Archive for the ‘Cidadania’ Category

História para meus filhos e netos: a urina de meu pai e a Covid19.

domingo, março 22nd, 2020

Severino Vicente da silva

Acordo na madrugada pensando na história que contei a Isaac, um pouco da história de meus pais, de Nova Descoberta e minha primeira palestra no ano de 1959, no dia da inauguração da Igreja matriz de Nossa Senhora de Lourdes. Foi uma história narcísica, pois contei de minha participação, como orador da Cruzada Eucarística , naquela festa da comunidade católica, com a presença do arcebispo Dom Antônio de Almeida Moraes Junior. Essa história veio acompanhada com a lembrança de minha mãe que, sem empregada doméstica cozinhava, lavava para toda a família, e administrava os filhos (Zefinha passava a roupa, Lia varria a casa, Doutor cuidava da venda de água na cacimba, etc.) e todos ía-mos  à missa, faziam os deveres de casa. Mamãe era presidente do Apostolado da Oração. Papai comerciava, o dia inteiro no balcão da venda, juntamente com um primo de mamãe, Manoel Lopes. Depois Manoel Lopes montou seu próprio comércio, na mesma rua, e mamãe assumia muitas vez a função de balconista, atividade que Doutor, Lia e eu assumimos várias vezes. A família girava em torno da venda que garantia a vida de todos: alimentação, escola, vestuário.

Ao acordar nesta madrugada pensei no que estava ocorrendo ao meu redor. Ontem passei por uma cirurgia para a retirada de uma pedra no rim, mas a tecnologia e a economia não permitiram, apesar de vasto conhecimento já alcançado pela medicina nessa área, mas ela está atrelada ao sistema econômico que a financia, e às políticas sociais que permitem que o conhecimento prático chegue ou não à população. E isso parece estar relacionado com alguns motivos que fizeram meu pai migrar da pequena propriedade Eixo Grande, à beira do rio Capibaribe na primeira parte da década de 1950.

Nas confusas lembranças que guardo daquele tempo, estão as tardes na calçada da casa, comendo pimentão ou chupando laranja do sítio. Passou-se um tempo em que papai viajara para o Recife e ficara mais que uma semana ou um mês. Se o tempo afeta a lembrança dos mais velhos, bem que alcança e pode ser entendimento diferente por uma criança, inclusive porque a lembrança primeira vai sendo modificada pelas conversas e lembranças de terceiros. Sei dizer que foi muito tempo e, nesse tempo mamãe cuidava da venda. Papai veio ao Recife para verificar o que ocorria, pois começava urinar sangue, no tempo em que a seca atingia o agreste de Pernambuco e na parte que se encontra com  a Mata Norte, como aprendi depois nos livros e aulas de história. Ouvi aquelas conversas, talvez, quando sentado na calçada, e escutava os homens falarem entre si, em voz baixa, que isso não era conversa de menino. Esse “urinar sangue” me acompanhou sempre e era como um problema tão grande que o Hospital Pedro II, onde papai ficou internado, não conseguira resolver. Depois soube que a doença foi superada, a urina voltou à sua cor normal. Em decorrência dessas viagens para tratamento da saúde, veio a ideia de mudar para o Recife. E parte do que possuía foi vendido  para a compra de terreno em Nova Descoberta, onde construiu casa de pau-a-pique e barro. A mesma casa onde morreu, nos meus braças, enquanto mamãe colocava uma vela em sua mão e Cristiano, seu neto, chamava pelo avô.

Nesta semana, eu urinei sangue, fui ao hospital que fica a três quilômetros de minha casa, fique internado por 24 horas, fui operado e voltei para casa sob medicamentos. Penso em como mudou o Brasil nesses sessenta anos em sua medicina e no trato com sua gente; mas mudanças não foram estruturais. É isso que nos alerta essa pandemia covid19, e não apenas no Brasil. Olhando para a América Latina vemos países que tomaram medidas rápidas , pois entenderam que a situação é trágica e que eles não conseguiriam estancar a perda de vidas humanas, embora que para isso percam alguma riqueza econômica. Outros países, como o Brasil, preferiu adotar o ‘jeito’ americano/Trump de ser, agindo de maneira negacionista e pondo em risco a nação. O mandatário americano rapidamente refluiu de sua loucura, o que não fez o governo brasileiro por incúria e falta de inteligência. E foi esta falta de inteligência que acometeu o país em sua período republicano: seguir políticas norte-americanas em todos os campos, sem considerar que, apesar da influência deles nas palavras da primeira constituição, a alma mais profunda do Brasil está nas culturas silvícolas, africanas e europeias, notadamente Portugal e França. De Portugal, dentre muitas coisas, herdamos esse apego à propriedade privada, mas apenas para os que a podem comprar e jamais, quando era possível, abrir possibilidade para os silvícolas e seus descendentes, os africanos e seus descendentes, excluindo do usufruto da cidadania mais de dois terços da população. O Brasil sempre é pensado como um país de 30%, mas é pensado como se esses 30% tivessem conseguido a cidadania como ela foi gestada nos Estados Unidos da América, como eles costumam dizer o ‘selfmade man’. Entretanto o sentimento de liberdade e busca de igualdade nas relações, nos Estados Unidos esteve baseado em um campo político ideológico de relações individuais responsáveis (com prêmio e castigo), mas com possibilidade de abertura para os membros de iniciativa. O Brasil, por outro lado, formou-se, desde a invasão europeia do século XVI, sob o manto da autoridade abusiva e das liberdades controladas por instâncias de poder externo, o que impediu a formação de uma sociedade livre porque impermeável à mudanças estruturais. Sempre, no Brasil, as mudanças foram realizadas para que as mudanças não fossem realizadas. Pois se as mudanças estruturais houvessem sido realizadas não haveria essa sociedade de 70% de excluídos, ou mais. Por isso meu pai morreu sem compreender porque não recebeu o atendimento médico; por similar razão decidiu, intuitivamente, que não poderia mais continuar a morar na periferia geográfica e cultural dominante. Veio para a periferia da cidade grande, onde também se mantinham as estruturas que o prendiam na parte mais inferior da sociedade desde o nascimento; meu pai não desejava para seus filhos, o cabo da enxada e o túnel social fechado que lhe tocara como neto de escravo e filho de índia mestiça. Mas as estruturas mentais que estão na alma do povo brasileiro, impostas por cerca de 30% dos que governam o Brasil desde 1549, e  continuam firmes nas ações dos descendentes dos desencontros dos fundadores da nação, de sorte que atende apenas o pequeno terço. Aos demais o Rosário.

E o Covid19 tem demonstrado isso muito bem. Neste momento há uma grande preocupação, um temor de que ele se espalhe e alcance o terço dominante, por isso é que se discute o vírus, mas não a estrutura, ou ausência de estrutura para os dois terços da população. O vírus tem atingido setores mais ricos e a classe média da sociedade industrial, de modo a fazer tremer o presidente dos Estados Unidos, a princípio agindo com comportamento blasé e arrogante, mas que se transformou quando Nova York, San Francisco pararam. Aqui também, o presidente Bolsonaro tem mudado, mais lentamente, o seu comportamento, pois o vírus pode alcançar as suas bases milicianas. E, agora vemos, depois de três semanas, que o noticiário começa a entender que não tem água nem sabão em quantidade nas periferias – favelas – das cidades, onde o ‘isolamento social’ é quase impossível com as casas em ajuntamento, sem serviço de esgoto e água, lugares onde os Estado não alcança, pois dominado pelas milícias. E não espanta a ninguém essa situação. Também não espanta que tem sido escondido o desastre populacional causado pela Dengue e, da microcefalia da qual já não se ouve. Da última vez que o governo central abordou o tema foi quase informando que não tem responsabilidade sobre casos novos. Digo Governo Central pois não parece ser federal, como demonstra a ação dos governadores do Nordeste ao descaso do governo federal em relação à Covid19, pois em relação à dengue e a criação de infraestrutura necessária para vencê-la, apenas demonstra que fazem parte das mesmas famílias que sugam o Brasil que é produtivo e trabalhador, como os pequenos proprietários e os ambulantes sem carteira de trabalho, tão desprezados como os mascates e tropeiros que formaram o Brasil.

Todas essas reflexões faço para não perder a consciência de que sou o índio desprezado, o negro evitado e o branco pobre enxerido que quer participar da história do Brasil, e por isso conta essas histórias para seus filhos e netos e a quem estiver disponível. Ela é parecida com 75% da população brasileira.

Escondidos na biblioteca 2

sábado, fevereiro 8th, 2020

Escondidos na biblioteca 2

Pois então as fotos que foram redescobertas pela queda dos livros, levaram-me a Belém do São Francisco; elas são registros de minhas atividades Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco, parte da Autarquia Belemita de Cultura, Desporto e Educação, quando auxiliei a reorganização do curso de História, como já havia feito em Arcoverde. Tive o prazer de conhecer uma cidade que sempre primou pela formação de seus cidadãos, embora carregando toda a bagagem do coronelismo, já bem moderno, pois Belém do São Francisco é a primeira cidade pernambucana projetada, tomando como modelo Belo Horizonte. Vivenciei as festividades do Centenário da Cidade, inclusive criando camisa comemorativa, aproveitando o fato de ter sido o paraninfo de uma turma que se formava no ano de 2003. Conheci de perto a devoção a são Gonçalo do Amarante, inclusive levando um aluno do curso de História da UFPE para estudar a tradição, mesmo sem ter ele recebido bolsa para tal tarefa. Essa devoção levou-me à casa de Seu Jerônimo, em Itacuruba, devoto e organizador da festa desse santo dos pobres e protetor das prostitutas, uma festa de fartura para honra do santo que só aceita esse tipo de pagamento. Festa de São Gonçalo, expulso do litoral no século XIX, mas que está presente nos sertões de Pernambuco, Alagoas e Bahia, é sempre uma festa onde se canta, dança e come. Também conheci os primeiros bonecos gigantes do carnaval pernambucano que chegou “das europas” navegando o Rio São Francisco, uma idealização do padre Norberto, faz agora Cem anos. Os bonecos chegaram no Recife em 1966 e aclimataram-se em Olinda.

Convidado para ajudar o curso de História que apresentava um baixo índice de matrícula, levei para o CESVASF quase todos os professores do Departamento de História para realização de palestras e cursos no finais de semana. Também tive a satisfação de iniciar vários recém formados e recém mestres a realizarem concurso público e tornaram-se professores permanentes naquela Autarquia Municipal. Alguns ainda estão radicados em Belém do São Francisco, outros terminaram por assumir em outras instituições universitárias que já existiam no Sertão, além da chegada da das universidades federal e estadual. Isso foi possível pela coragem dos professores Maria Auxiliadora Lustosa e Licínio Roriz que, foram os responsáveis pelo ressurgimento, também do curso de Geografia. Outro aspecto que considero positivo de minha passagem e de outros professores da UFPE que dedicaram alguns finais de semana aos jovens do Sertão, é que muitos estudantes e professores sentiram-se motivados a enfrentar a pós-graduação stricto sensu, melhorando o capital humano da região.

Ser professor no CESVASF, nos finais de semana durante cinco anos, foi gratificante, aguçou-me a sensibilidade para entender melhor os seres humanos, embora tenha deixado algumas marcas negativas decorrentes de meu temperamento que se recusa, às vezes, deixar de ser um jovem de vinte anos, ou seja, um anacronismo. Mas creio que a liberdade que foi-me dada para agir, permitiu-me exercer o magistério superior, ampliar meus conhecimentos enquanto apontava caminhos de pesquisas a professores que passaram a juventude vendo a graduação e a pós graduação apenas possíveis aos mais próximos do litoral. Acompanhei jovens Pipipan (quando a tribo estava renascendo), Tuxá, Pankararu; mulheres que passaram parte de sua juventude lavando roupa na margem do São Francisco, em suas pesquisas e escrita de seus Trabalhos de Conclusão de Curso e de monografias para sua especialização. Foi maravilhoso assistir a formação de professores de história, geografia, matemática e biologia nos difíceis tempos do início do século XXI, quando a região estava estigmatizada como ‘polígono da maconha’ e muitos evitavam a região. Mas esses jovens professores estão espalhados nas cidades dos sertões baianos e pernambucano, cuidando de formar novos cidadãos. A recuperação do CESVASF levou à criação do primeiro curso de Direito no Sertão e  

Aliás, recebi em minha vida poucas demonstrações em forma de títulos, orgulho-me de ser Cidadão Belemita.  

A Juventude só ocorre uma vez

segunda-feira, agosto 12th, 2019

A juventude só ocorre uma vez
Metade do ano já seguiu para o passado, após alguns décimos de segundos, quando presente parecia ser. Esse momento singular, constante no seu passamento nos dá a sensação de duração. Interessante é que o passado parece ser o presente quando refletimos sobre a situação política brasileira, cada dia mais parecendo algo que já foi visto, vivido e, pensávamos, indesejado mas, agora assistimos, nesses décimos de segundo, quantidade de gente com saudades do passado que pensávamos estar superado. Triste saber que o passado na últimas décadas do século XX, é o presente desejado por cerca de 30% dos brasileiros que parece terem optado por agarrar-se à covardia como maneira de viver. Sim porque todos os sistemas que optam por serem totalitários, erigem a covardia e a falsidade, não apenas como método, mas quase como objetivo a ser atingido. Aos poucos sentimos desaparecer práticas de boa convivência, do respeito mútuo, do reconhecimento do direito de todos e de cada um. É triste verificar que tem crescido o número daqueles que “só trabalham para ganhar dinheiro”. Esse o caminho que as reformas sociais estão tomando nesses oito meses de governo pós petismo.

Dia dos Pais, melhor, dia escolhido para prestar uma homenagem aos pais, pois os pais o são todos os dias. Neste dia dos pais, enquanto passava a calça, assisti um documentário sobre a conquista dos Direitos Civis nos Estados Unidos da América do Norte, uma luta dos afro-americanos que, cem anos após a Guerra de Secessão, ainda não tinha direito a votar, e viver com leis segregacionistas nos estados sulistas, onde o governador George Wallace discursava “segregação hoje, segregação amanhã, segregação sempre”, mas viu-se surpreendido com a capacidade de ver o futuro de duas gerações de afrodescendentes: os mais velhos que assumiam a liderança e os mais jovens, meninos e meninas ginasianas, gente entre 15 e 18 anos, que confrontaram o status quo racista, representado pela polícia e foram presas, em um dia mais de trezentas, forçando o presidente Lyndon Johnson a assinar a enviar ao Congresso a lei da universalização do voto nos Estados Unidos da América do Norte. We shall overcame, cantavam os manifestantes em direção ao futuro. Trinta anos depois do assassinato de Luther King Jr, precisamos recordar que a juventude ocorre apenas uma vez em nossas vidas, e é nela que o futuro é construído, por isso não podemos desperdiçá-la, vivê-la sem objetivo. Estamos experimentamos, neste final de década, a destruição de muitos direitos sociais em nome de uma racionalidade que garante, primeiramente vantagens aos que sempre as tiveram, Não tem sentido apenas dizer que o Estado está quebrado e, por isso é necessário que sejam retirados ou diminuídos os direitos dos mais pobres, enquanto se mantem a lógica da acumulação pura e simples que engorda as ‘vacas de Bazã’. Erros sérios de governantes que, no coração, esqueceram seus ideais e tornaram-se iguais aos seus antigos exploradores. Uma juventude não deve deixar-se enganar com medo do futuro. O futuro virá com ou sem o nosso medo, nosso temor, mas se o enfrentarmos, o que virá será resultado de nosso trabalho na construção do sonho, e não a imposição de um déspota.

Confusão entre privilégio e direito; Direito aristocrático em Estado Burguês

quarta-feira, julho 17th, 2019

Não sou jurista, mas como cidadão li alguns autores. e penso. O Brasil, ensinou Darcy Ribeiro, é um povo novo, composto de várias vertentes, e tem como resultado algo nunca visto antes, mas que está sempre a fazer Atualizações Históricas, para acompanhar o ritmo daqueles povos que historicamente chegaram à frente produzindo conhecimentos. Se esforçar-se muito e fizer o dever de casa, bem que poderia criar alguma nova tecnologia e não apenas viver a fazer adaptações. Veja o nosso Supremo Tribunal Federal. Dom Pedro II o desejava no modelo norte americano, atuando em defesa da Constituição, interpretando-a em favor dos brasileiros, todos o brasileiros. Entretanto, os ingleses que fundaram os Estados Unidos da Amárica do Norte cuidaram de abandonar os maus hábitos dos ingleses de quem se separaram às turras, em duas guerras. Bem, parece que Dom Pedro II, esse imperador com jeito de burguês, parece que não conseguiu fazer funcionar a Corte suprema. Ela veio com a República que decidiu seguir o modelo dos americanos. Mas nem tanto.

Todos lembramos que quando se julgava alguns aspectos do processo conhecido por “mensalão’, todos ouvimos o mais antigo membro do STF argumentar, para garantir alguns direitos dos acusados, baseado em códigos criados pelos reis de Portugal e Espanha, códigos que foram criados para garantir os interesses dos nobres, pois que nos tempos de Dom Manuel e dom Felipe, o povo a que se referiam as leis era a nobreza; a arraia miúda, a canalha ficava de fora dos códigos, sobrevivendo da subjetividade dos reis e seus juízes, na maioria dos casos. Pois é isso, quando o Brasil tornou-se nação independente, não se afastou das leis manuelinas e Filipinas. Nosso curso de Atualização Histórica para a formação do Estado burguês foi falho, pois queremos ser iluministas com os parâmetros dos reis absolutistas. Os que não permitiam que os nobres fossem julgados, exceto pelos tribunais reais. Coisa de privilégio. Não é à tia que um senador, representante do estado do Piauí disse que não se pode conceber que um político seja julgado pelo código penal, isso é para o povo, a canalha, como dizia Voltaire.

Estamos, a nação brasileira, em situação bastante interessante diante as nações porque um dos nossos ministros Supremo Tribunal Federal, não considerando todos os acordos internacionais subscritos pelo Brasil a respeito da repressão aos crimes de lavagem de dinheiro, terrorismo, fraude bancária, crime organizado, milícias e outros contra a economia geral, resolveu atender pedido da defesa do senador, filho do atual presidente. Assim, ele que ainda nem foi acusado de coisa alguma, conseguiu o direito de não ser investigado a respeito de transações bancária aparentemente suspeitas. E para atende-lo o presidente do STF, “sem querer”, inocentemente, garantiu que todos as investigações sobre esses crimes (atentados contra a sociedade) seja suspensas, pelo menos até o mês de novembro. Claro que as academias do crime, as milícias, os doleiros, todos os que enganam a sociedade estão protegidos, enquanto furtam a sociedade. E como ficam os acordos assinados com os países que colaboram com o Brasil, e entre si, em situações de investigações semelhantes, todos já sabemos. O Brasil, como dizia o fado de Chico Buarque, “ainda vai tornar-se um imenso Portugal”, aquele dos séculos XVI e XVII.

Em Novembro deste ano ouviremos Celso de Mello citar as Manuelinas e filipinas; ouviremos o iluminista Marco Aurélio de Mello defender, intransigentemente, os direitos individuais dos que não carregam a mínima consideração aos direitos coletivos. As milícias e os nobres filhos do presidente atual (que ser o próximo) continuarão a ter o seu sigilo bancário garantido, até que algum procurador, sem os dados que são fornecidos pelo Controle de Atividades Financeiras, agora que ela foi, graças ao presidente do STF, proibida de lhe passar os dados necessários para que seja instruído o pedido de investigação.
Pois este é um dos resultados das Atualizações Históricas mal assimiladas, propositalmente mal assimiladas, parta que se possa continuar protegendo e separando os nobres do pobres. Esta é a “nova política” do governo Bolsonaro, o retorno ao Velho Regime. Aquele em que o rei está sempre certo, pois, um sinal de sua clareza é que os outros dele não concordem. Ou como dizem que ele disse: le lois c’est moi.

Rescritas da história – muitas e diversas maneiras

domingo, abril 7th, 2019

14 Anos

Tinha eu 14 anos de idade
Quando meu pai me chamou (quando meu pai me chamou)
Perguntou se eu não queria
Estudar filosofia
Medicina ou engenharia
Tinha eu que ser doutor
(Paulinho da Viola)

Eu tinha quase 14 anos quando meu pai me pôs a estudar no Colégio Técnico Professor Agamenon Magalhães, sim, o mesmo que foi interventor em Pernambuco durante a ditadura do Estado Novo, após ser Ministro da Justiça e do Trabalho. Foi assim que no dia Primeiro de abril, o diretor do CTPAM (prof. Abelardo, talvez), suspendeu as aulas por que soube estar ocorrendo movimentação militar na cidade e o melhor era todos irem para casa. Saímos do CTPAM e descobrimos que não havia transporte coletivo. Eu estava na Encruzilhada e tinha que ir para Nova Descoberta. Sem ônibus, peguei um bigú que me deixou em Casa Forte. Outra carona deixou-me na entrada de Nova Descoberta. Mais 1500 metros e cheguei em casa, e tudo parecia calmo.

Com quase 14 anos pouco entendia do que estava acontecendo. O que se dizia era que tinham prendido o governador Arrais e o presidente não estava em Brasília.
Depois foi ouvir as notícias as notícias pelo rádio. Falava-se de prisões de deputados vereadores, sindicalistas. Muitos dos moradores de Nova Descoberta trabalhavam na Fábrica da Macaxeira, e as famílias estavam assustadas. Alguns dos provedores ficaram desaparecidos por uns tempos, e quando voltaram estavam desempregados. A memória traz a campanha “Dê ouro para o bem do Brasil”. É que os comunistas haviam deixaram o Brasil na miséria. Vi muitas pessoas levarem alianças, anéis, brincos para a Praça da Independência, com o intuito de salvar o Brasil. Ao mesmo tempo os rádios e jornais informavam sobre Inquérito Policial Militar – IPM, para demonstrar o crime de políticos e sindicalistas. Parece que fiquei uma semana sem aula, tempo para que tudo se acalmasse.

Sempre tive um carinho especial por Felipe dos Santos. Ele havia liderado, em Vila Rica, Minas Gerais, uma revolta para expulsar o portugueses do Brasil, livrar o Brasil de pagar o Quinto a Portugal. Aprendi, ante de chegar ao Ginásio, hoje quinta série, que Felipe dos Santos foi o Protomártir da Independência do Brasil. Aprendi a amar o Brasil e Felipe dos Santos sempre foi, e continua sendo, o meu herói. Ele foi esquartejado, sua casa foi demolida, sua terra salgada para que nada mais nascesse ali. Foi a ordem do Conde de Assumar, meu primeiro vilão. Nos anos seguintes os livros não mais mencionavam Felipe dos Santos, começava o tempo de Tiradentes. Esse personagem foi ficando cada vez mais falado e bonito, a cara dele era bem parecida com a de Jesus Cristo. Até mesmo os poetas e cantores da oposição ao regime cantavam esse Mártir da independência. Estanislau Ponte Preta escreveu uma Exaltação a Tiradentes, com conotação jocosa, mas ele era o homem que “foi traído mas não traiu jamais a inconfidência de Minas Gerias. Ary Toledo cantava assim, “Foi no ano de 1789, em Minas Gerais que o fato se deu // E havia derrame do ouro (…) Esse ouro ia longe distante passava o mar, ia para Portugal para rei gastar (…) o mineiro garrou a pensar: se esse ouro que é ouro da terra e de nossa terra porque é que se vai (…) se juntaram numa reunião e resolveram fazer uma conspiração (…) Manoel da Costa, Antonio Gonzaga e Oliveira Rolim e tem mais um nome, o nome do homem que foi mais herói esse fica pro fim. E o nome do homem que foi mais herói, aprenda quem quiser, Joaquim José da Silva Xavier”.

As escolas de samba do Rio de janeiro se esmeraram em produzir sambas sobre o herói de Minas Gerais (a bem da verdade A Império serrano, em 1949 exaltou Tiradentes). Tudo isso ajudava muito a aceitar o esquecimento de Felipe dos Santos, que carregava dois sérios problemas: era português e civil, não podia ser herói de um movimento nacionalista liderado por militares.

Bem tudo isso veio vindo em meus pensamentos nesta semana quando se escancarou o projeto revanchista de revisar ou reescrever a história da Brasil, negando a existência de uma ditadura iniciada em abril de 1964, mudando os livros didáticos, como disse o brasileño com assento no ministério da educação. Historiadores estão atentos para iniciativas tortuosas como a do atual governo que, carente de um Golbery do Couto e Silva, foi pescar com Olavo de Carvalho. Assumindo o bom humor, Golbery de Couto e Silva teve Elis Regina, Chico Buarque, a Portela (1967) como propagandistas de seu herói. Mas precisamos lembrar que dizia Capistrano de Abreu sobre a Inconfidência de Minas Gerais.

Professor James Beltrão, sempre presente.

segunda-feira, março 11th, 2019

Acordo, e uma das primeiras notícias do início da manhã é que o Professor James Beltrão faleceu. Pouco antes da leitura dessa notícia estava a pensar sobre as minhas ações do passado e o que eu iria faze neste dia, que aulas eu daria e como conversar sobre o tempo como participante de nossa criação cultural. Então a notícia da morte de James Beltrão, do professor James Beltrão, empurra-me para o início da década de setenta, tempo em que estávamos completando o nosso primeiro quinquênio de magistério e nos conhecemos, ele ensinando Geografia, eu aprendendo a ensinar história. É que James era muito bom em nos encantar em seus comentários sociais a partir da ciência que ensinava e que, com imensa razão ensinou-me a não dissocia-la da história. Não é possível a vida humana sem o espaço físico e, como se pode compreender o espaço físico sem a história dos Homens?
Nossa aproximação cresceu quando fizemos a primeira greve em pleno ano de 1979, no mês de abril. Juntamente com a dos motoristas dos coletivos do Recife, foi a primeira greve em plena ditadura. Depois vieram os canavieiros de Pernambuco e os metalúrgicos de Santo André. Mas o que sai nos livros – (didáticos para os primeiros anos de vida, ou universitários, escrito pelos e para os mais velhos, que influenciam os mais jovens) nem sempre corresponde à cronologia que, vez por outra cede espaço para o ideológico. A Greve do SIMPRO deveria encontrar um escritor, alguém que nos lembre de alguns momentos. Enquanto isso não acontece, atrevo-me a lembrar que fizemos das slas do Colégio Marista, na Conde da Boa Vista, o Comando da Greve. Foi então que assisti o professor James Beltrão mostrar a cidade, onde estavam os colégios, como chegar a eles, quais os professores que deveriam ir. Cuidando da logística da greve James Beltrão mostrou-se um grande organizador. Vi isso porque fui escalado para ouvir as notícias e escrever relatórios diários a serem apresentados na assemnléia do final do dia. Pena que esses papéis não foram guardados. Nem poderia ser, naqueles momentos em que começávamos a cavar a sepultura dos pelegos que não desejavam a greve e foram surpreendidos por uma nova geração de professores que estava chegando ao magistério e, também ao sindicalismo. Sério, alegre, mas sempre tendo em mente o grande objetivo, James Beltrão nos comandava e era por todos comandado. As conquistas daquele greve levaram anos para serem descaracterizadas, mas foram intensos e profundos os momentos de temor e de alegria que vivámos. Éramos Costa Natemática), Janildo Chaves Geografia), João Alberto (Geografia), Mário Medeiros (História), Fernandão (Educação Física), Edmilson (Física), Zélia (História), Biu Oliveira (História), Natanel (OSPB) Da Mata (História), Jorge Alves (português), Gabriel (Física), Vera Gomes (Matemática), e muitos outros, alguns já mortos, outros vivos, mantendo a lembrança e a memória dos amigos entusiasmados com a vida e sedentos de liberdade.
Outra lembrança que veio de rápido está relacionada com a morte de Chico Science. Razões de difícil entendimento levaram-me para fora de Pernambuco e, no Rio de Janeiro fui procurar emprego qe aqui estava senod negado em 1994. Fiquei dois anos ensinando em escola de Ensino Básico e em universidades: Universidade Veiga de Almeida, Universidade do Rio de Janeiro. Embora aprovado em concurso público na UNIRIO, vim fazer concurso na UFPE, onde estou, agora como Professor Associado. Seis meses após o meu retorno, descobri Chico Science por quem meus filhos choravam de tristeza por sua morte. Então fui buscar a razão do sentimento de orfandade, pesquisei, li e escrevi um texto que o amigo Mário Hélio publicou em seu espaço no Jornal do Commércio. Algum tempo depois, James Beltrão entrou em minha sala no CFCH, dizendo-me que leu o que escrevi sobre o artista símbolo de uma geração, uma nova geração, novas maneiras de expor os sonhos, ele gostava de Chico, tinha muito material guardado e falamos, quase duas horas, sobre o que nos acontecia, o que estava acontecendo. Rimos. Falamos. Deixamos nossos espíritos viverem, de novo, de maneira nova, os sonhos e realizações.
Gostei muito de conhecer o Professor James Beltrão. Gostei muito do tempo que construímos o tempo e sonhamos com uma cidade mais bonita. Gosto muito dessas lembranças.