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A felicidade

sábado, março 20th, 2021

O dia de São José este ano quase foi esquecido, mas veio uma pequena chuva e, agora que está começando o outono, assisto a mangueira trocar de folhas. O cajueiro está firme e tenho esperança que terei seu caldo escorrendo pelo canto do lábio. Enquanto isso contento-me com as pitangas que sempre me surpreendem com o doce amargor e cujo caldo, vez por outra me faz engasgar. Olho o meu pau-brasil crescer disputando espaço com a grande aroeira que continua crescendo e empurrando o muro, obrigando-me a estar atento e pensando se devo sacrificá-lo. Este ano alguns girassóis fizeram festa para meus olhos e plantei duas papoulas. De difícil crescimento é a laranjeira que já viu vários mamoeiros chegarem e saírem de seu lado, após presentearem, a mim e a Marcos, seus frutos. O sapotizeiro é outro que me preocupa, pois parece que não sente que lhe tenho muito carinho. Talvez seja porque os cachorros da raça VLB o maltrataram no início. Mas continuo sonhando sentir na minhas mãos os seus frutos enquanto saboreio os que consigo encontrar em alguma feira livre, pois o preconceito contra as frutas nacionais afastam esses deliciosos frutos dos supermercados. Não queria, mas a calopsita que minha esposa Manuela trouxe para casa afeiçoou-se a mim, me encanta e quando me afasto dela sinto que ela me chama de volta. Meus filhos, os mais velhos, casados e com filhos, vez por outra telefonam para saber se estou bem. O mais novo vive comigo e faz muitas perguntas porque ainda julga que eu sei as respostas. Coisa boa ser inocente. Acostumou-se a chamar-me de Biu, embora quando se refere a mim é sempre “meu pai”. Ele diz que sou seu amigo, e quando tem problemas com a sua cachorrinha logo grita por mim. E lá no fim do corredor anda Jájá, o jabuti comedor de alface e ovo.

Devo estar chateando vocês com essa descrição da minha vida, sem mencionar as horas que tenho passado diante do computador, lendo, preparando aulas, conversando com os alunos à distância, mostrando a eles o meu desconhecimento e pouco trato nessas coisas necessárias de domínio para viver no século XXI. E não menciono as contas a serem pagas, cada dia mais distante do meu salário, controlado pelo governo federal que tem desenvolvido uma aversão aos que seleciona, em concurso, para realizar a sua tarefa de servir ao povo. E pior, incita o povo a quem servimos contra os que o serve. Os que chegam ao poder para, por algum tempo, servir o povo, ocupam-se em servir-se do povo e fazê-lo odiar a si mesmo, pois os servidores públicos são também o povo. E, parece que neste texto não falarei sobre os sofrimentos causados pela pandemia do Covid19, logo agora que o Brasil está sendo apontado como o foco da morte no mundo, às vésperas de ver o sistema funerário falir, pois está tendo a tarefa de sepultar cerca de 3000 brasileiros diariamente.

Pois bem, este texto veio porque nesta semana um organismo internacional, ligado à Organização das Nações Unidas, informou quais os países onde as pessoas sentem-se mais felizes. E os mais felizes não têm as praias mediterrâneas nem as tropicais. Eu cresci sendo ensinado que éramos o povo mais feliz da terra, pois nossas florestas cediam oxigênio para o mundo; que as aves que gorjeiam no Brasil gorjeiam com mais alegria que as de outros lugares; fui ensinado que éramos um povo pacato e averso à guerras e hospitaleiro por natureza. Mas desde que começaram a medir o índice de felicidade em 2005, Brasil jamais chegou a 8.0 pontos e nunca esteve entre os dez mais felizes, sendo que o seu momento mais feliz foi em 2013 e, desde então assistimos uma queda da percepção da felicidade pelos brasileiros, com uma retomada em 2019 (6.4) mas desde então em queda nos leva ao mais baixo escore alcançado, 6.1, agora em 2020. Por isso, na escala mundial estamos em 41º lugar de felicidade.

Quando observamos quais os dados coletados para verificação de felicidade são PIB per capita, apoio social, vida saudável, expectativa de vida, liberdade, generosidade, ausência de corrupção , podemos inferir o que nos faz infelizes, percebemos que estamos perdendo a generosidade com o aumento da corrupção, nos sentimos desamparados pelos governos e as instituições civis, nos sentimos prisioneiros sabendo que  a pobreza aumenta à nossa volta e muitos morrem mais cedo, o que nos provoca muitas dores lamentando o que poderia ter sido. E embora eu tenha descrito um mundo feliz no qual eu vivo, este meu mundo é repleto de angústia, tristeza porque meus contemporâneos, não todos, assumiram que a realização de suas vaidades é mais importante que a vida de seus conacionais. Assim, como dizia Gonzaguinha, “não dá prá ser feliz”, mas, como ele, não podemos desistir de ser feliz, pois “eu sei que essa vida devia ser melhor e será”.

Drama 6 – O que aprendemos no distanciamento social

terça-feira, abril 14th, 2020

O que estamos aprendendo nesta experiência de distanciamento social, empurrados para dentro de nossas casas, forçados a nos olhar diretamente por um vírus? Uma experiência diversa daquela a que nos acostumamos e formos ensinados: sair de casa, todos os dias, e só voltarmos quando estivermos tão cansados de aprender para trabalhar, e trabalhar para ganhar dinheiro e ganhar dinheiro para comprar, o comprar o que nem sempre precisamos, mas precisamos comprar para que vejam que compramos e, se compramos é porque recebemos dinheiro pelo trabalho que fazemos a cada dia fora de casa.  Foi assim que aprendemos, por isso não contamos o trabalho de casa como trabalho, pois ele não é transformado fisicamente em dinheiro. Por isso o trabalho de lavar pratos, lavar a roupa, passar a roupa, guardar a roupa, preparar a comida, limpar a casa, não é visto como trabalho. Mas agora, que “não se está fazendo nada”, pode-se aprofundar a ideia tradicional de que trabalho é aquilo que se faz com um sentido, uma direção.

O trabalho gera a riqueza da vida: gera a limpeza que gera a saúde, gera a satisfação que gera o sorriso de agradecimento. Mas perdemos esse sentido do trabalho, em algum momento foi tirado este sentido. Talvez quando foi dito que ele é maldição. Tornou-se maldição porque perdeu o sentido da alegria criadora, regenerativa da vida. Interessante como vejo nas redes sociais que há muita gente trocando receitas para a produção de comida. Algumas pessoas estão descobrindo a alegria de preparar a comida para os familiares.   

Nesse período em que fomos chamados a ficar em casa, destoando do que nos foi ensinado, podemos aprender que trabalho não é o movimento mecânico do obreiro (operário) que opera a máquina sem, às vezes, percebê-la. Não precisa, tudo que ele faz é ajustar-se ao movimento da máquina, seja ela de escrita, de produção de tecido. Não é um movimento criativo e, se temos um cérebro que nos permite criar, ao realizar tarefas que apenas pedem a nossa capacidade mecânica, somos enfiados no mundo da infelicidade. Nos tornamos infelizes quando não exercemos o que nos difere dos demais animais, quando não exercemos a nossa capacidade de criar. Ao ficarmos em casa, nesse distanciamento social, podemos reaprender a contar histórias para nossos filhos, e nossos pais, e para aqueles que estão no mesmo espaço. E aprendemos a ouvir. Também aprendemos que o que fazemos e útil e valoroso, tem valor; embora não gere dinheiro gera riqueza, porque gerou uma possibilidade de alegria.

Muitos ainda não entenderam o sentido maior de ficar em casa, confinado, por algum tempo. Claro que é difícil para quem foi ensinado que tem que sair de casa para produzir riquezas que não irão experimentar, entender que ficar em casa neste momento, é um ato social e solidário, pois está salvando a vida de outras pessoas. Mas como entender que isso é bom se a pessoa foi ensinada que ele deve trabalhar para garantir o seu sustento e não o de toda a humanidade? Pois é, não lhe disseram que a vida é um ato cooperativo, que ninguém trabalha só para si, que o verdadeiro trabalho é para todos, não para alguns. Podemos aprender muita lições nesse pequeno período que fomos, tangido por um vírus, lançados de volta ao início. Temos a possibilidade de iniciar mais uma vez.

Mas, percebemos que há alguns que não nos querem em casa, nos querem na rotina dos gestos repetidos e repetitivos, querem que não descubramos. Redescubramos, a nossa criatividade, pois assim poderão continuar a nos tratar como máquinas. Não querem que saibamos que somos mortais. Sim, o vírus que nos ameaça nos diz que somos mortais. Se entendermos isso, poderemos os perguntar pelo sentido da vida para além do sal diário (sal(dia)ário) para os alimentos do corpo; querem que retornemos logo ao trabalho em suas fábricas e corporações para não notarmos que a vida tem como objetivo a felicidade, não a ação mecânica, não o divertimento, como nos dizem nas propagandas; a felicidade é conversar com as pessoas e não simplesmente  ver os monumentos. Ser feliz não é ficar três minutos olhando a Monalisa, ser feliz é criar a própria Gioconda.