Archive for the ‘Estados Unidos da América’ Category

Drama 17 – onde está a solidariedade?

segunda-feira, julho 27th, 2020

Antes que julho termine o Brasil contará noventa mil mortos pela Covid 19. É um número alarmante. São muitas as cidades brasileiras que não alcançam esse número de habitantes. Ainda morrem cerca de mil brasileiros diariamente, e tal montante não parece influir no comportamento dos brasileiros, nem na inteligência dos que governam o país. O que nos ocorre? Porque tal situação e comportamento crescem fecundamente em uma nação, em um povo a quem se atribui hospitalidade, alegria, cordialidade e tantas virtudes cantadas, por estrangeiros que nos visitam e por muitos de nós. Gonçalves Dias, vivendo na Europa, escreveu afirmando que “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. As aves europeias gorjeiam diferente, sem a tropicalidade fulgurante, sem a verdura exuberante das florestas, como afirmava o escritor de Porque me ufano do meu país, o conde Afonso Celso. Mas, algo acontece que nos impede a vencer a pandemia Covid 19, já sob controle em muitas regiões do mundo, seja no Oriente edulcorado por alguns, seja no Ocidente europeu, destratado por outros. Mas, na América, o novo continente, não se encontrou o caminho para conviver com o vírus biológico do século XXI.

Sabe-se, hoje, que na Itália há regiões com índice zero de coronavírus 19. Na Úmbria, ali na Itália, hoje é zero de Covid 19. Seriedade, disposição para cumprir o fechamento das cidades, a circulação das pessoas, tudo isso levou a esse resultado. Devemos considerar alguns pontos para entendermos tal sucesso: lideranças políticas e morais dignas de merecerem a confiança do povo. Um prefeito que admite o erro e pede desculpas à população por ter colocado interesses econômicos além do valor da vida humana; a presença inspiradora de um líder religioso comprometido com a vida humana, entendo-a sagrada, pondo-se humildemente a serviço do seu povo, ajoelhando-se solitário e solidário com a humanidade, rogando forças para vencer a adversidade. E, principalmente, o espírito de solidariedade dos italianos, superando os desejos privados e egoístas por entender que civilização só é possível com a compreensão de que nada se constrói sozinho, que só agindo como uma unidade é que se encontra forças para vencer, até mesmo sem as drogas milagrosas e as vacinas, força tão terrível da natureza. A Itália e outras regiões do continente europeu venceram o desafio por agirem solidariamente, as nações e os cidadãos. Semelhante vimos acontecer no Oriente, cultivador de tradições que a todos unem, acima dos sofrimentos a que são submetidos ao longo dos séculos. Só se pode vencer o vírus físico se houver, além dos anticorpos naturais, os anticorpos sociais da solidariedade, da compreensão, do comprometimento, ainda que pequeno, com toda a sociedade.

E então, ao nos voltarmos para o continente americano, observamos uma sociedade voltada para o mito do self made man, prefigurado em personagens vividos, na tela, por John Wayne, aqueles que tudo resolvem por sua vontade, coragem pessoal. E seus armamentos aliados a uma religião civil fundamentalista, aliada à leituras fundamentalistas dos textos bíblicos, que produziu um cristianismo impermeável aos sentimentos humanitários, capaz de lutar contra o cristianismo que fundamentou a civilização Ocidental no que há de melhor e no que a diferencia. O fundamentalismo cristão, o tão louvado espírito do capitalismo, impedem a solidariedade, promovem o assassinato público dos cidadãos de cor, e tem como lema a ideia de que tem que estar acima de todos, como a loucura própria dos nazistas, seguidores do Minha Luta, e que mostrou o vírus da imoralidade, ou amoralidade, nos campos de concentração nazista. Na Rússia os números são altos, mas teme-se que o governo russo esconda dados. É a tradição mantida pelo novo Czar.

No Brasil, que é o tema inicial dessa nossa conversa, observamos que não tivemos liderança nacional, nem civil nem religiosa. Os religiosos quando se pronunciaram, herdeiros do Evangelical Belt norteamericano, foi no sentido de que “Deus salva os seus” e que basta a fé para evitar o Coronavírus. Hoje alguns de seus membros ocupam pastas ministeriais, no governo federal. Os líderes católicos preferiram, parece, lavar as mãos, tiveram medo de comprometer-se, agiram como agiam os bispos antes da CNBB. Isso permitiu que alguns padres estrelados e famosos fossem mendigar ajuda ao césar, e alguns outros saírem em defesa do uso de armas. Que diriam Dom Luciano Mendes, Dom Hélder Câmara, Dom Evaristo Arns? Só agora, após 80.000 mortes, vai sair um documento coletivo. Não houve uma voz das religiões conclamando à solidariedade, salvo exceções que não receberam apoio de seus grupos. Ficamos entregues à sanha de um líder que sonha com o povo (seus seguidores) armado para tornar mais fácil um golpe de estado, como disse em reunião ministerial de 22 de abril. Só nos resta esperar que o “espírito de 76” anime os norte-americanos a derrotar o que de pior sua cultura produziu, assim, quem sabe, derrotaremos, ou afastaremos da cena, o que de pior foi produzido no Brasil no século XX.

Quanto à trajetória da Europa na luta contra a Covid 19, é como dizia o poeta: As Aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.  

Projeto Apollo e outras memórias

terça-feira, julho 9th, 2019

Então, todas as datas são passiveis de serem comemorativas, sempre nos trazem à memória acontecimentos que nos formaram, como pessoas nos grupos que nós vivíamos. Sentimos isso à medida que passamos no tempo. O tempo nos faz pensar no que fizemos no passado ou, como disse Belchior, n’o “ mal que o tempo sempre faz”. Mas, talvez o tempo faça mal, talvez tenhamos feito mal no tempo que vivemos e, essas ações marcam o rosto, o corpo e a alma. Assim como também o bem que fizemos no tempo nos deixa marcas, mas não as notamos. É que o bem é quase invisível, especialmente para aqueles que por ele foram afetados; o mal, contudo, parece ter a faculdade de ser melhor visto, melhor avaliado e, portanto, mais amplificado na memória pois os seus efeitos são imediatos. O bem exige mais tempo para ser distinguido, avaliado e aceito. É comum que muitas pessoas apenas com o desaparecimento do benfeitor, seja o desaparecimento fortuito e espacial, seja o definitivo, é que se percebe o bem que ele realizou.

Como disse, sempre há cinquentenários, centenários, e muitos outros aniversários. Este ano é o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial (um uma pausa preparatória para a segunda), e cinquentenário da primeira abordagem por humanos no solo lunar. Quase o fim da poesia, conforme escreveu Gilberto Gil em poema memorável e cantado por Elis Regina, a então rainha da Música Popular Brasileira, ombreando com a Divina Elizeth Cardoso. Mas essas lembranças pouco dizem aos que nasceram depois dos anos setenta, dos tempos difíceis e criativos dos anos sessenta. Eram tempos de ‘cara amarrada’ como descreveu Ivan Lins. Aqueles tempos nos acompanham de diversas maneiras, com sentimentos de tristeza por não termos realizado o sonho, definido como acabado por John Lennon, ele mesmo assassinado; mas também lembrado com orgulho, por essas mesmas pessoas, por terem feito parte dele, por terem tido entusiasmo e esperança, como a fazer parte das ‘minorias abraâmicas’ de dom Hélder Câmara, campeão na luta pela Justiça, por um mundo de paz e sem fome e miséria. Mas também aquele tempo passou a ser mitologizado, tempo lembrado com saudades pela geração que não o viveu, mas que cresceu no mundo em que a luta parece que se resume a entender o que aconteceu, e não mais fazer acontecer, como na poesia de Geraldo Vandré. Agora tudo parece ‘divino e maravilhoso’ e ‘quanto mais purpurina melhor’ para suportar o vazio das esperanças, não perdidas, pois não se perde o que não lhe pertence, como dizia o bordão da comediante.

Na manhã de 16 de julho de 1969, para desespero do que cultivavam (alguns ainda cultivam) aversão aos Estados Unidos da América do Norte, viram dois astronautas caminharem na lua, cumprindo a promessa feita por JFK no início da década. Ainda há muitos que dizem que tudo não passou de uma ação midiática, filmada em alguns deserto americano. Independente desses, continuava a corrida pela conquista, além do conhecimento, do espaço sideral. Em abril de 1971, em uma aula de teologia bíblica, a colega de turma, Irmã Elizabeth, missionária beneditina, pediu permissão para lembrar que, naquele momento estava ocorrendo o lançamento da nave Apolo XIII em direção à lua, e da importância do acontecimento, analisando-o como parte do projeto de Deus para a humanidade, ou como Deus permite ao homem alcançar o conhecimento e que este sirva para o bem da humanidade. Tomei a palavra e disse as bobagens permitidas ao atrevimento dos vinte anos, que “era um gasto inútil enquanto milhares de pessoas estavam vivendo em miséria e fome’, que era um projeto fruto do orgulho e da ganância do império americano, e outras palavras, que escondiam a minha ignorância sobre os resultados positivos que essas viagens estavam a trazer para a humanidade. Hoje entendo que não é a questão do conhecimento, mas da ética dos grupos que têm acesso ao conhecimento e o poder que deixa-lo alcançar todas as potencialidades. A irmã Elizabeth tinha razão, suas informações eram maiores que as minhas, sua amplidão de alma olhou para mim e, depois da aula disse-me que compreendia o que eu dissera. Um ano depois, no mês de julho, eu estava a Detroit, MI, como missionário católico e, notei que, na sala de entrada da Casa Paroquial Holly Trinity, o televisor estava ligado no momento da decolagem da Apolo XV. Não havia ninguém na sala: aquelas viagens estavam se tornando comuns, embora um problema não tenha permitido a alusinagem daquela tripulação.

Afinal quantas memórias temos daquele período, de outros períodos e, sabemos que são tantas quantas as pessoas, e serão múltiplas para cada visita pessoal, muitas delas acrescidas das informações que recebemos posteriormente, mas que a integramos na memória, como houvesse realmente acontecido. Mexer na memória é não apenas ‘reviver o passado’, conforme definição de frevo canção de Edgar Moraes, talvez seja recriar o passado, como diz Foucault. E o recriamos talvez com o nosso humor e experiência. O Pessimismo ou otimismo do presente contagia o passado.

Quase um ensaio sobre a história da educação brasileira

domingo, maio 12th, 2019

Enquanto o feriado dedicado a homenagear a o Trabalhador, não o trabalho, passava conversávamos sobre o que ocorre neste final da segunda década do século XXI com o sistema de educação brasileiro, com a atuação dos atuais governantes, especialmente os que foram escolhidos para gerir os caminhos da educação: um deles fez a escolha de ser brasileiro, tendo nascido na Colômbia, mas que continua a falar espanhol, na pronúncia e na gramática; o outro, é desses estrangeiros que nascem no Brasil, eternos turistas de sua pátria, desconhecedores de seus compatriotas e resultante de uma educação que sempre negou o Brasil.

Nossa conversa era sobre o financiamento à educação. No Brasil, ao longo de nossa história, cuidar da educação jamais foi uma preocupação do Estado ou da sociedade. Sabemos que ainda temos muitos analfabetos no Brasil e, nossas estruturas sociais estão a produzir mais, nas modalidades de totalmente analfabetos e analfabetos funcionais, desses que se tornam capazes de assinar documentos mas que não o leem pois a leitura os cansa, são os alfabetizados com a função de assinar. Não carece muita imaginação para entender porque o Estado Português pouco se interessava por aumentar o nível cultural de sua colônia, entregue àqueles que se prontificavam em tudo obedecer a El Rei, desde que pudessem extrair e ficar com parte das riquezas produzidas deste lado do oceano Atlântico. Tampouco houve interesse do Estado brasileiro, o que se organizou, depois de 1822, foi utilizando os mesmos alicerces estabelecidos pelos portugueses; afinal, é loucura pensar que donos de escravos viessem a cuidar para que seus escravos tivessem acesso a livros, à palavras que indicassem caminhos como os seguidos pelos ingleses, desde o século XVII, e por outros povos no séculos seguintes. E aqui é bom lembrar que nações como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, França, Japão, chegaram ao século XX com índices de analfabetismo inferiores a 20 ou 10% de sua população. Interessante é que, excetuando o Japão e a França, a alfabetização da sociedade não foi impulsionada pela ação do Estado, mas resultou, principalmente, de instituições eclesiásticas ou civis. Claro que ocorreu a criação de academias financiadas por algum estadista, como foi o caso do Cardeal Mazarino, e da atuação de príncipes, mas como política de Estado, apenas Frederico Guilherme tornou o estudo e o ensino obrigatório aos seus súditos. Foram sociedades formadas por, sim, gente rica que compreendeu que pouco adianta a sua cultura se ela não puder ser discutida e que tenha um alcance maior do que os espaços de suas salas de estar. As famílias nobres contratavam, elas mesmas os educadores de seus filhos. Nos países que aderiram às Reformas de Lutero, Calvino e outros reformadores, a necessidade de acompanhar as leituras bíblicas, nos lares e nas igrejas, motivou o desejo da leitura. Reconhecer o valor de quem estuda, escreve, pensa, divulga o pensamento é um dos fatores que fez surgir a sociedade democrática; e facilitar o acesso ao conhecimento, é outro caminho que parece ter sido empregado por aquelas sociedades. E assim fizeram e fazem ainda,é porque a sua riqueza e a riqueza de sua nação andam quase em paralelo. Para supor isso, basta verificar o quanto de bibliotecas e museus existem nas cidades de tais povos, e como elas são tratadas, e como os livros são parte do cotidiano. O Estado, naqueles países, só veio cuidar da educação como sua política, na segunda parte do século XIX, premidos pelos avanços do conhecimento e da Revolução Industrial.

A preocupação com a educação das massas é consequência da Revolução Industrial, pois a nova tecnologia exigia conhecimentos básicos de leitura dos operários. É só no final do século XIX e início do século XX que a educação das massas tronou-se uma preocupação dos países que se envolveram com o processo de industrialização, tornaram-se desenvolvidos, países centrais. No Brasil, em que pese os debates que geraram o otimismo da educação, e mesmo o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, ainda na primeira metade do século XX, e que, redigido por Fernando de Azevedo, foi assinado também por Anízio Teixeira, Loureço Filho, Afrânio Peixoto, Cecília Miereles, entre outros, as estruturas econômicas do Brasil não haviam mudado de forma a exigir um esforço na direção da educação das massas. E mesmo da juventude da elite, que então era enviada para estudar na Europa. Foi a crise de 1929 que obrigou industriais paulistas a criarem uma escola superior em São Paulo, A Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras de São Paulo, germe inicial da Universidade de São Paulo.

O Estado brasileiro continuava contente com as escolas de Medicina e Engenharia criadas por Dom João, o Regente de Dona Maria, e com as escolas de Direito criadas por Dom Pedro I. Em termos de educação básica, tudo foi remetido, no Ato Adicional de 1840, para os municípios, sabidamente incapazes de realizar a tarefa, seja por falta de numerário seja por ausência de gente capacitada, além do desinteresse das Câmaras. E, se durante o império foram criadas algumas escolas públicas nas capitais das províncias, nos sertões, a educação só existia pelo interesse de alguns proprietários e padres que criavam escolas para transmitir o mínimo necessário para os filhos da elite e seus imediatos. Afinal, era um país escravocrata.

Durante a República Velha, até 1930, pouco se fez para a expansão do acesso dos jovens à Escola. Entretanto foi muito comum o Estado a criar escolas normais que objetivavam formar professoras de ensino básico. Mas foram as instituições religiosas – católicas e protestantes – as principais responsáveis pela formação da juventude da elite e de setores da classe média, ou melhor, dos filhos de funcionários do Estado, preparando-os para as funções mínimas a serem realizadas pela burocracia do Estado e pelo comércio. Já o Estado Novo preocupou-se mais com o controle dos operários, através da criação de sindicatos e de uma legislação trabalhista que lhe garantiu a submissão os operários e dos sindicatos; as escolas existentes ou que foram estabelecidas no período estavam voltadas para um pequeno grupo da população, e era dirigida para criar um sentimento patriótico nacional. Mas como era para atender a poucos, havia a possibilidade de cultivar a boa qualidade dessa escola. As mais pobres se viam à margem, atendidos por particulares que abriam escolas em suas casas. Ao apagar das luzes da ditadura do Estado Novo foi criado um sistema de educação visando atividades econômicas específicas – Sistema S de Educação: SESI, SENAC, SESC. Mas o ensino técnico profissionalizante, criado por lei ainda no início da segunda década do século XX, jamais foi levado muito a sério em uma sociedade formada, dirigida e planejada para bacharéis, filhos e netos de escravos, que tinham ojeriza ao trabalho manual. E para o trabalho diário de lavar roupa, ou cuidar do jardim, melhor que as pessoas a elas destinadas não gastassem tempo nas escolas.

A década de 1950 assistiu uma parte da sociedade entusiasmada pelo desenvolvimento social e econômico, manifestado no Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, e assistiu a migração dos mais pobres e explorados para o sudeste, debateu exaustivamente uma Lei de Diretrizes e Bases para a educação brasileira, que só veio a ser aprovada no início da década de 1960, atrasando o estabelecimento de uma medida comum, um sistema educacional. Nessas duas décadas, 40 e 50, começaram a ser criadas as universidades federais, o que aconteceu formando ajuntamento de escolas superiores que funcionavam autonomamente, e agora passavam a girar em torno de uma Reitoria. Mas as universidades serviam a poucos, porque eram poucos os que frequentavam as poucas escolas existentes. Foi apenas depois de 1964 que começou a ocorrer a universalização do ensino básico, com a criação de um maior número de escolas públicas e, também de professores. Entretanto foram diminuídas as exigências para a contratação de professores, com a suspensão de concursos públicos, ao mesmo tempo em que o arrocho salarial foi depreciando o valor do trabalho, notadamente o de magistério. Relegado ao município, o Ensino Básico foi crescendo em quantidade e deficiência, por falta de professores e por conta das condições necessárias para o funcionamento das escolas, inclusive pela ausência de professores, bibliotecas e equipamentos básicos para o mister. A solução encontrada foi a decisão de tornar, após um curso de atualização e nivelamento de conhecimentos didático-pedagógicos, com duração de um ano, advogados, biólogos, padres, pastores, qualquer um com formação superior, prontos para o ensino. E isso foi forçando a ampliação do ensino superior pois, mesmo aos trancos, a universidade começava a ser horizonte de muitos jovens. Então, na década de 1970 deu-se uma tentativa de universalização do ensino superior, com o estabelecimento de autarquias municipais de educação, com a criação de cursos de formação de professores com o objetivo de atender as demandas locais. Mas, mais uma vez, não ocorreu a formação de profissionais para as áreas técnicas, para química, física, matemática. Embora pressionados pela expansão da industrialização, os entes públicos (federação, estados, municípios) continuaram na tradição de manter o espírito bacharelesco, não formando profissionais que pudessem ser aproveitados nas indústrias e que possibilitassem avanço nas pesquisas tecnológicas, garantindo, dessa forma, a dependência em relação àquelas nações que assumiram o protagonismo do mundo moderno. Como nos explicou Darcy Ribeiro, nos tornamos um povo condenado à Atualização Histórica, sempre fazendo esforços no sentido de acompanhar as inovações que vêm dos países centrais, econômica e tecnologicamente. Entretanto, aos trancos, as universidades federais esforçavam-se para cumprir sua tarefa, enquanto a sociedade continuava a não perceber que atendia apenas a um terço da população, o terço que contava e consumia, o terço que tinha relação direta com o domínio das riquezas produzidas, riquezas a serem consumidas preferencialmente por elas. As estruturas sociais e de pensamento continuavam sendo as mesmas dos tempos coloniais, embora fossem constantemente prometidas, e nunca cumpridas, reformas para ampliar o leque dos que usufruíam o bolo. Assim ocorreu com as decisões tomadas e escritas na Constituição promulgada em 1988, criadora de direitos múltiplos, mas sem haverem sido promovidas as reformas necessárias para a garantia do usufruto de tais direitos.

Durante a Ditadura Civil Militar, a expansão do ensino provocou o “funil cultural”, exposto pelo pequeno número de vagas oferecidas nas universidades, o que gerou o fenômeno dos que haviam alcançado a média necessária para o ingresso para vagas inexistentes: o excedente. O ministro da Educação à época, Jarbas Passarinho, então estabeleceu que não há vagas além daquelas ofertadas, portanto não haveria excedentes de candidatos. Entretanto a sociedade continuava a crescer e também o número de jovens interessados na conquista de um diploma. Em uma sociedade marcada pelo estigma da escravidão e da separação social, durante a ditadura do Estado Novo, o Código de Processo Penal estabeleceu que diplomado em curso superior tem o privilégios de uma prisão especial, de forma a não ser obrigado conviver com quem não possui diploma. São muitas as sociedades no território brasileiro: a dos bacharéis portadores de diploma e dos que terminam os estudos com a conclusão do ensino médio, são exemplo dessa nossa diversidade. Claro que esta não é a única nem a principal razão do crescente número de interessados em realizar um curso superior. Nas sociedades modernas a leitura é essencial para a sobrevivência social, e desde os últimos anos do segundo milênio, o estudo passou a ser parte inerente e permanente na vida do cidadão. Além disso, os estudos universitários são prospectores do futuro, não apenas a memorização do já conhecido. Não promover o ensino de graduação e pós graduação é destinar a sociedade ao passado. Isso foi entendido por alguns setores dos governos ditatoriais, mas não foi assimilado por grande parte da sociedade, especialmente aquela que tem sido beneficiária por manter os brasileiros distantes dos conhecimentos que a civilização tem produzido e continua a produzir. Sofre muito aqueles que sonhavam (ainda sonham, pois se não sonhassem este sonho não estaria sofrendo) com o Brasil continuando a crescer no campo da conhecimento, apesar das dificuldades impostas pelos oligarcas que nunca ficaram fora do poder de comando, sempre surfando sobre os sonhos de libertação dos que sabem que são originários da Silva e da Costa. Os que vieram da Costa tem mais facilidade em compreender a sua origem que veio se misturar no processo de mestiçagem e sincretismo religiosos; os da Silva, mais envolvidos pelas seduções e que tornaram o Brasil sua propriedade, julgam-se ser parte da grande sociedade, e esquecem que podem ser a Conceição cantada por Herivelto Martins na voz de Cauby Peixoto: “se subiu, ninguém sabe, ninguém viu, pois hoje o seu nome mudou e estranhos caminhos pisou, só eu sei que tentado a subida desceu”.

Vivemos em tempo interessantes e estressantes. Os dois últimos presidentes da República gabam-se por terem criados cerca de duas dezenas de universidades, mas não informam se foram dadas as condições exigidas para que elas funcionassem com galhardia, ou se apenas foram criadas por ato voluntarioso, acreditando, com minha mãe “Deus proverá, um anjo cuidará disso”. Bem, o stress é que o seu sucessor parece ser o anjo da morte. Não cuida da vida, não cuida da educação, não cuida do futuro.

O fim de uma guerra em 1917

domingo, novembro 11th, 2018

Quando paramos para comemorar cem anos do final da Primeira Guerra Mundial do século XX, notamos que pouco lembramos dessa guerra distante no tempo, mas que marcou o início do século XX, segundo famosos historiador britânico. Mais voltado para a América latina, o francês Olivier Campagnon entende que aquela guerra encaminhou o Brasil para definir sua identidade, mais voltada para os Estados Unidos, especialmente a Europa germânica e britânica. Aos poucos foi também afastando-se, culturalmente da França. A guerra que terminou a 11 de novembro de 1919 foi, segundo alguns continuada em silêncio durante algum tempo e, depois de 1939, ao som dos tanques e bombardeios aéreos sobre cidades inglesas, principalmente.

Para alcançar meu mestrado em história pesquisei como as lideranças da Arquidiocese de Olinda e Recife usaram as informações sobre a guerra de 1914, no jornal A Tribuna, para angariar a simpatia dos governantes e animar os católicos na direção do patriotismo. Verifiquei duas tendências entre os católicos de Olinda e Recife: uma delas, era verbalizada pelo Monsenhor Afonso Pequeno que entendia não ser do interesse do Brasil envolver-se em uma guerra que favoreceria aos Estados Unidos, recentemente entrado no conflito, após período de indecisão de Wilson. Era dos Estados Unidos de onde estavam vindo, em profusão, o protestantismo e o bicudo, “duas pragas”, dizia ele, que estavam arruinando a identidade brasileira e o algodão que era uma das forças da economia pernambucana naquele momento. Para o Monsenhor Afonso Pequeno o Brasil deveria permanecer neutro, seguindo a orientação do papa Bento XV. Outra tendência era a orientada pelo superior do Monsenhor, Dom Sebastião Leme, arcebispo que se esmerava na política de fortalecer as relações entre a Igreja e o Estado, pois entendia que o catolicismo era a argamassa que fez e une o Brasil, como escrevera em sua Carta de Saudação aos seus novos diocesanos, em 1916. As ele, durante o seu pastoreio em Olinda e Recife, fez presidente estadual da Comissão de Civismo e foi defensor do serviço militar obrigatório, auxiliando a cruzada do poeta Olavo Bilac. Dom Leme não seguia a orientação do Santo Padre, assim como fez o arcebispo de Paris que, em sermão na Notre Dame, disse que não poderia calar o seu sentimento de amor à pátria quando ela estava sendo agredida. O Brasil sentiu pouco essa agressão, tendo alguns navios mercantes, que se dirigiam à Europa, atacados por submarinos, o que favoreceu o intercâmbio comercial com os Estados Unidos, seu futuro principal parceiro comercial. Alguns soldados foram enviados, mas não travaram nenhum combate, tendo chegado à Europa no dia 10 de novembro. Mas as simpatias dos intelectuais foram sempre para os franceses, especialmente, sempre vistos como paladinos da civilização.

Após a declaração de guerra aos Países Centrais – Alemanha, Áustria, Hungria – ocorreram depredações de prédios com estabelecimentos comerciais de alemães, e também conventos que eram habitados por padres de origem alemã, sob a suspeita de estarem à serviço daquelas potências bárbaras que combatiam a civilização, ou seja, a França. Isso aconteceu em outras cidades, mas na região de imigração alemã, viu-se alguns milhares voluntariando-se para combater na defesa do Kaiser Guilherme II.

O término dessa guerra trouxe um surto de nacionalismo. Três depois vieram as festas comemorativas do Centenário da Independência, A Semana de Arte Moderna, e outros movimentos que buscavam uma identidade brasileira. Daí resultaram o Integralismo de Plínio Salgado, mas principalmente o fim da democracia nascida dom movimento de 1930, com a adoção do Estado Novo.

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SILVA, Severino Vicente da. Da Guerra à neocristandade – A Tribuna Religiosa, 1917-1919. Curitiba: Editora Prismas, 2015.

É uma sucessão presidencial, não uma guerra civil.

segunda-feira, outubro 29th, 2018

Em meados do século XVII ocorreu, na Inglaterra uma Guerra Civil; nos Estados Unidos da América do Norte uma guerra civil ocorreu uma Guerra Civil na segunda metade do século XIX. Guerras civis ocorrem no solo de uma pátria comum e, quando elas findam, ocorre o esforço dos antigos combatentes em superar as diferenças, celebrarem a paz e criar um mundo novo no qual todos se situem confortavelmente. A primeira das guerras citadas ocorreu em uma monarquia absoluta, a qual não permitia a livre manifestação das massas; o rei achava que democracia era uma piada dos gregos. Alguns anos após a guerra os britânicos começaram a experimentar a democracia, gostaram e convivem com as diferenças até hoje, em uma sucessão de governos formados por partidos que se opõem, mas não se veem como inimigos. Semelhantemente ocorre nos Estados Unidos da América, embora lá a guerra civil ocorreu já em um Estado democrático. Terminada a guerra, vem ocorrendo o esforço de o conviver com a diferença de opiniões e partidos se alternam na administração do Estado. São oponentes, não inimigos.

No Brasil, cuja história nunca deixou de registrar revoltas e levantes que levaram à morte muitos de seus habitantes, não ocorreu guerra civil. Fizemos guerras contra o colonizador para nos organizar como país e nação livre (infelizmente historiadores a serviços dos políticos esquecem de ressaltar a bravura do povo brasileiros, preferindo ressaltar os acordos oligárquicos que sempre ocorreram após essas revoltas), saímos da Monarquia para a República sem guerra civil e, embora tenhamos diferenças profundas e ainda não enfrentadas com realismo e pertinácia, não chegamos a guerra civil. Não nos tratamos como inimigos.
Talvez por isso causa espanto que, após uma eleição legal, sem fraudes, acompanhada por representantes de vários organismo internacionais, o candidato derrotado conclame seus eleitores, não a exercer a oposição necessária em estados livre e democráticos, mas os conclame para a resistência, como se estivéssemos saindo de uma guerra contra uma potência estrangeira, como fizeram os pernambucanos entre 1645 a 1654, contra os exércitos da Holanda. Talvez tenha sido por conta deste entendimento tosco, que antes da fala do candidato que recebeu mais de 45 mil votos de brasileiros, enquanto o seu concorrente recebeu 55 mil votos, tenha pedido “um minuto de silêncio”, desses que se pede para homenagear algum soldado morto. Comportamentos como esse, é que levaram seu partido à derrota, após ter vencido quatro eleições consecutivas. Tivesse esse candidato um pouco de noção da dialética, saberia que as contradições internas dos governos que antecederam esse momento democrático é que levaram a sociedade pedir uma alternância necessária e benéfica à vida democrática.

Perder uma eleição é normal na vida das democracias, mas impensável para os que criam espaços para estados totalitários. Nosso processo civilizador tem sido incompleto, mas bem que podemos completa-lo, aperfeiçoá-lo sem criarmos ambiente para uma guerra civil.

Setenta anos da Declaração dos Direitos Humanos

terça-feira, junho 19th, 2018

Os noticiários às vezes querem nos trazer boas notícias, mas, como ensinavam os primeiros donos de jornais, a melhor notícia é aquela que parece absurda, pois o ato comum, corriqueiro não convida o leitor, não atiça curiosidade. Uma visita aos jornais mostra o mundo diverso, com boas notícias rotineiras em declínio e boas notícias, as excêntricas, exóticas, extraordinárias, que vendem jornais. Mas o que vi neste dia 21 de junho, o solstício de inverno especial dia que divide o ano, este dia frio que anuncia a nova estação que chega, quase esfria a esperança de uma nova humanidade, o novo tempo que se celebra nas festas dedicadas a São João, aquecida pelo calor das fogueiras. Mas o frio parece congelar os bons sentimentos, neste ano do septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelos países que fundaram a Organização das Nações Unidas. Aquele 10 de dezembro de 1948 foi um alento, um aquecimento nos sonhos da humanidade após a desastrada experiência da Segunda Grande Guerra do século XX. Essa Declaração é um projeto de humanidade.

Em conversa com os alunos neste solstício, vimos como a dedicação à defesa dos Direitos Humanos assumida pela Igreja Católica no Brasil na segunda metade do século XX, provocou o rompimento da Neocristandade, um arranjo que vinha sendo construído e mantido pelas igrejas desde os anos de 1930, um acordo tácito entre a religião e a política que garantia um estado que considerava apenas um terço da população como merecedora dos benefícios civilizacionais resultante do trabalho de todos. A República do Brasil queria ser moderna/contemporânea sem reconhecer que, mais que a propriedade, é o homem que importa, e que, mesmo sendo privada, a propriedade e o Estado devem estar à serviço do todo.

A luta para garantir os Direitos Humanos – liberdade (pensamento, fala, crença), Igualdade, Vida (o direito de viver e o dever de proteger a vida), Moradia, Alimentação, Mobilidade, Segurança no lar, Lazer, Estudo, Trabalho, Nacionalidade, formar uma família, proteção contra a perseguição política, ter acesso à uma cidadania, entre outros – foi o que uniu a sociedade brasileira para por fim à ditadura que defendia o privilégio de alguns, assim como a luta para superar os estados totalitários levou à proclamação dos referidos Direitos Humanos que deu continuidade às ações dos que fizeram as revoluções dos séculos XVII e XVIII, quando as maiorias começaram a ser vistas e ouvidas, embora que a começo apenas como consumidoras, coadjuvantes, mas vieram a assumir protagonismo nessa sociedade das multidões, às vezes conformadas e às vezes ameaçadoras.

E neste ano de 2018, assistimos a nação que pareceu orientar o mundo para a realização dos Direitos, inclusive o da Felicidade, afastar-se da Comissão dos Direitos Humanos da ONU ao mesmo tempo que lidera uma campanha contra a imigração, fechando as suas fronteiras aos que buscam, em seu território, os direitos que lhe são negados em seus países de origem. Está aquela nação a negar o que ela um dia considerou ser o seu “destino manifesto”. Neste septuagésimo ano da Declaração dos Direitos Humanos, temos a sensação que nos falta muito para aceitar que todos são detentores desses Direitos e todos temos o Dever de garantir os direitos dos outros para que possamos usufruir desses mesmos direitos; ainda precisamos entender que lutar e viver para que todos tenham acesso a esses direitos é diferente de querer unificar os todas as culturas, reduzir o outro ao que somos.

Nesse aniversário precisamos estar atentos para não desistirmos por compreender que há tantas crianças famintas, tantas pessoas impedidas de formar e estar com suas famílias, tantas pessoas que não estão vivendo o direito de saber ler e escrever, o direito de receber uma educação, de receber uma atenção à sua saúde. Mas também devemos celebrar essa data assumindo que tais direitos não serão dados por algum Estado, partido ou agremiações semelhantes: os Direitos Humanos só serão plenamente vividos à medida em que cada um assuma o dever de viver o seu direito, e viver o dever de garantir o direito do outro. O direito de ter uma reputação e respeitar a reputação do outro ou da outra. É desumano tratar uma pessoa como objeto: objeto de satisfação, objeto de desejo, objeto produção, objeto de reprodução, objeto de manipulação ideológica.

Não é fácil, mas é nessa equação colaborativa em busca da felicidade que a humanidade se constrói.