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Escravidão e a dificuldade de assumir o isolamento social.

quinta-feira, abril 30th, 2020

Aquele que lutou a grande batalha contra o trabalho escravo no Brasil, Joaquim Nabuco, escreveu que a escravidão cria uma sociedade em que uma parte não trabalha, apenas manda, e outra parte que apenas obedece, mas que obedece sob chibata. Uma sociedade gestada com base na escravidão de seres humanos, um processo de desumanização, dificilmente será uma sociedade livre, capaz de gerir-se e respeitar-se. Os que se alimentam do trabalho dos outros, não valorizam o trabalho, nem aqueles que trabalham;  aqueles que trabalham e não conseguem usufruir daquilo que o seu trabalho produz, percebem-se como nada, como ninguém, e são levados a confundir migalhas de alimentos e liberdade com a plenitude dos bens a que têm direito. E, o que é terrível, os povos que foram gestados na escravidão confundem falsa dádivas como direito.

É por não perceber o outro como sujeito que os senhores de escravos, os originais ou seus descendentes, não conseguem valorizar a vida dos demais membros da sociedade, ou melhor, entendem que eles, apenas eles, é que fazem a sociedade. Daí o descaso da vida dos outros, daí o “ e daí?”.

Não valorizar a vida, é o mesmo que não valorizar a vida dos outros. Na medida que  se desconhece o valor do outro, da sua dor, dos seus sentimentos, cri-se o espaço para não perceber a sua existência e, se eles não existem, não há porque preocupar-se com eles, com o que lhes aconteça e, este comportamento está  condenado, dito como errado desde o início da tradição na qual o Brasil foi formado.

E o Senhor disse a Caim: ”onde está o teu irmão?” – Caim respondeu: “: Não sei. Sou porventura eu o guarda do meu irmão?” Gen4:9.  

Fora do Paraíso, todos são responsáveis por todos, mesmos os que receberam a glória do poder, uma vez que o poder só é grandioso e reconhecido à medida que for capaz de atender a necessidade de todos e não a vaidade dos que que o receberam. O não preocupar-se com o que ocorre aos demais, será cobrado. Cada gota de sangue será cobrado “e de ora em diante, serás maldito e expulsos da terra, eu abriu a boca para beber da tua mão o sangue de teu irmão” Gen 4:11s.

Ao destruir a vida do irmão para saciar a sua vaidade ferida, a pessoa  deseja negar a humanidade dele e afirmar a sua, mas como a humanidade é sempre coletiva, é impossível ser humano sozinho. Negar a vida do irmão é negar a sua própria humanidade. Reconhecer o erro, admitir que é responsável pelos acontecimentos que estão no entorno de sua existência, é a tentativa de recuperar a humanidade perdida.

Após a repercussão negativa do seu “e daí”, ou seja “o que tenho eu com a vida de meu irmão ?”, por sinceridade ou cálculo político, assistimos, agora, o presidente Bolsonaro dizer, timidamente, que talvez tenha sido portador do vírus que ele negava; mas, ao dizer que os governadores com sua política não conseguiram achatar a curva epidêmica, querendo-lhes imputar a culpa das mortes que ele perpetrou, Bolsonaro começa a admitir que cometeu erro. Certo que isso ocorre depois que o presidente Trump indicou que o “Brasil tomou o rumo diferente” e ameaçar suspender os voos doas companhias aéreas norte americanas para o Brasil, como que cumprindo o castigo de ser um pária na sociedade humana.

O bom é que isso passa.

sábado, outubro 5th, 2019

Podemos até dizer que setembro se foi quando chegou a primavera, pois de lá para cá, este final de primeira semana de outubro, tem havido muita novidade antiga, pois que assim pode ser percebida a realidade brasileira nos dias atuais, quando o presente fica, em alguns aspectos com jeito de passado, de coisa já vista e indesejável. Mas sempre vem novidades em forma de esperança, e sabemos que toda esperança tem um pouco de saudade, um pouco de desejo de que as coisas boas voltem a ocorrer.

É lamentável ter um presidente que nos mente propositadamente, com o objetivo de confundir a todos e, assim, continuar em evidência na mídia que diz tanto detestar; é lamentável ter um presidente que usa palavras e expressões pouco delicadas e desaconselháveis diante senhoritas, como se dizia antigamente. A palavra e seus usos são o retrato da sociedade. É o caso de “porra”, palavra que, cerca de quarenta, cinquenta anos, só os homens usavam em público, e quando estavam com seus pareceiros, e agora é de uso comum em comícios na frente do palácio presidencial. Sim, entendemos que o avanço do politicamente correto, agregado à parcimoniosa prática da leitura nos tempos atuais, tornou tal palavra tão comum que até as moças de famílias tradicionais sempre a carregam na ponta da língua, e a despejam sem cerimônia em suas conversações. É uma palavra sinônima de tudo, de todas as coisas, de todas as práticas: está a tornar-se um vocábulo de gala. Outra palavra simbólica.

Na mesma direção, a porra do nosso presidente, nesta semana, fez retornar o saudável hábito de gritar a mãe dos outros. Quando alguém lhe perguntou pelo amigo Queiroz, ele prontamente respondeu: “tá com sua mãe”. Existe algo mais brasileiro, mais caserneiro, mais maloqueiro que o hábito de falar depreciativamente da mãe do outro? É assim que nosso presidente demonstra o carinho e a preocupação que ele tem pela família brasileira, pelos costumes que deram a forma ao Brasil, não o que queremos, mas o que tem sido construído nesses séculos de exclusões. Essas atitudes, ele toma, por entender que é assim que o brasileiro é. Muito importante que o presidente Bolsonaro esteja se esforçando para ser ele mesmo, sendo um exemplo para a atual e a futura geração. Afinal o seu objetivo é fazer essa porra do Brasil continuar a ser um país de filho da … mãe.

O bom é que isso vai passar. Como se sabe, isso é uma palavra que era utiizada para evitar dizer M…;