pois ele não deve dar forma a ninguém, – deve cuidar da sua própria forma -, um professor é um orientador, um gerador de possibilidades. Essa deve ser a sua consumação: iluminar as possibilidades, os seus alunos escolherão o futuro deles. Nele estaremos na medida em que os auxiliarmos a tomar as suas decisões. Não as nossas. Esse é o Prazer.

Outubro das crianças e dos segredos

terça-feira, outubro 22nd, 2013

 

O Mês de outubro já está envelhecido e o comércio já pensa nas vendas de dezembro. O mês das crianças não tem sido brincadeira.

Nos últimos meses temos nos confrontado com a explicitação do desconforto de estarmos todos sob alguma vigilância, sendo espionados sem o simpático adesivo encontrado em algumas portas ou paredes solicitando nosso sorriso para a filmagem simpática daquele que nos espiona para a nossa proteção. O rumoroso caso é notícia mundial mas só tocou a inocente alma brasileira quando a espionagem atingiu a correspondência a presidente da república do Brasil, a qual, tão indignada ficou, que levou o caso à  Organização das Nações Unidas e recusou um convite oficial do governo dos Estados Unidos  para visitar aquele país da “janela indiscreta”. Não há novidade nessa atividade de espionar as pessoas e os estados. Todos sabemos que um dos maiores  heróis do século XX foi o espião de Sua Majestade, James Bond. A França, país de tradicional esclarecimento, um dos pesquisadores e aperfeiçoadores dos métodos de espionagem e tortura nos tempos da Guerra da Argélia, também ficou surpresa e indignada pelos olhares furtivos dos americanos. Todos fazem isso, todos espionam, exceto aqueles que não desenvolveram a tecnologia e nem a podem comprar. Paradoxo: Há um grande desejo de saber o segredo dos outros para torna-los nossos e os nossos não podem ser deles.

Neste domingo 20 de outubro o jornal  Estado de São Paulo tornou público um segredo do atual gerente do Brasil: o governo do Brasil pagou 6,4 milhões para um instituto de pesquisa espionar o que pensam os brasileiros de suas ações e agora se recusa a divulgar os resultados. Não quer que os brasileiros saibam o que eles pensam do governo. a Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto entende que esses dados, obtidos com o dinheiro dos impostos brasileiros, só podem chegar ao público após dezembro.   Claro que nosso governo não está fazendo isso, mas a impressão é que estão usando os dados para a próxima campanha política, e escondendo o que poderia servir para o discurso das oposições. Não, definitivamente é apenas o descumprimento da lei de transparência dos serviços públicos. Afinal, como negar esse pequeno privilégio de não cumprir a lei a um governo que colocou em segredo de estado, até 2027, os empréstimos feitos a Angola e Cuba? Mas, como às vezes penso, hábitos da ditadura civil militar perduraram, algo como a Síndrome de Stocolmo ou, como diria Hanna Arendt, parece que os fasci-nazistas ganharam as mentes tendo perdido a guerra. Torturados imitam seus torturadores enquanto dizem buscar a verdade.

E, mais uma vez as salas de aulas nos Estados Unidos ficaram manchadas de sangue: um professor de matemática foi morto por um de seus alunos da sétima série que, em seguida se matou. Dois  de seus colegas ficaram feridos. A morte desse pré-adolescente deixa mais um segredo, pois talvez jamais nós saibamos o que o fez levar um revólver para a escola. Quase certamente sabemos que o revólver foi comprado por seu pai que talvez não fizesse segredo de sua existência e, quem sabe, ainda alardeava a importância de se estar armado para defender-se contra espiões e inimigos. Os comportamentos  primitivos ainda estão grudados nas rugas de nosso cerebelo, sempre a nos lembrar que todos são inimigos, que não fazemos parte do mesmo grupo.

Ainda preferimos a luta animal que vive à cata de presas para alimentos e diversão. Ainda não compreendemos o segredo da humanidade.