Archive for the ‘Religiões’ Category

Drama 17 – onde está a solidariedade?

segunda-feira, julho 27th, 2020

Antes que julho termine o Brasil contará noventa mil mortos pela Covid 19. É um número alarmante. São muitas as cidades brasileiras que não alcançam esse número de habitantes. Ainda morrem cerca de mil brasileiros diariamente, e tal montante não parece influir no comportamento dos brasileiros, nem na inteligência dos que governam o país. O que nos ocorre? Porque tal situação e comportamento crescem fecundamente em uma nação, em um povo a quem se atribui hospitalidade, alegria, cordialidade e tantas virtudes cantadas, por estrangeiros que nos visitam e por muitos de nós. Gonçalves Dias, vivendo na Europa, escreveu afirmando que “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. As aves europeias gorjeiam diferente, sem a tropicalidade fulgurante, sem a verdura exuberante das florestas, como afirmava o escritor de Porque me ufano do meu país, o conde Afonso Celso. Mas, algo acontece que nos impede a vencer a pandemia Covid 19, já sob controle em muitas regiões do mundo, seja no Oriente edulcorado por alguns, seja no Ocidente europeu, destratado por outros. Mas, na América, o novo continente, não se encontrou o caminho para conviver com o vírus biológico do século XXI.

Sabe-se, hoje, que na Itália há regiões com índice zero de coronavírus 19. Na Úmbria, ali na Itália, hoje é zero de Covid 19. Seriedade, disposição para cumprir o fechamento das cidades, a circulação das pessoas, tudo isso levou a esse resultado. Devemos considerar alguns pontos para entendermos tal sucesso: lideranças políticas e morais dignas de merecerem a confiança do povo. Um prefeito que admite o erro e pede desculpas à população por ter colocado interesses econômicos além do valor da vida humana; a presença inspiradora de um líder religioso comprometido com a vida humana, entendo-a sagrada, pondo-se humildemente a serviço do seu povo, ajoelhando-se solitário e solidário com a humanidade, rogando forças para vencer a adversidade. E, principalmente, o espírito de solidariedade dos italianos, superando os desejos privados e egoístas por entender que civilização só é possível com a compreensão de que nada se constrói sozinho, que só agindo como uma unidade é que se encontra forças para vencer, até mesmo sem as drogas milagrosas e as vacinas, força tão terrível da natureza. A Itália e outras regiões do continente europeu venceram o desafio por agirem solidariamente, as nações e os cidadãos. Semelhante vimos acontecer no Oriente, cultivador de tradições que a todos unem, acima dos sofrimentos a que são submetidos ao longo dos séculos. Só se pode vencer o vírus físico se houver, além dos anticorpos naturais, os anticorpos sociais da solidariedade, da compreensão, do comprometimento, ainda que pequeno, com toda a sociedade.

E então, ao nos voltarmos para o continente americano, observamos uma sociedade voltada para o mito do self made man, prefigurado em personagens vividos, na tela, por John Wayne, aqueles que tudo resolvem por sua vontade, coragem pessoal. E seus armamentos aliados a uma religião civil fundamentalista, aliada à leituras fundamentalistas dos textos bíblicos, que produziu um cristianismo impermeável aos sentimentos humanitários, capaz de lutar contra o cristianismo que fundamentou a civilização Ocidental no que há de melhor e no que a diferencia. O fundamentalismo cristão, o tão louvado espírito do capitalismo, impedem a solidariedade, promovem o assassinato público dos cidadãos de cor, e tem como lema a ideia de que tem que estar acima de todos, como a loucura própria dos nazistas, seguidores do Minha Luta, e que mostrou o vírus da imoralidade, ou amoralidade, nos campos de concentração nazista. Na Rússia os números são altos, mas teme-se que o governo russo esconda dados. É a tradição mantida pelo novo Czar.

No Brasil, que é o tema inicial dessa nossa conversa, observamos que não tivemos liderança nacional, nem civil nem religiosa. Os religiosos quando se pronunciaram, herdeiros do Evangelical Belt norteamericano, foi no sentido de que “Deus salva os seus” e que basta a fé para evitar o Coronavírus. Hoje alguns de seus membros ocupam pastas ministeriais, no governo federal. Os líderes católicos preferiram, parece, lavar as mãos, tiveram medo de comprometer-se, agiram como agiam os bispos antes da CNBB. Isso permitiu que alguns padres estrelados e famosos fossem mendigar ajuda ao césar, e alguns outros saírem em defesa do uso de armas. Que diriam Dom Luciano Mendes, Dom Hélder Câmara, Dom Evaristo Arns? Só agora, após 80.000 mortes, vai sair um documento coletivo. Não houve uma voz das religiões conclamando à solidariedade, salvo exceções que não receberam apoio de seus grupos. Ficamos entregues à sanha de um líder que sonha com o povo (seus seguidores) armado para tornar mais fácil um golpe de estado, como disse em reunião ministerial de 22 de abril. Só nos resta esperar que o “espírito de 76” anime os norte-americanos a derrotar o que de pior sua cultura produziu, assim, quem sabe, derrotaremos, ou afastaremos da cena, o que de pior foi produzido no Brasil no século XX.

Quanto à trajetória da Europa na luta contra a Covid 19, é como dizia o poeta: As Aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.  

Crise Covid-19 ou do Ocidente?

sábado, março 28th, 2020

Notícias da Europa dão conta que a rainha Elizabeth II estaria com COVID19. Não há confirmação mas a bolsa de apostas apontam a vitória da Rainha. Pior para Charles, que poderá perder a oportunidade de ser rei. Mas brincadeira de lado, vi que apostadores na vitória da Rainha a chamam de ‘lagarto’, capaz de adaptar-se às mais difíceis situações. Coisas do humor britânico, tão necessário neste momento. Também leio que esta pandemia está a nos mostrar que a Europa perdeu a liderança civilizacional, ou a  completou.

Desde 1914 que Oswald Spengler chamava atenção ao Declínio do Ocidente, aos limites que estavam sendo alcançados. Mostrava que as civilizações têm seu ciclo. Arnold Toynbee fez grandes estudos sobre as civilizações, apontando, o que todos sabem, que nenhuma delas é eterna e, chega um momento em que ocorre a perda da criatividade, o momento no qual as novas gerações rejeitam o que receberam, ou não veem necessidade de continuar o que receberam. Morre a civilização. Outra lhe toma o lugar, recolhendo o que de bom existia, ou que lhes dava condições de ser a liderança da humanidade.

O mal estar europeu vinha sendo apontado desde meados do século XIX, na escrita dos poetas, nas linhas dos romancistas, nas tintas dos artistas plásticos que, em seus sonhos para a além do efêmero, apontavam ser um engano a adoração à técnicas que suavizavam o modo de viver de alguns, mas endureciam o coração de duas ou três gerações que impunham o seu modo de viver aos africanos, que vinham sofrendo séculos de desumanização, e aos asiáticos que buscaram manter suas tradições isoladas do contágio europeu desde o século XVII. Mas a fome do poder e o emagrecimento da alma tornaram os povos europeus fechados em si enquanto arrombavam as portas do globo. Para Garaudy, antigo secretário geral do Partido Comunista Francês, o Ocidente seria apenas um acidente ao longo da vida humana, um acidente ocorrido entre os século XIII e XVII, e que conheceu seu apogeu nos séculos XIX e XX. É o que vemos, que estamos assistindo: sua fragmentação, sua dissolução, anunciada desde o século XIX, como mencionamos.

Mas o que era o Ocidente, como ele se formou, quem e o que lhe deu as bases?  Creio que ele é um amálgama das experiências que se encontraram e  se confrontaram desde as primeiras experiências humanas até o século XVI. O fim do Renascimento, a vitória da Quaresma, a organização do pensamento científico levaram a Europa à busca dos ideais de perfeição e controle sobre o mundo religiosa, e solidificaram o Ocidente que se cristalizou na vitória tecnológica sobre a natureza. Após a solidificação dos novos princípios religiosos e assunção da predestinação, nada mais interessava. Semelhante ao que ocorrera com a civilização muçulmana, alguns séculos antes. Assumindo que estava predestinado a dominar o mundo e que as nações lhe seriam vassalas, o “novo Israel” se impôs com a religião profana, a religião da ciência, da superioridade sobre todos. Então, o Ocidente não mais aprendeu, como aprendera e se formara na antiguidade cristã e na Alta Idade Média, períodos nos quais não teve pejos de sincretizar os costumes, os deuses. Mas, a partir do período pós Reforma, a Europa não mais aprendeu, apenas expandiu seu modo de viver. A perda da ideia da aceitação do outro, a perda da criatividade é a perda da fé em si mesma. Não sem razão o segunda metade do século XX foi o tempo das crises, crises das quais nada se aprendeu. Mas alguns dos povos que foram dominados pelo Ocidente, aprenderam a ser ocidentais, adaptando-se e recriando o que recebiam. Eles herdarão o Ocidente.

No início dos anos setenta, em um estudo sobre a história, ocorrido em um dos conventos estabelecidos na Primeira Olinda, Eduardo Hoonaert e eu discutíamos sobre isso com cantadores repentistas. Era o tempo em que se discutia a Trilateral, discussão que ocorria fora dos labirintos dos departamentos de história, embora bordejassem as áreas de ciências políticas. Falava-se que haveria de surgir um mundo com três polos: América do Norte, Europa e Ásia. Coisas dos Rockfeller, que provocou o aparecimento de Jimmy Carter na política internacional. Era visto que os EUA (América do Norte) pensaria na questão da segurança; a Alemanha (Europa) cuidaria da questão alimentícia e o Japão (Ásia) ficaria responsável pela tecnologia. O mundo ainda era o da Guerra Fria. Assim a china não aprecia nos esquadros. Mas, em nossa conversa, que possuía uma base teológica, discutia-se que a humanidade esteve sempre olhando para o Oriente, por isso dizíamos ‘orientar-se’, mas desde o Renascimento tudo passou a ser ‘norteado’. Lembramos que até a segunda metade do século XIX, o mundo (ainda que não proclamasse abertamente) sempre olhava para a China, para onde foi levado grande parte do ouro das Minas Gerais, embora a maior parte das pessoas não saibam disso, julgam que tudo ficou na Inglaterra.

Naquela ocasião, Eduardo Hoornaert chamava atenção para o papel que a China iria desempenhar no século XXI. Estamos vendo agora. Não pela maldade da China, mas pela incapacidade do Ocidente enfrentar algo novo, como o Covid-19.

Vamos nos orientar?

Drama 2 – Superar a doença da morte

sexta-feira, março 27th, 2020

Próprio da humanidade inventar meios para sua preservação, ensinar o que aprendeu no ato da invenção, modificar o aprendido, aperfeiçoar o recebido. É que tem ocorrido sempre, mas não somente. Alguns aprenderam mas não transmitiram o que aprenderam ou aperfeiçoaram, interromperam o processo, ou melhor, modificaram o processo humano: tornaram seu o que era comum.

Qual o nome que tenho? Quem o pôs em mim? Porque razão escolheu este nome para marcar-me entre todos os seres? Sim, o nome que carregamos é uma marca que permite sermos reconhecidos pelos demais, mas esta marca nos foi dada por alguém que possuía um objetivo ao nomear-me. Devem ter sido essas as considerações que fizeram meu filho Isaac interpelar sua mãe, marcada om o nome do avô, Manuel. É uma tradição romana. Aprendi, que as mulheres carregavam o nome de algum ancestral. Mas, porque pus o nome Isaac em meu caçula? Quantas tradições culturais, civilizacionais em um só parágrafo: romana, judia, africano-portuguesa.

Conto histórias para meu filho dormir, então quis contar a história do seu nome. Uma história que começa em Ur da Caldeia, na Mesopotâmia, no tempo de Hamurabi. Abrão, homem de alguma posse, casado com Sara, teria tido um encontro com o seu deus pessoal que lhe ordenara abandonar a cidade, ir para o deserto com sua família. E então ele migra com a mulher, seus bois, cabras, escravos, alguns parentes. Abrão diz a Sara que seu deus lhe havia dito que teria uma grande descendência e que eles formariam um grande povo. O tempo passava e Sara não engravidava e já havia passado tempo de ela engravidar. Para agradar o marido, Sara permite que ele tenha um filho com uma de suas escravas e adota esse filho como seu. Sara não parece confiar na promessa do deus de Abrão, procura um jeito de cumprir a sua parte na promessa para a qual não fora consultada.

Uma tarde dois jovens estão de passagem e passam no acampamento de Abrão que os recebe e os trata bem. Na conversa os estranhos dizem que logo Sara engravidará e  Abrão terá o filho que lhe fora prometido. Sara escuta e ri , pois entende que seu tempo de maternidade já havia passado. Os visitantes reclamam de sua pouca confiança ou fé no deus de Abrão. E seguem viagem. Algum tempo depois o corpo de Sara apresenta os sinais da gravidez. No tempo apropriado pare seu filho. Então Abrão fica muito alegre e diz que o menino que nasceu é a alegria de sua velhice, um prêmio, e o chama de Isaac. Foi pela alegria de ter um filho após os sessenta anos que eu, formado em parte da tradição judaica, resolvi chamar de Isaac o meu filho.

Poderia ter terminado neste ponto a história, mas o filho de Abrão, que então passara a ser conhecido como Abraão, tem uma vida maior que o seu nascimento. O nascimento é apenas um momento da vida que começara antes e terminará muito depois da experiência da vida. Assim continuei a história, não mais do nome, mas da vida de Isaac. O deus de Abraão cumprira a promessa, mas, diz a tradição, havia mais a ser realizado, mudado.

Quando saiu de Ur levando suas coisas, Abraão levava também seus sacrifício, costumes e, entre eles, havia um hábito de oferecer aos deuses a primícias de tudo que o crente produzia. E Abraão entendeu que tinha a obrigação de oferecer Isaac em sacrifício ao seu deus, de quem disse que ouvira a cobrança. Assim ele chamou Isaac para um passeio e resolveu matá-lo para agradar seu deus. Durante a caminhada Isaac perturbava Abraão sobre qual o animal que seria sacrificado. Eu estava contando essa parte da história quando ouvi o soluço de meu filho, estupefato com a ideia de que Isaac seria morto para a alegria do deus de Abraão. E pouco adiantou ter adiantado a história, ter dito que no último instante o deus de Abraão não permitiu que fosse consumado o sacrifício/assassinato de Isaac, que apareceu um animal e que a história apenas mostrava de como os seres humanos estavam superando uma etapa do drama, deixando de matar seus primogênitos, e que Isaac. Pouco adiantou dizer que, além de ser a alegria da velhice de seu pai, Isaac era também o sinal da libertação, da superação de uma fase antiga e o começo de uma humanidade menos sangrenta e dolorosa, embora ainda muitos sofrimentos estivessem por vir. Lembrei que só vim a entender o que viveram Abraão e seu filho após estudar um pouco de antropologia, pois teologicamente eu apenas aceitava aquela visão de um pai com uma faca na direção do filho indefeso.

Contos de fada servem para explicar o mundo às crianças, são contados por adultos que raramente compreendem o seu significado. Assim também acontece no relacionamento dos homens com os seus deuses. A tradição judaica parece ter início com a superação dos sacrifícios humanos dos seus primogênitos, como se confirma com a história central da libertação no  Egito. A tradição cristã também exige um sacrifício do unigênito. As crianças sofrem muito no aprendizado dessas tradições que formam a cultura, a sensibilidade que carregam as fazem solidárias ao sofrimento de todas as crianças, de todos os humanos que construíram a humanidade.

Vez por outra, as sociedade estão governadas por adultos que não tiveram ou perderam a infância.   

Drama

quarta-feira, março 25th, 2020

Não tem sido fácil a construção da humanidade, ela busca alcançar o que é, parece, inalcançável. Recordo de um debate com um dos meus professores de Bíblia a respeito do que ocorria no Paraíso. A ‘queda’ de Adão e Eva é sempre um enigma. Um dos castigos recebidos por conta da desobediência é a morte, o outro é trabalho e o terceiro é a dor. Os escritores da Bíblia entendiam que os homens e mulheres não morriam antes da desobediência, assim como a necessidade de trabalhar para manter-se alimentado e vivo. Também a chegada da vida não significava a dor nem o risco da morte. Todo o drama ocorreu a partir do momento em que o desejo de conhecer o desconhecido foi maior que o temor do desconhecido. Mas isso tudo ocorreu antes que a história começasse, pois a história começa com o conhecimento de que a vida é o risco de seu desaparecimento em meio do trabalho e dor. A história parece ser a busca para chegar ao Paraíso, e ele pode ser alcançado indo em frente ou sonhando com o que se perdeu. O Paraíso é promessa ou saudade. É promessa da imortalidade ou saudade da imortalidade; promessa de um tempo sem dor ou saudade de um tempo indolor; promessa de fartura sem esforço ou saudade da fartura sem esforço. A história, ou seja a sequencia da vida humana tem sido essa busca de construir ou voltar ao tempo farto sem dor, sem morte.

Meu professor, posteriormente bispo anglicano, respondeu-me dizendo que eu deveria pensar mais sobre o assunto e que ele era/é muito interessante. Ao longo de minha vida encontrei e encontro vários códigos morais que indicam como devem agir os homens: devem ser bons, magnânimos, piedosos, calmos, atenciosos, honestos, francos, respeitadores,  contentes com o que possuem, não serem invejosos, serem como os  lírios dos campos e aves do céu. Esses códigos estão em todos os recantos da terra e são repetidos catequeticamente em todas as religiões e filosofias. Em Confúcio, Buda, Incas, Brâmanes, Abraão, Código Napoleônico.  São ensinados por aqueles que não as seguem, estão acima delas pois delas são guardiões, e por isso eles possuem o que não deve ser cobiçado. E castigam os que não conseguem vencer o desejo. Como eles conseguiram isso? Como eles conseguem isso, ainda hoje? Eles conseguiram o ócio com dignidade e sorriem dizendo duas verdades que parecem excludentes mas são explicativas e complementares: se não trabalhar não come, mas quem trabalha não tem tempo para pensar. Tempo para pensar.

Nossa sociedade tecnológica encontrou meios para que todos tenhamos tempo para pensar. Bem, não é a todos que é dado esse tempo, pois a maioria continua, como nos terraços da Mesopotâmia, vivendo da mão para a boca, trabalhando com o objetivo de ter um prato de sopa de cebola no final do dia. O caldo de carne jamais lhe chegará. Bem, há dias de festas e, neles, algo cairá da mesa. Os quadrupedes e rastejantes que chegarem primeiro alcançarão o osso e terão uma sopa diferente naquela noite.    

“sou um atleta”, “morrem os mais velhos”. As pirâmides precisam ser construídas; Salomão construiu o Templo; o Tja Mahal é mais bela prova de amor;  a Torre Eifel, a Capela Sistina o altar do Mosteiro de São Bento; o Louvre; o Arco do Triunfo. Tudo é arte beleza e sangue.

E Virgílio não entrou no Paraíso.

FELIZ PÁSCOA

sábado, março 31st, 2018

Feliz Páscoa! Disse, na quinta feira desta semana, nesta última semana do mês de março de 18, a Semana Santa, para os católicos. A frase foi em direção de um velho colega que passava no corredor. Dois minutos depois ele retorna e diz: feliz Páscoa. E comenta: estamos todos ficando ateus, parece. Antigamente esta era a primeira frase que dizíamos, mas agora ela começa a parecer estranha, não mais a usamos e ficamos surpresos quando ela nos é dirigida.

Na rede de comunicação virtual que frequento, são raras essas expressões de desejo de uma Páscoa feliz. Mais fácil encontrar comentários de teor crítico, relativizando a história do memorial ou da pessoa central do memorial. Até mesmo a referência o hábito do consumo de peixe nesse período é banalizado. Uma postagem de diversos corte de carne bovina ridiculariza o costume que obrigava, por religião, os nobres a comer a comida dos pobres na Idade Média, quando a carne e a caça era privilégio da nobreza.

Vi e ouvi uma postagem de um amigo, bom católico, leigo ativo e criativo, que nos desejava uma feliz páscoa, uma renovação do espírito, enquanto lembrava que a Páscoa é uma festividade de celebração do início da primavera, estação que alegra após o período invernal. A sua observação nos dá a oportunidade de notar que a páscoa é uma festividade originária dos povos do Hemisfério Norte que nós, do Hemisfério Sul a celebramos na chegada do Outono, quando o Verão nos deixa e as chuvas de março nos deixam vislumbrar o tempo de plantio e cultivo.

Outros cingem este festival primaveril à tradição judaica, pois que se lembra do Anjo de Deus que passou sobre o Egito, promovendo condições para que o faraó liberasse o povo que então se dirigiu ao deserto em busca de uma Terra Prometida, na qual, além de rios onde o leite e mel corriam, era também local de liberdade para um povo que, até então, vivia em escravidão.

Todos esses sentidos, e muitos outros, fazem desta festa um momento de revigorar as esperanças de que é possível construir outra vida, na qual a alegria seja o alimento diário, a riqueza seja comum a todos. E este é o desejo que guardo no meu íntimo e dele sai para cada pessoa que casualmente leia essa coluna.
Neste ano, o último dia da Quaresma cristã coincide com aniversário pouco celebrado, o dia no qual, faz cinquenta e quatro anos, o exército nacional brasileiro, liderado por generais carregados de medo e ressentimentos, saía dos quarteis, derrubaram um governo legítimo e reformista para iniciar um período de suspensão das liberdades de pensamento, de locomoção, de expressão. Contudo, aproveitamos a data da Ressureição, da Páscoa, para celebrar a vitória que conquistamos sobre aquela ditadura civil-militar, retomando o percurso da liberdade, que nos cabe conquistar e cultivar diariamente, recusando sempre a dominação do mal, do desentendimento em nossas vidas pessoal e social.

FELIZ PÁSCOA.

O que somos está em torno da fogueira

quinta-feira, junho 22nd, 2017

De maneira geral a vida é uma sucessão de acontecimentos esperados: sol vem após a noite; plantas e animais nascem crescem e, depois de algum tempo morrem e a natureza corre em seu fluxo. Adequar-se a esse processo, dizem alguns, é sabedoria. E a Sabedoria esteve no primeiro momento da criação, diz famoso livro sagrado, para alguns. Vez por outra acontece um inesperado: um tufão, uma enchente, um vulcão que explode, um deslizamento de morro, algum terremoto, um raio; qualquer desses eventos dos elementares da vida e, algumas vidas são tolhidas, animais são pegos de surpresas. Muitas mortes e, algum tempo depois, tudo volta à rotina natural, não há tristezas, alegrias ou lembranças na vida natural. Contudo eis que um animal, em algum momento passou a perguntar-se porque tais coisas acontecem, quais razões levaram o seu companheiro a não mais andar? E porque aquela fruta pode ser comida e propiciar prazer e aqueloutra provoca dor? Assim, do mundo natural floresce a cultura, que é a lembrança da alegria, da dor, do sofrimento, que provoca lágrima, mas lágrimas que nascem de outra dor, a dor alegre de descobrir que aquele que não mais aparecia aparece e faz sorrir. E então tem festa, tem conversa, tem noite de palavras que inventam danças, abraços e o tempo parece parar pois não se percebe seu curso até que o sol atinja as pupilas e seu calor diga, que voltou o tempo da fadiga.

As festas em torno de fogueiras são universais: o fogo, dominado, atrai para si as atenções dos corpos que ficam ao seu redor. Ele provoca as conversas e as lembranças são expostas, informações são trocadas e agradecimentos surgem em relação a algo que ocorreu. O começo do inverno em nosso país, contrapartida do começo do verão noutro espaço do globo, é visto com alegria e temor. As chuvas que sempre caem nesse período molestam as populações que molestaram os rios ao fazerem casas tão próxima das águas que, vez por outra, parecem lembrar o caminho que fazia em outros tempos. No meio do percurso anual, há que se festejar a vida passada, a passada que não foi vivida pelos que agora celebram, e essa vida recentemente passada. Nem sempre as pessoas, hoje, sabem que celebram o passado que não viveram.

Acender uma fogueira, hoje algo incorreto para os que perderam o gosto de festejar, é repetir um gesto que vem dos primeiros momentos da vida social; estar em volta de uma fogueira é celebrar o primeiro domínio sobre o fogo. Esse é um costume vem dos povos que primeiro viveram aqui onde vivemos hoje; assim como é uma lembrança de povos que viviam do outro lado do oceano que faziam grande fogueiras para celebrar as forças reprodutivas da natureza, e celebravam tal festa nas florestas que já não existem na Europa, que tanto as usou para construir navios para encontrar outras terras. Mas antes de se meterem nessa viagem ao desconhecido, as fogueiras passaram a ter outro sentido. Saídos do Oriente em direção ao então “centro” do mundo, depois de vencer e assimilar os deuses que protegiam o Império, os cristãos dirigiram-se para a Europa e conquistaram os seus deuses, assim os europeus (então chamados pelo genérico “bárbaros”)foram lentamente viver em cidades. E as fogueiras que eram acessas nas florestas passaram a ser acessas em vilas e cidades, em frente das casas ou das igrejas. E se até então louvavam a fertilidade, passaram a louvar na longa noite que anuncia o verão, o nascimento daquele que anuncia o nascimento que ocorrerá na longa noite do inverno. Quando os europeus em seus navios chegaram nas terras às quais chamamos de Brasil, mais propriamente na parte que chamamos Nordeste, trouxeram a fogueira de São João, que dominou sobre as fogueiras do Tupi E Tapuia. E os europeus trouxeram a cana que é a base do açúcar, também o coco, o cravo da índia, a canela, que vieram lá do Oriente mais distante; e trouxeram muitos africanos, que chegaram com suas tradições culinárias e com os deuses de suas crenças.

As festas que ocorrem no Nordeste, neste período do ano, carregam todo esse passado que somos. Há quem diga que somos uma grande feijoada, mas o arroz apenas fica perto do feijão, como a laranja que pode acompanhar, da mesma maneira que ocorre com os demais ingredientes que provocam o surgimento dessa maravilha capaz de colocar toda família e amigos em torno da mesa. Entretanto os elementos estão próximos, não se interpenetram, não formam algo de novo. Por outro lado, tomemos o que ocorre nas noite de São João, sempre nesse solstício que integra a festa ao centro de energia que provoca a vida no planeta; A Longa Noite exige fogueiras que louvem a vida, (na tradição luso-cristã-católica, informa o nascimento do menino João; e na tradição vinda das Áfricas, é o grande guerreiro Xangô, mais esquecido está Manitu); Durante o dia, as famílias sentam-se para descascar, limpar, ralar o milho, misturar esse caldo com o açúcar retirado das canas, carregado de suor e vida dos trabalhadores no canavial e nas máquinas; e no caldo que virá a ser canjica ou pamonha,se põe o leite feito do coco, e se põe um pouco de canela e alguns ainda põem o cravo. E como separar depois? Nada está justaposto, o conjunto do trabalho, ao final é uma unidade. E nós, brasileiros somos essa mistura única, resultado de muitas tradições de trabalho, de origens, de cultura, de religiões. E, claro, ainda tem o festejo que põe ao lado da sanfona, seja ela de oito ou cento e vinte baixos, as danças da Mazurca (origem polonesa), do Maxixe (origem africana), do Xaxado(pernambucana), do Xote (origem escocesa) do Baião (nordestina), e também a quadrilha que veio da corte francesa, mas foi recriada nos terreiros para celebrar casamentos impossíveis, forçados, arranjados pelos senhores das terras que nem sempre controlavam os desejos de suas filhas.
Assim, penso, se fez nosso povo, fizemo-nos. A despeito de tudo continuamos a nos fazer.

Mas não nos contam essa história, não contam as nossas histórias, contam como os ricos ficaram mais ricos, como parte dos moradores do Brasil não conseguem ver e sentir o Brasil. Alguns são até capazes de escrever livros sobre o Brasil, mas não conseguem entender porque temos saudades das “quadrilhas matutas” (assim chamadas por terem vindo das matas, da Zona da Mata que existe de norte a sul do Brasil), mesmo se ‘gostamos’ dessas quadrilhas estilizadas, cada vez mais feéricas, mais sapucaianeses, e menos de nossas ancestralidades. Para termos nosso “São João” de volta, temos que nos escutar mais.