Archive for the ‘Memória’ Category

Dia da Consciência

quarta-feira, novembro 20th, 2019

São numerosas as comemorações coletivas que ocorrem no mês de novembro, religiosas, cívicas mercantis e aquelas familiares e pessoais. No mundo do civismo, nessas comemorações que marcam os momentos de escolhas político-sociais, há as celebrações do início a República, da escolha da Bandeira nacional. Essas celebrações quase sempre nos levam ao passados e, como a sociedade brasileira tem pouco apreço por sua história, pois aprendeu que história é coisa que já passou, essas celebrações servem quase que somente para que se diga o que aconteceu, como aconteceu, quando aconteceu e quem fez. Celebra-se o passado, como se a celebração fosse de algo vivido por outros povos. Essas datas estão sendo celebradas de maneira que elas deixam – talvez deixaram a muito tempo – de ser parte da vida dos que celebram. É por isso que no dia que se celebra o início da República, o ministro da Educação faz a celebração chamando o Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República de traidor. O ministro da República do Brasil acusa o fundador da República do Brasil de ser traidor por ter proclamado a República e posto é fim à Monarquia. Sente-se, o ministro, como um príncipe traído; afinal um militar mestiço recusou, à sua maneira, o governo típico da Europa, de onde vem toda família do ministro que parece não ter qualquer traço de mestiçagem, típica do Brasil profundo. Dois dias depois de repudiar a República, o mesmo ministro, no palácio presidencial, faz elogios à bandeira. Este é o estado de esquizofrenia que é vivido no país. Esquizofrenia e catatonia que parece atingir as forças armadas republicanas do Estado brasileiro.

Dor maior vivem os brasileiros que pensam e agem semelhantemente ao ministro da Educação neste dia 20 de novembro, pois é nele que celebramos parte de nossa herança esmagada, esquecida, quase odiada: a nossa herança africana. A lembrança de que o Brasil não seria essa nação rica economicamente, cultural e diversa, sem a participação ativa dos povos africanos que, contra seus desejos, foram arrancados de suas terras e transplantados para este lado do Oceano Atlântico. Ter a Consciência de ser Negro é, ao mesmo tempo, ter a consciência de que, na formação do Brasil os que se apoderaram das terras dos primeiros habitantes, usaram os africanos como animais de carga. Ser posto diante dessa evidência, que foi silenciada ao longo da formação do Brasil, faz doer cada músculo moral que ainda resta e precisa ser restaurado naqueles que herdaram os métodos de recusa da humanidade e, lamentavelmente, se recusam a admitir que cultivam o desejo de manter o processo de animalização da maioria da população brasileira, que, formada principalmente de negros, índios e mestiços de todos os matizes, e todos igualados no processo de discriminação sócio racial. Daí porque nos matam tanto.

A cada ano, se quisermos ser, verdadeiramente um República, a grande data do Brasil deverá ser o 20 DE NOVEMBRO. O Dia da Consciência Negra, o Dia da Consciência do Brasil.

Projeto Apollo e outras memórias

terça-feira, julho 9th, 2019

Então, todas as datas são passiveis de serem comemorativas, sempre nos trazem à memória acontecimentos que nos formaram, como pessoas nos grupos que nós vivíamos. Sentimos isso à medida que passamos no tempo. O tempo nos faz pensar no que fizemos no passado ou, como disse Belchior, n’o “ mal que o tempo sempre faz”. Mas, talvez o tempo faça mal, talvez tenhamos feito mal no tempo que vivemos e, essas ações marcam o rosto, o corpo e a alma. Assim como também o bem que fizemos no tempo nos deixa marcas, mas não as notamos. É que o bem é quase invisível, especialmente para aqueles que por ele foram afetados; o mal, contudo, parece ter a faculdade de ser melhor visto, melhor avaliado e, portanto, mais amplificado na memória pois os seus efeitos são imediatos. O bem exige mais tempo para ser distinguido, avaliado e aceito. É comum que muitas pessoas apenas com o desaparecimento do benfeitor, seja o desaparecimento fortuito e espacial, seja o definitivo, é que se percebe o bem que ele realizou.

Como disse, sempre há cinquentenários, centenários, e muitos outros aniversários. Este ano é o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial (um uma pausa preparatória para a segunda), e cinquentenário da primeira abordagem por humanos no solo lunar. Quase o fim da poesia, conforme escreveu Gilberto Gil em poema memorável e cantado por Elis Regina, a então rainha da Música Popular Brasileira, ombreando com a Divina Elizeth Cardoso. Mas essas lembranças pouco dizem aos que nasceram depois dos anos setenta, dos tempos difíceis e criativos dos anos sessenta. Eram tempos de ‘cara amarrada’ como descreveu Ivan Lins. Aqueles tempos nos acompanham de diversas maneiras, com sentimentos de tristeza por não termos realizado o sonho, definido como acabado por John Lennon, ele mesmo assassinado; mas também lembrado com orgulho, por essas mesmas pessoas, por terem feito parte dele, por terem tido entusiasmo e esperança, como a fazer parte das ‘minorias abraâmicas’ de dom Hélder Câmara, campeão na luta pela Justiça, por um mundo de paz e sem fome e miséria. Mas também aquele tempo passou a ser mitologizado, tempo lembrado com saudades pela geração que não o viveu, mas que cresceu no mundo em que a luta parece que se resume a entender o que aconteceu, e não mais fazer acontecer, como na poesia de Geraldo Vandré. Agora tudo parece ‘divino e maravilhoso’ e ‘quanto mais purpurina melhor’ para suportar o vazio das esperanças, não perdidas, pois não se perde o que não lhe pertence, como dizia o bordão da comediante.

Na manhã de 16 de julho de 1969, para desespero do que cultivavam (alguns ainda cultivam) aversão aos Estados Unidos da América do Norte, viram dois astronautas caminharem na lua, cumprindo a promessa feita por JFK no início da década. Ainda há muitos que dizem que tudo não passou de uma ação midiática, filmada em alguns deserto americano. Independente desses, continuava a corrida pela conquista, além do conhecimento, do espaço sideral. Em abril de 1971, em uma aula de teologia bíblica, a colega de turma, Irmã Elizabeth, missionária beneditina, pediu permissão para lembrar que, naquele momento estava ocorrendo o lançamento da nave Apolo XIII em direção à lua, e da importância do acontecimento, analisando-o como parte do projeto de Deus para a humanidade, ou como Deus permite ao homem alcançar o conhecimento e que este sirva para o bem da humanidade. Tomei a palavra e disse as bobagens permitidas ao atrevimento dos vinte anos, que “era um gasto inútil enquanto milhares de pessoas estavam vivendo em miséria e fome’, que era um projeto fruto do orgulho e da ganância do império americano, e outras palavras, que escondiam a minha ignorância sobre os resultados positivos que essas viagens estavam a trazer para a humanidade. Hoje entendo que não é a questão do conhecimento, mas da ética dos grupos que têm acesso ao conhecimento e o poder que deixa-lo alcançar todas as potencialidades. A irmã Elizabeth tinha razão, suas informações eram maiores que as minhas, sua amplidão de alma olhou para mim e, depois da aula disse-me que compreendia o que eu dissera. Um ano depois, no mês de julho, eu estava a Detroit, MI, como missionário católico e, notei que, na sala de entrada da Casa Paroquial Holly Trinity, o televisor estava ligado no momento da decolagem da Apolo XV. Não havia ninguém na sala: aquelas viagens estavam se tornando comuns, embora um problema não tenha permitido a alusinagem daquela tripulação.

Afinal quantas memórias temos daquele período, de outros períodos e, sabemos que são tantas quantas as pessoas, e serão múltiplas para cada visita pessoal, muitas delas acrescidas das informações que recebemos posteriormente, mas que a integramos na memória, como houvesse realmente acontecido. Mexer na memória é não apenas ‘reviver o passado’, conforme definição de frevo canção de Edgar Moraes, talvez seja recriar o passado, como diz Foucault. E o recriamos talvez com o nosso humor e experiência. O Pessimismo ou otimismo do presente contagia o passado.

Natal

terça-feira, dezembro 25th, 2018

Cresci sem Papai Noel. Sempre tive o Menino Jesus. Os presentes de final de ano, eram sapatos e roupas para as festas natalinas, roupa para a Missa do Galo, e para a Missa de ano, quando nos abraçávamos na igreja e depois íamos para casa.
Papai Noel foi chegando depois que já tinha passado a idade de ganhar presente. Minhas irmãs buscavam gravetos para fazer a árvore de natal, enrolado com algodão. fui sendo levado a imaginar a neve, mas o papai noel era o São Nicolau, o bispo que se preocupava com os pobres. Papai Noel foi crescendo com a criminalidade que acabou com a Missa do Galo, que era à meia noite, foi passando para a 10 horas. Agora a missa do galo acabou, o Menino Jesus é uma lenda distante e a festa de natal gira em torno de um velho gordo com as cores da coca-cola.
Natal não é mais nascimento, é mais triste que a música de Assis Valente questionadora da paternidade do velho de barbas brancas. É a tristeza alegre de uma sociedade por ter desgastado o presépio inventado por Francisco de Assis,
Assim, no meio dessa floresta de pinhos falsos pinçados de falsa neve, brinco com o Menino Jesus, procurando o Rei Baltazar, quase sempre lá fim do presépio, mas presente na festa do nascimento de Jesus.
GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS E
PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.

Recife e os muros da democracia

sábado, novembro 24th, 2018

Estou fazendo a leitura do livro GRITAM OS MUROS, pichações e ditadura civil-militar no Brasil, escrito por Thiago Nunes Soares e publicado pela Appris editora, da cidade de Curitiba, no Paraná. Produção recente, faz o resgate de uma das muitas maneiras que a sociedade utilizou para a contestação das ações dos que se apoderaram do Estado brasileiro em 1964 e, aliados às forças armadas, impuseram uma ditadura que agora querem negar. Assim, chegou em boa hora o trabalho deste jovem historiador que cumpre a tarefa de lembrar o que todos esquecem, os tempos ruins que foram vividos, tempos que ficaram famosos como de chumbo. O chumbo das balas que mataram alguns e assustaram a muitos. Entretanto, no escuro das noites ou no clarão do dia, os muros da cidade do Recife tornaram-se espaço da liberdade de expressão que os ditadores não permitiam.

Os muros sempre separam, é o comum dizer, enquanto as pontes unem. Catava-se assim “quando o muro separa uma ponte une” e, no Recife os muros eram a ponte que forçava o diálogo. Silenciosos eles recebiam as mensagens e, os tijolos tornavam bocas dos desejos, das denúncias, da coragem que vencia o medo.
Carregado de documentos e depoimentos, Thiago Soares nos auxilia a lembrar como a sociedade venceu a ditadura. O regime imposto por alguns setores da sociedade, o tempo de chumbo foi vencido principalmente pela palavra e pela ação contínua da prática solidária de denunciar os abusos e dividir as informações nas assembleias públicas que, embora todos soubessem que estavam vigiadas, sendo fotografadas e gravadas, eram realizadas ao arrepio dos ditadores. Este livro narra a fala silenciosa dos muros, dos sussurros criadores da liberdade, das redes de solidariedades armadas por anônimos e valentes cidadãos, animando a todos e apontando que o chumbo das balas prometidas podia ser derretida pelo calor da ação pacífica e eficaz, solidária com os que foram aprisionados por razões diversas, sendo todas resumidas como ânsia de liberdade. Assim os muros da cidade tornavam-se força corrosiva, destruidora da ordem que desordenara a vida social desde 1964.

Toda análise histórica escolhe, define o tempo objeto de estudo, e Thiago Soares escolheu o final da década de 1970, quando a ditadura já não mais conseguia impor universalmente o medo que o chumbo das balas impõe. Muitos cidadãos, nos anos anteriores já haviam sido sequestrados, torturados, algumas centenas foram mortos e muitos desaparecidos até hoje. É o que nos mostram os relatos e os documentos trazidos por Thiago. O livro Tortura Nunca mais, mostra o que e como a ditadura tentou destruir os anseios de liberdade; os relatos do que ocorreu entre 1970 e 1985, indicam a continuidade de ação social, da capacidade dos cidadãos se organizarem e criar uma nova realidade, utilizando as contradições dos sistemas de poder, das conjunturas nacionais e internacionais e, então ampliar os espaços da liberdade, a construção dos direitos civis, políticos e sociais, como bem nos diz o autor logo nas páginas iniciais do seu livro. A derrubada dos muros impostos pela ditadura civil-militar são explodidos pela construção diária dos direitos dos cidadãos, aqueles que foram negados e são recriados pela sociedade.

Hodiernamente alguns querem negar a existência da ditadura que sofremos entre 1964 e 1985; vivemos um jogo pelo domínio da memória e da história do povo brasileiro e cabe aos historiadores organizar as informações de modo a auxiliar a preservação da memória dos construtores da cidade livre. O trabalho de Thiago Soares dá continuidade ao que foi realizado por outros historiadores, como ele bem ressalta na relação de trabalhos ele consultou, aqueles que, mais velhos ou de sua geração, já contribuíram para que esse passado não seja esquecido para que não seja revivido. Essa é uma das importância dos historiadores, eles são o vínculo com o passado, o vivido e o já refletido e sistematizado. O historiador que não cita o trabalho de seus colegas, não torna conhecido o esforço de outros historiadores está negando a sua missão ao mesmo tempo que a realiza. Importante que o leitor visite a bibliografia utilizada pelo historiador e verifique que há uma continuidade desse constante refazer, reler e manter a história de um povo. Ler a bibliografia de um livro de história é fazer um pequeno curso de historiografia, de dar passos na direção de compreender que o ofício de historiador não é apenas a visita aos arquivos, não é um trabalho isolado, embora seja escrito no solitário espaço silencioso de uma sala para que se possa conversar com os muitos historiadores que já refletiram sobre a humanidade. Claro que nem todos os que pensaram e escreveram sobre o tema abordado foram lidos, pois esta é uma tarefa impossível, mas o contato com a bibliografia nos mostra que o autor conversou com os demais membros dessa comunidade que chamamos de historiadores, esses que procuram entender como são construídas as ruas – físicas e mentais – da cidade.

Mas o povo vive em ruas, bairros que formam uma cidade e, o que nos traz o trabalho de Thiago é disposição dos cidadãos da cidade do Recife em lutar para criar e manter a sua liberdade, fazendo dos muros pontes.

Viva a República

domingo, novembro 18th, 2018

Vivemos tempos difíceis, segundo alguns, na véspera de um tempo de censuras ao pensamento crítico, da possibilidade da perda da liberdade de expressão do pensamento, uma vez que foi vitoriosa, na disputa pela presidência da República brasileira, uma chapa que tem claro viés de direita política, anticomunista e com claros sinais de que pouco entende de política externa, além de coloração nacionalista, solicitando o retorno do patriotismo. Mas essa chapa foi eleita por mais da metade dos brasileiros, natos ou de escolha eleitores, com idade superior a 16 anos, de maneira livre e aberta para o mundo. Ao escolher esses futuros dirigentes do país, esses brasileiros rejeitaram o modelo que vinha sendo aplicado desde o final do século passado. Veremos e experimentaremos nos próximos anos a que vai nos levar a decisão do último outubro. Se não der certo, por certo que a eleição de 2022, ano do centenário da independência política do Brasil, será uma oportunidade de nova mudança.

Mas esta é a semana da Proclamação da República do Brasil, celebrada no calendário, e com direito a feriado das atividades produtivas para que os cidadãos, os mesmos que, faz um mês, votaram para escolher quem dirigirá a República nos próximos quatro anos. Mas, quando vamos à rua e perguntamos a razão do feriado, são pouquíssimos os que sabem; como este é um saber do cidadão, presume-se que é função da escola republicana refletir e ensinar sobre o tema. Claro que os pais dos alunos, por serem cidadãos devem estar aptos para ensinar, transmitir os valores cívicos da pátria. Pais e filhos passaram, de alguma forma, algum tempo em escolas onde tais valores lhes foram ensinados. Assim, surpreende que muitos não saibam o que é a República e a razão do 15 de novembro ser um feriado. Inclusive não está fácil conversar sobre assuntos dessa natureza, assuntos sobre momentos da história do Brasil, sobre o significado de ser brasileiro, de gostar de símbolos da nação. Coisa quase démodé isso de patriotismo, pois este é o tempo da sociedade global e o comum é a crítica a esses símbolos nacionais gestados no século XIX. Amar o Brasil tem ficado difícil, pois nos dizem que é um país corrupto, e que a bandeira verde e amarela não tem significado, que o certo parece ser o vermelho. Quase ensina-se que é melhor procurar outro país, seja para morar seja para procurar ser cada vez mais parecido com ele. Neste país de corrupto, de violência, um país de povo machista, racista, homofóbico, de tradição europeia, de povo sem educação, que não sabe votar, não, não vale a pena viver, é o que parecem nos dizer celebridades que fizeram e fazem fortuna iludindo a esse povo e que, daqui fogem por causa da violência para lugares onde não existem esses pecados, essas insuficiências do povo brasileiro. Tais insuficiências, estão bem explicadas pelos intelectuais que são ou que vivem em países onde tais insuficiências humanas não existem. Talvez existam, mas eles gostam de lá mesmo assim. Lá eles comemoram o 14 de Julho, o 04 de julho, o Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial (tem até país que celebra a bravura dos soldados brasileiros na Guerra, esses brasileiros que não respeitados aqui no Brasil – recentemente um jovem de 20 anos cuspiu no rosto de um expedicionário chamando-o de fascista). De uns tempos para hoje não parece ser “politicamente correto” assumir que ama o Brasil.

Amar o Brasil não é desamar os demais povos, mas não amar o Brasil onde você nasceu, cresce e se torna adulto, é desamar de parte da humanidade, exatamente aquela lhe é mais próxima. Não parece ser possível conhecer o mundo sem saber andar nas ruas do seu bairro, celebrar a vitória dos povos e não conseguir ver as lutas do seu povo. Quer conhecer o mundo, quer ser cidadão do mundo, conheça sua aldeia, seja cidadão da sua aldeia, parecia dizer quem pensou a palavra COSMOPOLITA. Sabemos pouco dos humanos, de sua história; nos apaixonas por esse ou aquele povo por que ouvimos as histórias deles contadas com orgulho, mesmo sabendo que foram sanguinários, que roubaram povos e nações, que mentiram, mas as suas vidas construíram o país que seus bisnetos vivem. Assim são os heróis deles, assim são os nossos. O que difere é que nós conhecemos os heróis deles e eles conhecem os seus heróis e nós, talvez não conheçamos os nossos heróis. Nossos professores também não. Sabemos pouco de Ana Nery, de Henrique Dias, de Joaquim do Amor Divino, de José Bonifácio, de Machado de Assis, de José do Patrocínio, de Pereira da Costa, de Cruz de Rebouças, de Osvaldo Cruz, de Joaquim Nabuco, de Antônio Vicente Maciel, de Bárbara de Alencar, de Aimberê, de Antônio Faustino, Manuel Balaio, de Marcílio Dias, de Maria Quitéria, Apolônio Sales, de Ulisses Pernambucano, de João Ubaldo, de Érico Veríssimo, e muitos outros.

Sabemos tão pouco de nós, e por preguiça, continuaremos a saber mais dos outros e continuaremos a ter vergonha da bravura que desconhecemos em nosso povo.

O fim de uma guerra em 1917

domingo, novembro 11th, 2018

Quando paramos para comemorar cem anos do final da Primeira Guerra Mundial do século XX, notamos que pouco lembramos dessa guerra distante no tempo, mas que marcou o início do século XX, segundo famosos historiador britânico. Mais voltado para a América latina, o francês Olivier Campagnon entende que aquela guerra encaminhou o Brasil para definir sua identidade, mais voltada para os Estados Unidos, especialmente a Europa germânica e britânica. Aos poucos foi também afastando-se, culturalmente da França. A guerra que terminou a 11 de novembro de 1919 foi, segundo alguns continuada em silêncio durante algum tempo e, depois de 1939, ao som dos tanques e bombardeios aéreos sobre cidades inglesas, principalmente.

Para alcançar meu mestrado em história pesquisei como as lideranças da Arquidiocese de Olinda e Recife usaram as informações sobre a guerra de 1914, no jornal A Tribuna, para angariar a simpatia dos governantes e animar os católicos na direção do patriotismo. Verifiquei duas tendências entre os católicos de Olinda e Recife: uma delas, era verbalizada pelo Monsenhor Afonso Pequeno que entendia não ser do interesse do Brasil envolver-se em uma guerra que favoreceria aos Estados Unidos, recentemente entrado no conflito, após período de indecisão de Wilson. Era dos Estados Unidos de onde estavam vindo, em profusão, o protestantismo e o bicudo, “duas pragas”, dizia ele, que estavam arruinando a identidade brasileira e o algodão que era uma das forças da economia pernambucana naquele momento. Para o Monsenhor Afonso Pequeno o Brasil deveria permanecer neutro, seguindo a orientação do papa Bento XV. Outra tendência era a orientada pelo superior do Monsenhor, Dom Sebastião Leme, arcebispo que se esmerava na política de fortalecer as relações entre a Igreja e o Estado, pois entendia que o catolicismo era a argamassa que fez e une o Brasil, como escrevera em sua Carta de Saudação aos seus novos diocesanos, em 1916. As ele, durante o seu pastoreio em Olinda e Recife, fez presidente estadual da Comissão de Civismo e foi defensor do serviço militar obrigatório, auxiliando a cruzada do poeta Olavo Bilac. Dom Leme não seguia a orientação do Santo Padre, assim como fez o arcebispo de Paris que, em sermão na Notre Dame, disse que não poderia calar o seu sentimento de amor à pátria quando ela estava sendo agredida. O Brasil sentiu pouco essa agressão, tendo alguns navios mercantes, que se dirigiam à Europa, atacados por submarinos, o que favoreceu o intercâmbio comercial com os Estados Unidos, seu futuro principal parceiro comercial. Alguns soldados foram enviados, mas não travaram nenhum combate, tendo chegado à Europa no dia 10 de novembro. Mas as simpatias dos intelectuais foram sempre para os franceses, especialmente, sempre vistos como paladinos da civilização.

Após a declaração de guerra aos Países Centrais – Alemanha, Áustria, Hungria – ocorreram depredações de prédios com estabelecimentos comerciais de alemães, e também conventos que eram habitados por padres de origem alemã, sob a suspeita de estarem à serviço daquelas potências bárbaras que combatiam a civilização, ou seja, a França. Isso aconteceu em outras cidades, mas na região de imigração alemã, viu-se alguns milhares voluntariando-se para combater na defesa do Kaiser Guilherme II.

O término dessa guerra trouxe um surto de nacionalismo. Três depois vieram as festas comemorativas do Centenário da Independência, A Semana de Arte Moderna, e outros movimentos que buscavam uma identidade brasileira. Daí resultaram o Integralismo de Plínio Salgado, mas principalmente o fim da democracia nascida dom movimento de 1930, com a adoção do Estado Novo.

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SILVA, Severino Vicente da. Da Guerra à neocristandade – A Tribuna Religiosa, 1917-1919. Curitiba: Editora Prismas, 2015.