O que estamos aprendendo nesta experiência de distanciamento social, empurrados para dentro de nossas casas, forçados a nos olhar diretamente por um vírus? Uma experiência diversa daquela a que nos acostumamos e formos ensinados: sair de casa, todos os dias, e só voltarmos quando estivermos tão cansados de aprender para trabalhar, e trabalhar para ganhar dinheiro e ganhar dinheiro para comprar, o comprar o que nem sempre precisamos, mas precisamos comprar para que vejam que compramos e, se compramos é porque recebemos dinheiro pelo trabalho que fazemos a cada dia fora de casa. Foi assim que aprendemos, por isso não contamos o trabalho de casa como trabalho, pois ele não é transformado fisicamente em dinheiro. Por isso o trabalho de lavar pratos, lavar a roupa, passar a roupa, guardar a roupa, preparar a comida, limpar a casa, não é visto como trabalho. Mas agora, que “não se está fazendo nada”, pode-se aprofundar a ideia tradicional de que trabalho é aquilo que se faz com um sentido, uma direção.
O trabalho gera a riqueza da vida: gera a limpeza que gera a saúde, gera a satisfação que gera o sorriso de agradecimento. Mas perdemos esse sentido do trabalho, em algum momento foi tirado este sentido. Talvez quando foi dito que ele é maldição. Tornou-se maldição porque perdeu o sentido da alegria criadora, regenerativa da vida. Interessante como vejo nas redes sociais que há muita gente trocando receitas para a produção de comida. Algumas pessoas estão descobrindo a alegria de preparar a comida para os familiares.
Nesse período em que fomos chamados a ficar em casa, destoando do que nos foi ensinado, podemos aprender que trabalho não é o movimento mecânico do obreiro (operário) que opera a máquina sem, às vezes, percebê-la. Não precisa, tudo que ele faz é ajustar-se ao movimento da máquina, seja ela de escrita, de produção de tecido. Não é um movimento criativo e, se temos um cérebro que nos permite criar, ao realizar tarefas que apenas pedem a nossa capacidade mecânica, somos enfiados no mundo da infelicidade. Nos tornamos infelizes quando não exercemos o que nos difere dos demais animais, quando não exercemos a nossa capacidade de criar. Ao ficarmos em casa, nesse distanciamento social, podemos reaprender a contar histórias para nossos filhos, e nossos pais, e para aqueles que estão no mesmo espaço. E aprendemos a ouvir. Também aprendemos que o que fazemos e útil e valoroso, tem valor; embora não gere dinheiro gera riqueza, porque gerou uma possibilidade de alegria.
Muitos ainda não entenderam o sentido maior de ficar em casa, confinado, por algum tempo. Claro que é difícil para quem foi ensinado que tem que sair de casa para produzir riquezas que não irão experimentar, entender que ficar em casa neste momento, é um ato social e solidário, pois está salvando a vida de outras pessoas. Mas como entender que isso é bom se a pessoa foi ensinada que ele deve trabalhar para garantir o seu sustento e não o de toda a humanidade? Pois é, não lhe disseram que a vida é um ato cooperativo, que ninguém trabalha só para si, que o verdadeiro trabalho é para todos, não para alguns. Podemos aprender muita lições nesse pequeno período que fomos, tangido por um vírus, lançados de volta ao início. Temos a possibilidade de iniciar mais uma vez.
Mas, percebemos que há alguns que não nos querem em casa, nos querem na rotina dos gestos repetidos e repetitivos, querem que não descubramos. Redescubramos, a nossa criatividade, pois assim poderão continuar a nos tratar como máquinas. Não querem que saibamos que somos mortais. Sim, o vírus que nos ameaça nos diz que somos mortais. Se entendermos isso, poderemos os perguntar pelo sentido da vida para além do sal diário (sal(dia)ário) para os alimentos do corpo; querem que retornemos logo ao trabalho em suas fábricas e corporações para não notarmos que a vida tem como objetivo a felicidade, não a ação mecânica, não o divertimento, como nos dizem nas propagandas; a felicidade é conversar com as pessoas e não simplesmente ver os monumentos. Ser feliz não é ficar três minutos olhando a Monalisa, ser feliz é criar a própria Gioconda.