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Crise Covid-19 ou do Ocidente?

sábado, março 28th, 2020

Notícias da Europa dão conta que a rainha Elizabeth II estaria com COVID19. Não há confirmação mas a bolsa de apostas apontam a vitória da Rainha. Pior para Charles, que poderá perder a oportunidade de ser rei. Mas brincadeira de lado, vi que apostadores na vitória da Rainha a chamam de ‘lagarto’, capaz de adaptar-se às mais difíceis situações. Coisas do humor britânico, tão necessário neste momento. Também leio que esta pandemia está a nos mostrar que a Europa perdeu a liderança civilizacional, ou a  completou.

Desde 1914 que Oswald Spengler chamava atenção ao Declínio do Ocidente, aos limites que estavam sendo alcançados. Mostrava que as civilizações têm seu ciclo. Arnold Toynbee fez grandes estudos sobre as civilizações, apontando, o que todos sabem, que nenhuma delas é eterna e, chega um momento em que ocorre a perda da criatividade, o momento no qual as novas gerações rejeitam o que receberam, ou não veem necessidade de continuar o que receberam. Morre a civilização. Outra lhe toma o lugar, recolhendo o que de bom existia, ou que lhes dava condições de ser a liderança da humanidade.

O mal estar europeu vinha sendo apontado desde meados do século XIX, na escrita dos poetas, nas linhas dos romancistas, nas tintas dos artistas plásticos que, em seus sonhos para a além do efêmero, apontavam ser um engano a adoração à técnicas que suavizavam o modo de viver de alguns, mas endureciam o coração de duas ou três gerações que impunham o seu modo de viver aos africanos, que vinham sofrendo séculos de desumanização, e aos asiáticos que buscaram manter suas tradições isoladas do contágio europeu desde o século XVII. Mas a fome do poder e o emagrecimento da alma tornaram os povos europeus fechados em si enquanto arrombavam as portas do globo. Para Garaudy, antigo secretário geral do Partido Comunista Francês, o Ocidente seria apenas um acidente ao longo da vida humana, um acidente ocorrido entre os século XIII e XVII, e que conheceu seu apogeu nos séculos XIX e XX. É o que vemos, que estamos assistindo: sua fragmentação, sua dissolução, anunciada desde o século XIX, como mencionamos.

Mas o que era o Ocidente, como ele se formou, quem e o que lhe deu as bases?  Creio que ele é um amálgama das experiências que se encontraram e  se confrontaram desde as primeiras experiências humanas até o século XVI. O fim do Renascimento, a vitória da Quaresma, a organização do pensamento científico levaram a Europa à busca dos ideais de perfeição e controle sobre o mundo religiosa, e solidificaram o Ocidente que se cristalizou na vitória tecnológica sobre a natureza. Após a solidificação dos novos princípios religiosos e assunção da predestinação, nada mais interessava. Semelhante ao que ocorrera com a civilização muçulmana, alguns séculos antes. Assumindo que estava predestinado a dominar o mundo e que as nações lhe seriam vassalas, o “novo Israel” se impôs com a religião profana, a religião da ciência, da superioridade sobre todos. Então, o Ocidente não mais aprendeu, como aprendera e se formara na antiguidade cristã e na Alta Idade Média, períodos nos quais não teve pejos de sincretizar os costumes, os deuses. Mas, a partir do período pós Reforma, a Europa não mais aprendeu, apenas expandiu seu modo de viver. A perda da ideia da aceitação do outro, a perda da criatividade é a perda da fé em si mesma. Não sem razão o segunda metade do século XX foi o tempo das crises, crises das quais nada se aprendeu. Mas alguns dos povos que foram dominados pelo Ocidente, aprenderam a ser ocidentais, adaptando-se e recriando o que recebiam. Eles herdarão o Ocidente.

No início dos anos setenta, em um estudo sobre a história, ocorrido em um dos conventos estabelecidos na Primeira Olinda, Eduardo Hoonaert e eu discutíamos sobre isso com cantadores repentistas. Era o tempo em que se discutia a Trilateral, discussão que ocorria fora dos labirintos dos departamentos de história, embora bordejassem as áreas de ciências políticas. Falava-se que haveria de surgir um mundo com três polos: América do Norte, Europa e Ásia. Coisas dos Rockfeller, que provocou o aparecimento de Jimmy Carter na política internacional. Era visto que os EUA (América do Norte) pensaria na questão da segurança; a Alemanha (Europa) cuidaria da questão alimentícia e o Japão (Ásia) ficaria responsável pela tecnologia. O mundo ainda era o da Guerra Fria. Assim a china não aprecia nos esquadros. Mas, em nossa conversa, que possuía uma base teológica, discutia-se que a humanidade esteve sempre olhando para o Oriente, por isso dizíamos ‘orientar-se’, mas desde o Renascimento tudo passou a ser ‘norteado’. Lembramos que até a segunda metade do século XIX, o mundo (ainda que não proclamasse abertamente) sempre olhava para a China, para onde foi levado grande parte do ouro das Minas Gerais, embora a maior parte das pessoas não saibam disso, julgam que tudo ficou na Inglaterra.

Naquela ocasião, Eduardo Hoornaert chamava atenção para o papel que a China iria desempenhar no século XXI. Estamos vendo agora. Não pela maldade da China, mas pela incapacidade do Ocidente enfrentar algo novo, como o Covid-19.

Vamos nos orientar?

Relatório Projeto OLINDA 1817 2017

sábado, abril 28th, 2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILSOSFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

RELATÓRIO DO PROJETO DE EXTENSÃO OLINDA 1817 2017

Prof. Dr. Severino Vicente da Silva

O projeto OLINDA 1817 – 2017 foi apresentado e aprovado pelo Pleno do Departamento de História da UFPE na reunião em novembro de 2016, com os seguintes objetivos:
• Acompanhar alguns aspectos do processo urbano-sócio-cultural do burgo olindense desde o ano de 1817 até 2017, como parte da rememoração de acontecimentos relacionados à chamada Revolução Pernambucana de 1817, também conhecida como a Revolução dos Padres, no dizer de Manuel de Oliveira Lima;
• Promover o intercâmbio de informações entre os estudantes do curso de História da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e partes da população da cidade de Olinda;
• Promover encontros de estudos e troca de experiências entre os alunos do curso de História da UFPE com setores da cidade de Olinda, em reuniões de estudos em diferentes locais de socialização, tais como, instituições culturais, instituições religiosas, clubes sociais, agremiações carnavalescas, etc.;
• Promover ações conjuntas de alunos do curso de História da UFPE e o Arquivo Histórico de Olinda, para localização, organização e seleção de material gráfico – fotos, mapas, plantas, etc. – da cidade de Olinda;
• Confecção de material didático – banners, diapositivos – a serem utilizados nas ações que formarão a realização efetiva do projeto;

O Projeto OLINDA 1817 – 2017 foi realizado em parceria com diversas instituições da cidade de Olinda, citadas a seguir: Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco; Prefeitura Municipal de Olinda; Secretaria de Patrimônio e Cultura de Olinda; Instituto Histórico de Olinda; Confraria de Nossa Senhora dos Homens Pretos de Olinda. Convento de São Francisco de Olinda; Sociedade de Defesa da Cidade Alta – SODECA; Associação Carnavalesca Cariri; Mosteiro de São Bento; Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães – APMAG; Museu Regional de Olinda; Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe.

1. Preparação:
a) Convidamos alunos do curso de História para participar do projeto e recebemos a adesão de oito, e fizemos três reuniões, fomos visitar o Arquivo de Olinda, mas a impossibilidade de conseguirmos bolsas arrefeceu o entusiasmo;
b) Entretanto fizemos uma página no Facebook, https://www.facebook.com/olinda1817/ e nelas nos comunicamos e trocamos algumas informações em torno do tema. A página foi utilizada para informar os eventos realizados.
c) Inicialmente entramos em contato com as entidades para saber de suas disponibilidades e aceitação do projeto, o que ocorreu nos meses de novembro e dezembro de 2016;
d) Discutimos com a equipe do Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães sobre os temas e quais os professores convidaríamos para as palestras;
e) Entramos em contato com a Secretaria de Educação de Olinda para que viesse a se tornar uma parceira, mas não conseguimos ser recebidos pelo secretário de educação e fomos enviados para conversar com a Diretoria de Ensino que nos fez muitas exigências, como fazer várias capacitações para os professores em troca de liberar os alunos para as palestras. Não conseguimos firmar essa parceria;
f) Simultaneamente apresentamos o projeto a professores e especialistas e convidamos professores e especialistas para, graciosamente, palestrassem nos eventos.
2. A abertura do Projeto foi realizada no auditório da Prefeitura Municipal de Olinda, tendo sido proferidas palestras: de Aneide Santana, do Arquivo Municipal Antonino Guimarães; Luiz Beltrão, presidente do Instituto Histórico de Olinda, o Secretário de Patrimônio e Cultura da Prefeitura de Olinda e o professor Severino Vicente da Silva.
3. As palestras foram realizadas mensalmente nos espaços viabilizados por nossos parceiros na seguinte ordem:
MARÇO: OS ACONTECIMENTOS DA REVOLUÇÃO (Solenidade de abertura) Prof. Dr. Severino Vicente da Silva, UFPE. (Departamento de História) Realizada no Auditório da Prefeitura Municipal de Olinda.
ABRIL: O SIGNIFICADO DOS ESTUDOS JURÍDICOS, EM OLINDA SÉC. XIX. Prof. Ms. Luiz Delgado, UFPE. (Curso Jurídico) Local: Colégio de São Bento. Realizada no Auditório do Colégio São Bento.
MAIO: RELAÇÕES COM OS SERTÕES – Olinda e os Cariri: Sertões, seminaristas, comércio e carnaval. Prof. Ms. Plínio Victor (Secretaria de Cultura de Olinda) Local: Associação Carnavalesca Cariri.
JUNHO: O SEMINÁRIO E SUA HERANÇA CULTURAL – Pensamento de Liberdade em Pernambuco desde 1817. Prof. Dr. Caesar sobreira, UFRPE. Local: Instituto Histórico de Olinda
JULHO: AS ARTES EM OLINDA. Prof. Dr. Fernando Guerra, UFPE. (Departamento de Arqueologia). Local: Instituto Histórico de Olinda.
AGOSTO: O COTIDIANO E A TRADIÇÃO – O Cotidiano em Olinda no século XIX. Prof. Dr. Severino Vicente da Silva, UFPE. (Departamento de História). Local: Igreja de São João dos Militares
SETEMBRO: A CONVENÇÃO DE BEBERIBE. Mestre Plinio Victor, (secretaria de Cultura de Olinda), Mestre Aneide Santana (Arquivo Municipal Antonino Guimarães), Prof. Dr. Severino Vicente da Silva (UFPE). Local: Auditória da Prefeitura Municipal de Olinda.
Outubro: EVOLUÇÃO URBANA DA CIDADE. Mestre Alexandre Alves Dias (Arquivo Municipal Antonino Guimarães) e Prof. Flávio Dionísio (Museu Regional de Olinda) Local: Museu Regional de Olinda.
Novembro: A REVOLUÇÃO DA LIBERDADE E OS ESCRAVOS – Escravidão e Liberdade em 1817. Prof. Dr. Marcus Carvalho, UFPE (Departamento de História) Local: Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
4. Para cada um desses encontros foi produzido Powerpoint referente aos temas das palestras, os quais foram expostos com equipamento cedido pelo Arquivo Público Antonino Guimarães.
5. As palestras foram gravadas, e foram decupadas pelo aluno Márcio Nascimento da Silva. As transcrições foram entregues aos palestrantes para que eles reorganizem e as disponham para uma possível publicação.
6. O Projeto foi encerrado com a palestra na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
7. Devemos mencionar que alguns problemas, como viagem de palestrantes, e incompatibilidade de horários, fizeram com que as palestras tivessem ocorridas em horários diferentes, o que impediu a formação de um público permanente; por isso tivemos uma audiência flutuante numericamente, mas pudemos notar que, quando os encontros ocorriam em lugares mais próximos do comum, distante dos ambientes mais tradicionais, a frequência do público foi maior. Assim, as palestras ocorridas em ambientes mais populares, como clubes de carnaval e igrejas, foram as mais concorridas.
8. Chamou atenção o fato de que o comprometimento que ocorre na rede social não se converte em presença física efetiva, o que pode ser explicado pelo fato de muitos que acompanham pela internet estão, fisicamente distantes e impossibilitados de comparecer.
9. A página continua sendo visitada após o término do ciclo de palestras.
10. Foram realizadas fotografias que estão publicadas na página https://www.facebook.com/olinda1817/

Prof. Dr. Severino Vicente da Silva
Olinda, 11 de abril de 2018.

Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães – Olinda

sexta-feira, dezembro 1st, 2017

Andar em Olinda, penso que é o mesmo em todas as cidades, é acompanhar o movimento da vida, diversos momentos de tempo e emoções em um mesmo momento. Andar em uma rua e, de repente auxiliar a recolher cédulas de dois reais que um vendedor de loterias, descuidado, não notou o vento que vinha do oceano, viu escapar de suas mãos em direção da avenida em trânsito das 10 horas da manhã. Acontecimento fugaz que fará parte de algumas conversações do dia em algumas das residências ou bares dos subúrbios da cidade, os subúrbios mais pobres, aqueles habitados por gente que anda com as importantes cédulas dois reais nos bolsos. Esse acontecimento dificilmente fará parte dos documentos que estão guardados no Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães, da cidade de Olinda.

Lugar comum dizer que o Brasil, país de fraco cultivo da sua memória, não tem uma política de Arquivo, uma política para guardar cientificamente a sua memória, a memória pública que é construída por todos. No Brasil, os arquivos são como cédulas de dois reais, são muitos os que dela necessitam, são muitos os que andam com elas nas carteiras, e são muitos que deles necessitam para comprovar que são alguém, que são possuidores disso ou daquilo, que são herdeiros de pedaços das cidades. Mas as cidades não cuidam dos arquivos. São poucas as cidade que têm organizados os documentos que interessam aos seus cidadãos.

Ir a Arquivos é uma devoção dos historiadores, ao menos deveria ser. E os devotos cuidam de seus santuários. Historiadores raramente são convidados a opinar sobre arquivos de suas cidades; quase nunca estão à frente dos arquivos existentes, pois eles, quando existem, são moedas de dois reais, de pouco valor para o mundo dos políticos, mas são usadas para acarinhar este ou aquele aliado ainda insatisfeito no butim do estado. Os arquivos públicos são moedas de troca, mas estão sempre entre as menos valorizadas, daí que não haja verbas para eles e, então, não há interesse por eles. Mas são mantidos enquanto não morrerem de inanição.

Este ano de 2017, quando comemoramos o bicentenário da revolução que pretendeu acabar com os privilégios, tornei-me frequentador do Arquivo Público de Olinda, especialmente por conta de um projeto de extensão universitária. Levei alunos para conhecer o Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães; revi amigos, fiz pesquisas e descobri que o Arquivo não está morto, mas está sendo morto. Criado a cerca de trinta anos, atualmente o arquivo conta com três funcionários de carreira, dois comissionados e um exército de cupins ameaçando as paredes rachadas e o piso carente de maiores cuidados. Embora a atual administração tenha posto um olho no arquivo, cuidou da pintura externa e encontrou um funcionário da zeladoria para limpar o jardim ( o que estava sendo feito por funcionários historiadores/arquivistas) não atentou que é necessário fazer concurso para suprir os funcionários que estão em véspera de aposentadoria pois, eles estão desejosos de transmitir aos novos funcionários as informações necessárias para que a população olindense continue a receber os benefícios que um arquivo produz.

A primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Mundial, de Patrimônio Cultural, cidade reconhecida pela nação e pela ONU através da Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura não pode matar por afixia e desnutrição o Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães.

Severino Vicente da Silva – Biu Vicente, é Professor Associado do Departamento de História da UFPE

O mundo não acabou: nem o de Plínio Victor, o de Murilo Mellins, nem o meu.

domingo, novembro 19th, 2017

O domingo acordou alegre com um sol quente convidando a uma praia que, passou pela cabeça, mas passou tão rápido quanto essa brisa que vem da orla olindense, 3 quilômetros à minha frente. Começo a imaginar e planejar o meu dia, sem o camarão e a ostra que irão à praia sem mim. Outros glutões dominicais terão essa recompensa. Abro o computador e vou verificar se há algum recado, o que pensam alguns amigos e o que alguns disseram do que eu pensei e publiquei antes de hoje. Então tenho uma surpresa: Plínio Victor informa que, alguma instituição informa que o fim do mundo teria sido transferido para o dia 19 de novembro de 2017, que é hoje. É preocupante, pois isso vai estragar todo o planejamento, inclusive os planos de aula que estou pensando para o próximo semestre, e pior ainda, é que eu havia prometido ir à Praça do Carmo para que Isaac possa experimentar a bicicleta que comprei para ele. Como agora já passa das quatorze horas, parece que vão fazer um novo comunicado, nos informando o adiamento e as razões para mais esta frustração. Espero que Plínio, historiador e arqueólgo, garimpe também essa informação para que nos tranquilizemos e possammos continuar a educar nossos filhos e nos educarmos um pouco mais. Especialmente nos quesitos de ser honestos com as coisas públicas e mantermos as amizades, pois sem elas é o fim do mundo.

Enquanto o mundo não acaba, entre uma atividade e outra folheei um belo livro que Claudfranlklin enviou-me desde Lagarto, uma continuação de uma conversa que mantive, copo de uísque na mão, com Murilo Melins. Primeiro contato na Academia Sergipana de Letras. Nossa conversa foi sobre nossas memórias e a dos outros. Murilo escreveu o livro ARACAU PITORESCO E LENDÁRIO, publicado pela empresa Gráfica da Bahia, no ano de 2015. Resultado de coisas que ele viu, coisas que ouviu e coisas que leu nos jornais aracaujenses desde o inpicio do século XX até “os dias que valem a pena serem lembrados”. Uma delícia para os sergipanos e uma apresentação para quem, como eu, vai esporadicamente a Sergipe. Murilo Melins nos põe em contato com a boemia e com a seriedade, com a juventude pretérita, tão irreverente como a de hoje, com o decoro que o tempo permitia. Transcrevo a página 193.

“As mulheres, ou melhor, as esposas julgam também de seu direito de julgar: assim é que, nas mais diversas modalidades do seu vier, ellas consideram os maridos como as diversas coisas com que lidam:
A negociante julga o seu marido a uma factura paga;
A caixeira – uma caixa vazia;
A médica – um doente desenganado;
A Dentista – um dente obturado;
A bacharela – uma execução de sentença in fine;
A agricultura – um terreno que já produziu;
A operária – um salário pago;
A costureira – um vestido que não suporta mais remonte;
A professora – um Quincas;
A telegraphista – um telegrama retido;
A jornalista – um original archivado.

Bem, se vocês lerem essas brincadeiras dos anos 1930, saibam que o mundo não acabou e que aquela era um sociedade machista e sem a doutrina do politicamente correto nas redações.
E citando D. Côrtes, Murilo vem vem com esses versinhos:

Menina da saia curta – Olhe a Atalaia
Saltadeira de riacho – Olhe a atalia
Trepe naquele coqueiro
E bote dois cocos a baixo.

Obrigado Murilo Melins, pela sua memória, por sua pesquisa que mantém Aracaju viva, como Mario Sette fez com Recife de antigamente.

Duzentos anos de uma republica em uma monarquia.

quarta-feira, março 1st, 2017

Chegamos a março de 2017 e a Revolução Pernambucana tornar-se-á bicentenária. Necessário se faz promover a rememoração daqueles eventos tão importantes na história dos pernambucanos e dos brasileiros. Foi uma revolta contra aumentos de impostos definidos pela Corte do Reino do Brasil, sediada no Rio de Janeiro, quase todo aproveitado para melhoria da capital, em prejuízo para as províncias, especialmente as do Norte. Pernambuco em 1817 não se levantou contra o Império Colonial Português, uma vez que, desde 16 de dezembro de 1816 o Estado do Brasil foi, por decreto do príncipe regente, Dom João, posto na condição de Reino, em igual situação à Portugal e Algarves. O Brasil tornava-se Reino sob o comando de Dom João, e centro da Monarquia luso-brasileira.
Erram em muito os manuais e livros de História do Brasil em considerar o movimento iniciado em 6 de março de 1817 como sendo uma “rebelião colonial” igualando-o aos justos movimentos ocorridos em Minas Gerais (1789) e Bahia (1798). A conjuntura local e europeia havia mudado substancialmente desde os eventos franceses da Assembleia dos Estados Gerais, que se transmudou em Assembleia Constituinte que veio a pôr um final ao absolutismo dos Bourbon.
Doutra feita, a Revolução fez aparecer o general Napoleão Bonaparte que se fez Imperador dos Franceses e, com sua política de anexação dos Estados, forçou a transferência da monarquia portuguesa para sua colônia na América. O Império napoleônico não durou tanto e, o processo de Restauração das Monarquias europeias abriu possibilidades para que o Regente Dom João pusesse fim ao período colonial, tornando o Brasil um Reino que foi acolhido como tal na sociedade das nações. As celebrações comemorativas da Revolução de 1817 devem enfatizar os aspecto acima explicitado e, ao mesmo tempo, aproximar tal orientação aos brasileiros em geral e especialmente aos pernambucanos.
Este Projeto justifica-se quando propõe que futuros historiadores e professores de história debrucem-se sobre aqueles acontecimentos e, ultrapassando os limites do tempo da luta e da repressão, vejam, estudem e analisem qual foi e qual tem sido a percussão e manutenção dos ideais daquele movimento e dos seus autores, observando as maneiras de como a sociedade olindense os guardou, conservou, viveu e os vive atualmente. É para alcançar os objetivos acima mencionados que as ações desse projeto serão realizadas no seio de algumas comunidades que formam a cidade de Olinda. A realização deste projeto carece da ação da Universidade, pois ao realiza-lo estaremos em contato com a mais antiga tradição da Universidade Federal de Pernambuco, a Escola de Estudos Jurídicos de Olinda. E, nos esforçaremos a pensar como Olinda, sede do Seminário de onde brotou a liderança da Revolução que agora completa duas centúrias e mostrou, com o sangue dos Patriotas, o caminho da Independência.

Nesta Segunda feira daremos início a uma série de palestras enfatizando a permanência, ou não permanência, da Revolução de 1817 nos espaços de Olinda, ao mesmo tempo, veremos como cresceu Olinda e como reagimos à memória de tão memomrável REvolução.

Pátio de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Olinda

sexta-feira, janeiro 13th, 2017

Terminei a leitura de ADROS, PÁTIOS E PRAÇAS PÚBLICAS, de autoria de Fernando Guerra de Souza, professor de História da Arte no Departamento de Arqueologia da UFPE, uma publicação do Centro de Estudos de História Municipal – CEHM, desta cidade do Recife. Sua leitura nos convida a percorrer os muitos espaços de sociabilidade criados ao longo da trajetória humana, mais especificamente a tradição greco-romana e europeia, matriz dominante de nossas cidades. É um percurso que nos apresenta, com elegância, os pontos básicos para a compreensão das transformações dos espaços de acordo com as necessidades sociais, e assim fazemos uma pequena arqueologia dos Adros, Praças e Pátios que encontramos no Estado de Pernambuco, mas sempre relacionando-os com a grande tradição que nos envolve. Belas fotos relacionadas com o texto e aos espaços mencionados, sejam eles espaços nascidos no atendimento de necessidades religiosas sejam aqueles espaços crescido a partir das atividades seculares.

No livro do professor Fernando Guerra de Souza não poderia deixar de ter papel de protagonismo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Olinda, caminhando para o quarto centenário, a primeira igreja dedicada à Senhora do Rosário no Brasil. Nós sabemos que o Brasil é formado desse amalgama ameríndio-afro-europeu, não apenas na composição biogenética da população, mas, principalmente cultural. Ao dizer cultural, sabemos o quanto as religiões foram importantes na organização das múltiplas culturas e civilizações geradas no constante processo de mudanças da vida humana, e no caso brasileiro, isso parece tão óbvio! Mas, o que é interessante é que, no Brasil as religiões inicialmente se afirmaram sem o concurso dos sacerdotes. Certo que ocorreu a matança física e cultural dos pajés e lideranças religiosas das selvas, mas a religiosidade se manteve e também se firmou no Brasil inventando novos sacerdotes que, sabiamente juntaram valores e símbolos das religiões que vieram da Europa e da África. E essas religiões chegaram aqui e se organizaram antes que seus respectivos sacerdotes estabelecessem.

As religiões, os deuses, estão no coração dos homens e se despejam nos lugares onde eles vivem. Foram os mercadores e marinheiros os primeiros evangelizadores cristãos. Tomemos o caso dos franciscanos, foi uma terceira que deu as terras para os frades quando eles chegaram; no Recife, os pescadores criaram a Igreja de SanTelmo antes da criação da paróquia de Pedro Gonçalves. Para usar um termo da teologia cristã protestante, eles estavam exercendo o sacerdócio universal. Assim foi o caminho percorrido pelo catolicismo: primeiro o católico comum, depois vem o padre para organizar. Podemos dizer o mesmo das religiões que vieram da África, não foram os babalorixás e as Orixalás que criaram os cultos, os cultos os criaram para atender a necessidade. E como não havia uma autoridade explícita que definisse a ‘ortodoxia’, ocorreu a mestiçagem também nas religiões, o sincretismo ameríndio-afro-europeu que pode ser visto em qualquer templo das muitas religiões que são praticadas no Brasil. Evidentemente que a religião dos europeus teve uma dominância sobre as demais, entretanto, jamais as outras deixaram de estar presentes e influentes na vida social. Mesmo os escravos, acolhidos no mundo católico, puderam organizar seu espaço nesse novo universo que lhe foi dado, pois, segundo a doutrina, todos são livres no amor de Deus, organizaram-se em confraria, tiveram a permissão para construírem seus templos e cultuarem a Virgem do Rosário, São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia e todos os santos. Assim, os seus senhores evitavam de os encontrar em seus momentos de liberdade, quando estavam aos pés da Senhora do Rosário. Assim entendemos o porquê de serem tantos os afilhados de Nossa Senhora da Conceição.

Construtores das igrejas das outras irmandades, construíram a sua, resultado de seu labor e dos irmãos libertos que, reunidos conseguiam a alforria, a liberdade dos irmãos escravizados pelos homens. As irmandades dos Homens Pretos são a afirmação do trabalho, do sonho e da sua realização. O momento do culto, seja o culto interno na Igreja, seja o culto público nas procissões. A honra de carregar o andor de nossa Senhora do Rosário, ou o andor de São Benedito ou de Santa Efigênia nos ombros cansados do corte da da cana ou do calor das caldeiras, é afirmação da liberdade, ainda que no campo espiritual. Como ouvimos dizer, às vezes dizemos nós, “estar aos pés de Nossa Senhora é o céu na terra”.

Por tudo isso é que nos custa a acreditar que, na arquidiocese que recentemente foi pastoreada por Dom Helder Câmara, já considerada um Herói da Fé, a Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos esteja sendo ameaçada pelo bispo que deveria cuidar dos direitos daqueles que, faz quatrocentos anos, cuidam do orago dedicado à Mãe de Cristo, ali, onde nenhum homem branco quis morar, pois era fora da cidade, mas hoje é considerado centro histórico de Olinda. E, no entanto é lugar dos pobres e os pobres são a preferência de Jesus, o Filho de Maria.