Drama 17 – onde está a solidariedade?

Antes que julho termine o Brasil contará noventa mil mortos pela Covid 19. É um número alarmante. São muitas as cidades brasileiras que não alcançam esse número de habitantes. Ainda morrem cerca de mil brasileiros diariamente, e tal montante não parece influir no comportamento dos brasileiros, nem na inteligência dos que governam o país. O que nos ocorre? Porque tal situação e comportamento crescem fecundamente em uma nação, em um povo a quem se atribui hospitalidade, alegria, cordialidade e tantas virtudes cantadas, por estrangeiros que nos visitam e por muitos de nós. Gonçalves Dias, vivendo na Europa, escreveu afirmando que “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. As aves europeias gorjeiam diferente, sem a tropicalidade fulgurante, sem a verdura exuberante das florestas, como afirmava o escritor de Porque me ufano do meu país, o conde Afonso Celso. Mas, algo acontece que nos impede a vencer a pandemia Covid 19, já sob controle em muitas regiões do mundo, seja no Oriente edulcorado por alguns, seja no Ocidente europeu, destratado por outros. Mas, na América, o novo continente, não se encontrou o caminho para conviver com o vírus biológico do século XXI.

Sabe-se, hoje, que na Itália há regiões com índice zero de coronavírus 19. Na Úmbria, ali na Itália, hoje é zero de Covid 19. Seriedade, disposição para cumprir o fechamento das cidades, a circulação das pessoas, tudo isso levou a esse resultado. Devemos considerar alguns pontos para entendermos tal sucesso: lideranças políticas e morais dignas de merecerem a confiança do povo. Um prefeito que admite o erro e pede desculpas à população por ter colocado interesses econômicos além do valor da vida humana; a presença inspiradora de um líder religioso comprometido com a vida humana, entendo-a sagrada, pondo-se humildemente a serviço do seu povo, ajoelhando-se solitário e solidário com a humanidade, rogando forças para vencer a adversidade. E, principalmente, o espírito de solidariedade dos italianos, superando os desejos privados e egoístas por entender que civilização só é possível com a compreensão de que nada se constrói sozinho, que só agindo como uma unidade é que se encontra forças para vencer, até mesmo sem as drogas milagrosas e as vacinas, força tão terrível da natureza. A Itália e outras regiões do continente europeu venceram o desafio por agirem solidariamente, as nações e os cidadãos. Semelhante vimos acontecer no Oriente, cultivador de tradições que a todos unem, acima dos sofrimentos a que são submetidos ao longo dos séculos. Só se pode vencer o vírus físico se houver, além dos anticorpos naturais, os anticorpos sociais da solidariedade, da compreensão, do comprometimento, ainda que pequeno, com toda a sociedade.

E então, ao nos voltarmos para o continente americano, observamos uma sociedade voltada para o mito do self made man, prefigurado em personagens vividos, na tela, por John Wayne, aqueles que tudo resolvem por sua vontade, coragem pessoal. E seus armamentos aliados a uma religião civil fundamentalista, aliada à leituras fundamentalistas dos textos bíblicos, que produziu um cristianismo impermeável aos sentimentos humanitários, capaz de lutar contra o cristianismo que fundamentou a civilização Ocidental no que há de melhor e no que a diferencia. O fundamentalismo cristão, o tão louvado espírito do capitalismo, impedem a solidariedade, promovem o assassinato público dos cidadãos de cor, e tem como lema a ideia de que tem que estar acima de todos, como a loucura própria dos nazistas, seguidores do Minha Luta, e que mostrou o vírus da imoralidade, ou amoralidade, nos campos de concentração nazista. Na Rússia os números são altos, mas teme-se que o governo russo esconda dados. É a tradição mantida pelo novo Czar.

No Brasil, que é o tema inicial dessa nossa conversa, observamos que não tivemos liderança nacional, nem civil nem religiosa. Os religiosos quando se pronunciaram, herdeiros do Evangelical Belt norteamericano, foi no sentido de que “Deus salva os seus” e que basta a fé para evitar o Coronavírus. Hoje alguns de seus membros ocupam pastas ministeriais, no governo federal. Os líderes católicos preferiram, parece, lavar as mãos, tiveram medo de comprometer-se, agiram como agiam os bispos antes da CNBB. Isso permitiu que alguns padres estrelados e famosos fossem mendigar ajuda ao césar, e alguns outros saírem em defesa do uso de armas. Que diriam Dom Luciano Mendes, Dom Hélder Câmara, Dom Evaristo Arns? Só agora, após 80.000 mortes, vai sair um documento coletivo. Não houve uma voz das religiões conclamando à solidariedade, salvo exceções que não receberam apoio de seus grupos. Ficamos entregues à sanha de um líder que sonha com o povo (seus seguidores) armado para tornar mais fácil um golpe de estado, como disse em reunião ministerial de 22 de abril. Só nos resta esperar que o “espírito de 76” anime os norte-americanos a derrotar o que de pior sua cultura produziu, assim, quem sabe, derrotaremos, ou afastaremos da cena, o que de pior foi produzido no Brasil no século XX.

Quanto à trajetória da Europa na luta contra a Covid 19, é como dizia o poeta: As Aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.  

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