Archive for the ‘Covid-19’ Category

Drama 17 – onde está a solidariedade?

segunda-feira, julho 27th, 2020

Antes que julho termine o Brasil contará noventa mil mortos pela Covid 19. É um número alarmante. São muitas as cidades brasileiras que não alcançam esse número de habitantes. Ainda morrem cerca de mil brasileiros diariamente, e tal montante não parece influir no comportamento dos brasileiros, nem na inteligência dos que governam o país. O que nos ocorre? Porque tal situação e comportamento crescem fecundamente em uma nação, em um povo a quem se atribui hospitalidade, alegria, cordialidade e tantas virtudes cantadas, por estrangeiros que nos visitam e por muitos de nós. Gonçalves Dias, vivendo na Europa, escreveu afirmando que “as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. As aves europeias gorjeiam diferente, sem a tropicalidade fulgurante, sem a verdura exuberante das florestas, como afirmava o escritor de Porque me ufano do meu país, o conde Afonso Celso. Mas, algo acontece que nos impede a vencer a pandemia Covid 19, já sob controle em muitas regiões do mundo, seja no Oriente edulcorado por alguns, seja no Ocidente europeu, destratado por outros. Mas, na América, o novo continente, não se encontrou o caminho para conviver com o vírus biológico do século XXI.

Sabe-se, hoje, que na Itália há regiões com índice zero de coronavírus 19. Na Úmbria, ali na Itália, hoje é zero de Covid 19. Seriedade, disposição para cumprir o fechamento das cidades, a circulação das pessoas, tudo isso levou a esse resultado. Devemos considerar alguns pontos para entendermos tal sucesso: lideranças políticas e morais dignas de merecerem a confiança do povo. Um prefeito que admite o erro e pede desculpas à população por ter colocado interesses econômicos além do valor da vida humana; a presença inspiradora de um líder religioso comprometido com a vida humana, entendo-a sagrada, pondo-se humildemente a serviço do seu povo, ajoelhando-se solitário e solidário com a humanidade, rogando forças para vencer a adversidade. E, principalmente, o espírito de solidariedade dos italianos, superando os desejos privados e egoístas por entender que civilização só é possível com a compreensão de que nada se constrói sozinho, que só agindo como uma unidade é que se encontra forças para vencer, até mesmo sem as drogas milagrosas e as vacinas, força tão terrível da natureza. A Itália e outras regiões do continente europeu venceram o desafio por agirem solidariamente, as nações e os cidadãos. Semelhante vimos acontecer no Oriente, cultivador de tradições que a todos unem, acima dos sofrimentos a que são submetidos ao longo dos séculos. Só se pode vencer o vírus físico se houver, além dos anticorpos naturais, os anticorpos sociais da solidariedade, da compreensão, do comprometimento, ainda que pequeno, com toda a sociedade.

E então, ao nos voltarmos para o continente americano, observamos uma sociedade voltada para o mito do self made man, prefigurado em personagens vividos, na tela, por John Wayne, aqueles que tudo resolvem por sua vontade, coragem pessoal. E seus armamentos aliados a uma religião civil fundamentalista, aliada à leituras fundamentalistas dos textos bíblicos, que produziu um cristianismo impermeável aos sentimentos humanitários, capaz de lutar contra o cristianismo que fundamentou a civilização Ocidental no que há de melhor e no que a diferencia. O fundamentalismo cristão, o tão louvado espírito do capitalismo, impedem a solidariedade, promovem o assassinato público dos cidadãos de cor, e tem como lema a ideia de que tem que estar acima de todos, como a loucura própria dos nazistas, seguidores do Minha Luta, e que mostrou o vírus da imoralidade, ou amoralidade, nos campos de concentração nazista. Na Rússia os números são altos, mas teme-se que o governo russo esconda dados. É a tradição mantida pelo novo Czar.

No Brasil, que é o tema inicial dessa nossa conversa, observamos que não tivemos liderança nacional, nem civil nem religiosa. Os religiosos quando se pronunciaram, herdeiros do Evangelical Belt norteamericano, foi no sentido de que “Deus salva os seus” e que basta a fé para evitar o Coronavírus. Hoje alguns de seus membros ocupam pastas ministeriais, no governo federal. Os líderes católicos preferiram, parece, lavar as mãos, tiveram medo de comprometer-se, agiram como agiam os bispos antes da CNBB. Isso permitiu que alguns padres estrelados e famosos fossem mendigar ajuda ao césar, e alguns outros saírem em defesa do uso de armas. Que diriam Dom Luciano Mendes, Dom Hélder Câmara, Dom Evaristo Arns? Só agora, após 80.000 mortes, vai sair um documento coletivo. Não houve uma voz das religiões conclamando à solidariedade, salvo exceções que não receberam apoio de seus grupos. Ficamos entregues à sanha de um líder que sonha com o povo (seus seguidores) armado para tornar mais fácil um golpe de estado, como disse em reunião ministerial de 22 de abril. Só nos resta esperar que o “espírito de 76” anime os norte-americanos a derrotar o que de pior sua cultura produziu, assim, quem sabe, derrotaremos, ou afastaremos da cena, o que de pior foi produzido no Brasil no século XX.

Quanto à trajetória da Europa na luta contra a Covid 19, é como dizia o poeta: As Aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá.  

Drama 16 – As pestes melhoram os seres humanos?

quinta-feira, julho 9th, 2020

Drama 16 – As pestes melhoram os seres humanos?

Vivemos momentos difíceis que nos confrontam enquanto sujeitos e enquanto sociedade. Esta não é a primeira vez que a humanidade enfrenta pandemias; no passado o mundo era menor, Gilgamesh e Noé venceram o dilúvio e, o que era entendido como “mundo”, sobreviveu. O Egito sobreviveu às pragas, e sofreu, até que o faraó sentiu a dor com a morte do filho. Há sempre o sacrifício de um filho para que o mundo sobreviva. Boccaccio assistiu sua cidade morrer e viver uma peste enquanto contava histórias. Algum tempo depois as populações Inca, Maia, Asteca, Tupi, Aruaque e muitas outras foram dizimadas por doenças que não conheciam, além de terem travado conhecimento com a pólvora. Carlos II aproveitou a passagem da peste por Londres para modernizá-la. Depois veio o reino da ciência e, em velocidade crescente, a humanidade foi estreitando os laços e os limites geográficos do mundo. Estamos vivendo uma verdadeira pandemia que atinge todos os quadrantes do globo simultaneamente, e vai ficando quase uma companheira permanente, apesar de sabermos que já poderíamos tê-la dominado, enquanto estudaríamos para inventar, descobri a vacina, essa solução dos tempos modernos. Bastaria apenas lavar as mãos com água e sabão, passar um tempo em casa, usar máscara protetora quando precisasse sair. Mas descobrimos que esses benefícios sociais não foram postos ao acesso de todos; como no tempo do faraó, o conforto é assegurado a uns poucos.  

Sabemos que, como dizem os insensatos que ocupam posição de governo, sempre morrem alguns em situações como essa que estamos a viver, mas, ainda assim, haverá sobreviventes suficientes para continuar o processo de construção do que agora estão apelidando de ‘novo normal’. Mais ou menos assim dizia Carlos II no século XVII, em seu castelo. No seu tempo não havia grande parte do conhecimento que desde então produzimos e acumulamos. Aliás, Carlos Stuart II costumava dizer que as pestes servem para melhorar a humanidade. Assim pensam muitos que escrevem nas redes sociais, pois creem que o sofrimento fará melhorar o comportamento moral de nossa sociedade, tão impessoal, tão individualista, tão pouco solidária. O que temos notícia é de uma melhor organização de recolhimento de coisas a serem distribuídas para os mais necessitados, o que é muito bom. Em verdade, essas ações beneméritas, caritativas ou solidárias já ocorriam antes da Covid 19, em momentos especiais do ano, como as festas natalinas, o início de um novo ano, no dia das crianças, etc.. Agora aumentou o número de pessoas que assim agem, ou as emissoras de televisão resolveram amplificar a audiência para essas ações.

Sairemos melhores, após esses dias que não consumimos filas de restaurantes, Filas de ônibus, filas de cinema, e muitas outras filas? Sairemos melhores após três meses sem irmos à praia, ao campo de futebol, às academias para cuidar dos corpos a serem elogiados e invejados pelos que não cultivam esses hábitos? Sairemos mais espiritualizados após esse período afastados dos garçons, mas sempre com um motoboy que nos traz pizza ou outros alimentos que mandamos preparar nos restaurantes aos quais não podemos ir? Se não nos alimentamos como antes, no período pandêmico, não fizemos penitências nem jejum, o que fizemos não foi escolha pessoal, mas imposição das autoridades. Aliás, fizemos o possível para não nos abstermos de nada, ainda que isso custasse uma maior exploração dos invisíveis trabalhadores transportadores de alimentos. Em que esse sacrifício nos fará melhores?

Ah! sim, a pandemia serviu também para que os governos descobrissem os indivíduos invisíveis, esses que não tinham emprego nem renda para atravessar o tempo da peste. Não imaginavam que eram tantos, apesar de estarem nas ruas. Bem, estavam distantes das ruas onde moram os grandes empregadores, os que fazem as leis. Foi uma surpresa notar que há tantas pessoas em situação de miséria, que vão morrer, que estão morrendo, que morreram, porque não tinham água em casa, no lugar onde moravam. Sendo que alguns nem casa têm. O ‘banco social’ ficou surpreso com tanta gente nas portas de suas agências. Como fazer para que essas pessoas não morram de fome? O governo, forçado pelas circunstâncias, viu-se obrigado a criar um “auxílio emergência”. Emergência, dizem os dicionários, é algo que deve ser atendido imediatamente para que seja evitada uma situação terminal. Pois bem, o banco social encontrou um meio de atrasar em dois ou três meses a entrega do  “auxílio emergencial”. Depois descobriu-se que mais de 600 mil pessoas empregadas e em boa situação econômica solicitaram e receberam o auxílio emergencial que seria para os que estavam, ou estão, em situação de emergência.

Estamos vivendo uma crise sanitária, mas não temos ministro da saúde; não temos ministro da educação. Em compensação temos um presidente, aposentado precocemente do exército por não ser bom soldado, que não respeita as leis do país, e que pratica o charlatanismo médico, prescrevendo medicamentos para a população. A rede social Facebook, forçada pelos grandes capitalistas, saiu em  busca de páginas que publicam mentiras e promovam o ódio e, para espanto de todos, algumas dessas páginas eram criadas em computadores da presidência da república, em gabinetes de senador e deputados. Sairemos melhores dessa pandemia, dessa situação de quase anomia social?

Alguns dos isolados socialmente saíram para beber e farrear nas noites cariocas e outras noites. Assistimos que saíram de seus locais de isolamento dispostos a não obedecer qualquer regra, mas estavam sedentos para dizer quem são e humilhar, destratar os fiscais, trabalhadores a serviço da sociedade, explicitando o ódio que cultivam pela humanidade. Saíram melhores? Bobagem pensar que o sofrimento alheio melhora a quem só cuida de si, e vive da vida dos demais.  

Cassandra e Boccaccio

sexta-feira, julho 3rd, 2020

A cada da seu custo, aprendemos, sem jamais aprender que o futuro só é vivido quando for presente, por isso somos tão pré ocupados com o que virá. E do virá, apenas algumas pequenas certezas que se farão reais, não saberemos como nem quando: a morte nos chegará e tudo que é feito escondido um dia será do conhecimento geral. É o que assistimos e verificamos a cada dia. Quantas programações suspensas neste ano porque apareceu a natureza, aliada à esperteza humana, na forma de um vírus que se tornou pandêmico. E isso não ocorreu apenas, como desejam alguns, pelo interesse de algum país, embora interesses de grupos sempre existiram nas epidemias do passado. Foi o interesse de um chefe guerreiro, perdido no seu intento de dominar uma cidade, que deu início à disseminação da cólera durante a Idade Média, ao bombardear uma cidade com os cadáveres. O movimento dos comerciantes, dos peregrinos (os turistas da época), dos soldados completaram o serviço. Milhares morreram, as economias mudaram, as crenças foram abaladas e, como dizem os livros sagrados, viu-se que nada é seguro. Entretanto, não aprendemos que o resultados de nossos atos, os mais simples e escondidos, afetam e cambiam os projetos, criando resultados impensáveis. O futuro jamais é como o pensamos. O pensamento de alguns visionários observadores podem nos apontar algumas das consequências de nossas ações, mas isso não significa que os que sonham dominar o futuro, por julgar seus muros invencíveis, levarão em conta o que disse Cassandra.

Todo o ano de 2020 está marcado pela pandemia do Covid 19, talvez o século XXI venha a ser conhecido, no futuro, pelo século da pandemia, semelhante ao século XIII, famoso pela Peste Negra. Mas devemos dizer talvez. Bem antes do Novo Coronavírus, parece que é o terceiro da dinastia, as forças políticas mundiais estavam em processo de renovação, quer dizer, as lideranças começavam a ser reorganizadas. Evidentemente nenhuma das nações que dominaram os século XXVIII ao XX, pareciam capazes de enfrentar as novidades que elas haviam criado.  Enquanto os literatos e cineastas europeus dedicavam-se a dissecar as angústias e a futilidade da vida entediada dos ricos que os levaram às trincheiras de 1919, e diziam, entre alegria e saudade que Deus havia morrido e as igrejas eram seu túmulo, o Novo Continente crescia em sucessivos avanços, vencendo pequenos obstáculos, mas firmes em direção à Nagasaki, insatisfeitos com a Hiroshima. Novas vitórias para o espetáculo colorido e de incessante movimento. Sem deuses a quem sacrificar, o século cultuou-se e visitava-se na multiplicidade de disneylandias que substituíram Jerusalém, Roma, Compostela, que não mais eram lugares de oração e adoração, mas uma experiência a ser vivida e contada em livros de memória e fotos ou filmes. E o movimento dos turistas, comerciantes, religiosos, vendedores da fé viu-se obrigado ao isolamento social. Na quarentena há que se perguntar: De quantos Boccaccio, carecemos, pois Cassandra não morreu em Tróia, se é que morreu.

Drama 14 – Não consigo respirar

domingo, junho 28th, 2020

“Não consigo Respirar”, Uma frase simples, dita por um homem simples, prostrado em uma rua, quando estava sendo sufocado pela pressão de um joelho, com o rosto preso ao asfalto. Por não poder respirar, morreu. O fato ocorreu durante uma pandemia que está a matar milhões em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos da América do Norte, onde o fato ocorreu. É a pandemia do vírus Corona, uma nova versão do Corona que percorreu mundo duas vezes neste século, que foi apelidada de Covid -19, ataca os pulmões, dificultando a respiração daquele que foi tocado por esse invisível companheiro que pode leva à morte. Um policial não é um vírus, mas, se não for bem treinado e educado moralmente, pode deixar parte da população sem respirar, temerosa de sua ação. Algumas pessoas só conseguem entender a possibilidade da morte quando ela chega bem próxima, mas para os mais ricos e os que, em nosso tempo, podem pagar os médicos e os remédios por eles ministrados, a morte é uma visita rara, assim como é a visita da polícia. Aliás, quando a polícia tem que interferir em suas vidas, ela deve seguir tantos protocolos, que é quase impossível que lhes toquem. E se o fizerem, terão outros policiais ao seu encalço. Assim é o mundo no qual vivemos, especialmente em nossa República; nela o presidente interfere em todos os níveis para garantir que a sua prole e a sua riqueza tornem-se intangíveis. Tal situação não ocorre com as populações pobres, do mundo inteiro, elas suspendem a respiração quando um policial se aproxima. A partir daí tudo fica incerto.

No Brasil da Pandemia do Covid -19. Já morreram mais de cinquenta mil pessoas. Pobres e ricas, mas sabemos que os mais pobres mortos são em números bem maiores que o número dos ricos que morreram. Aos pobres falta assistência médica, moram em lugares onde não chega água, não tem escola para todos os meninos, meninas, rapazes, moças. Os médicos não chegam aos ambulatórios que por ventura existam nesses lugares. Afinal não estudaram seis ou sete anos para subir morros ou ir viver em cidades do interior do Brasil que não possuem internet, nem bares ou boates elegantes. Não foi para isso que eles gastaram os anos de sua juventude frequentando universidade pública, paga pelos impostos tirados exatamente do trabalho dessas pessoas que moram nesses lugares distantes da “civilização”. Não, sem esses confortos esses médicos não poderão respirar, como se prova por sua ausência no que costumo chamar de Brasil Profundo, repetindo o que aprendi de Jarbas Maciel, um dos meus mais queridos professores.

Como o Covid -19 atinge os pulmões, este ano não houve a queima das fogueiras em homenagem aos santos Antônio, João e Pedro. As moças não precisam mais de Santo Antônio para encontrar um marido (será que alguém ainda quer?) pois algum aplicativo apontará alguém para o próximo (?) final de semana. Tivemos menos fumaça, não houve fogos para acordar São João do Carneirinho, e este ano não se fizera compadres e comadres de fogueira. Hoje, as viúvas não acenderam fogueira ao seu protetor, São Pedro, hoje mais conhecido como primeiro papa. Sim, São Pedro intercedeu a jesus por sua sogra, uma mulher sem companheiro que lhe protegesse. Com a Previdência Social, esperava-se que as viúvas tivessem mais proteção do estado, dependessem menos de suas orações a São Pedro, mas neste Brasil, viúva garantida, só se for de militar, que não tem filha para casar, pois se casar perde os cuidados que o Estado deveria conceder às viúvas dos trabalhadores mortos em serviço ou, depois do trabalho se encontrarem algum policial brigado com o chefe, com a mulher ou de cota atrasada com a milícia. O jornal O Globo de hoje (28/06) informa que o número de mortos pela polícia cresceu 26% durante a pandemia. Talvez os policiais estejam esperando um comenda encomendada pela família presidencial.

Ao contar 50.000 mortos pelo Covid 19, o presidente do Brasil convidou um sanfoneiro limitado para uma Ave Maria, querendo homenagear os mortos. Foi seu primeiro suspiro de solidariedade. O sanfoneiro era limitado, cantava mal e Nossa Senhora ouviu porque ela é a Mãe da Misericórdia. E precisamos dela como Advogada nossa contra o mal que atinge o Brasil a partir dos palácios e casernas.  

É possível o Corpus Christi no isolamento social?

quinta-feira, junho 11th, 2020

Drama 12

Desde 16 março estou em quarentena determinada pelo governo do Estado e pela ideia de que devo evitar a contaminação viral do Covid19. Aproveito o tempo para aprofundar o relacionamento com filhos e esposa, mas também com amigos, conhecidos e desconhecidos que, eventualmente acessam o www.biuvicente.com , e também par refazer algumas leituras, pesquisar textos que nos concedem através dessa maravilha que é a rede internacional de computadores. Com ela o isolamento deixa de ser social para ser apenas distanciamento físico. Neste isolamento temos a possibilidade de conversar com o mundo e sair do isolamento.

Creio que foi no final dos anos sessenta que o tema de redação de um dos vestibulares de uma universidade foi “Homem algum é uma ilha”, título do livro do monge Thomas Merton, tomado de empréstimo à obra de John Donne. Nesse livro, publicado pela primeira vez em 1955, o monge trapista trata de muitos assuntos sociais que eram vividos naquela época. Apontava ser impossível alguém viver sem tocado pelos dramas vividos pelos outros seres humanos, que a nenhum humano era dado o direito de escusar-se de participar da solução dos problemas que infligem a humanidade, pois não há uma solução apenas para o indivíduo, o indivíduo só terá solvido seu problema se todos os demais forem alcançados nessa solução. Sempre me encantou como um monge trapista, isolado em seu mosteiro, pode influenciar tanto uma ou mais gerações. Tive a felicidade de passar quinze dias do ano de 1972, na abadia Nossa Senhora de Getsemani, no Kentucky, Estados Unidos da América do Norte. inclusive conhecer a sua ermida, mais isolada no bosque. E foi naquele isolamento que Thomas Merton refletiu, escreveu e conversou com o mundo sobre os problemas sociais que, infelizmente, não conseguimos resolver. E isso em uma época anterior à esse acúmulo de meios que hoje temos para nos comunicar com o mundo, com as pessoas.

Então recebo de João Paulo Lucena, em meu isolamento, a pergunta se não escreveria algum texto sobre o Corpus Christi, uma festa que os católicos celebram desde o século XIII, a partir da região que hoje é Bélgica. Esta é uma festa da Eucaristia, uma celebração na qual os católicos refletem sobre a doação da vida. Não é apenas uma adoração estática, mas a verdadeira adoração é cuidar para que todos tenham o pão. A festa de Corpus Christi lembra que nenhum homem é uma ilha, pois o católico sabe que ele é convidado para ser um com todos, na grande eucaristia, que divide o pão e o vinho, divide as riqueza para que nada falte a nenhum dos seus semelhantes.

Interessante é que Thomas Merton decidiu ser católico após assistir uma missa na Igreja do Corpo de Cristo, próxima do campus da Universidade de Columbia, onde então era professor; na mesma igreja foi batizado e comungou pela primeira vez. Estava com 24 anos de idade, no ano de 1938. Em 1941 foi aceito para viver na Abadia de Getsemani, e em 1949 recebeu a ordem sacerdotal. Enquanto fazia suas tarefas na abadia, Merton usava as duas horas de repouso para escrever, escreveu mais de sessenta livros sobre direitos humanos, espiritualidade, armas nucleares, pacifista lutou contra a guerra do Vietnam, diálogos com a diversas religiões. Viveu até 10 de dezembro de 1968, na Tailândia, onde participava de uma ação com monges budistas.

Neste isolamento social, cabe ficar atento aos que provocam cisão entre os homens, cuidam de destruir o pouco de humanidade que temos construído, agir para que formemos um corpo saudável, uma sociedade que volta-se para a construção da igualdade, da justiça, da compaixão.

Escravidão e a dificuldade de assumir o isolamento social.

quinta-feira, abril 30th, 2020

Aquele que lutou a grande batalha contra o trabalho escravo no Brasil, Joaquim Nabuco, escreveu que a escravidão cria uma sociedade em que uma parte não trabalha, apenas manda, e outra parte que apenas obedece, mas que obedece sob chibata. Uma sociedade gestada com base na escravidão de seres humanos, um processo de desumanização, dificilmente será uma sociedade livre, capaz de gerir-se e respeitar-se. Os que se alimentam do trabalho dos outros, não valorizam o trabalho, nem aqueles que trabalham;  aqueles que trabalham e não conseguem usufruir daquilo que o seu trabalho produz, percebem-se como nada, como ninguém, e são levados a confundir migalhas de alimentos e liberdade com a plenitude dos bens a que têm direito. E, o que é terrível, os povos que foram gestados na escravidão confundem falsa dádivas como direito.

É por não perceber o outro como sujeito que os senhores de escravos, os originais ou seus descendentes, não conseguem valorizar a vida dos demais membros da sociedade, ou melhor, entendem que eles, apenas eles, é que fazem a sociedade. Daí o descaso da vida dos outros, daí o “ e daí?”.

Não valorizar a vida, é o mesmo que não valorizar a vida dos outros. Na medida que  se desconhece o valor do outro, da sua dor, dos seus sentimentos, cri-se o espaço para não perceber a sua existência e, se eles não existem, não há porque preocupar-se com eles, com o que lhes aconteça e, este comportamento está  condenado, dito como errado desde o início da tradição na qual o Brasil foi formado.

E o Senhor disse a Caim: ”onde está o teu irmão?” – Caim respondeu: “: Não sei. Sou porventura eu o guarda do meu irmão?” Gen4:9.  

Fora do Paraíso, todos são responsáveis por todos, mesmos os que receberam a glória do poder, uma vez que o poder só é grandioso e reconhecido à medida que for capaz de atender a necessidade de todos e não a vaidade dos que que o receberam. O não preocupar-se com o que ocorre aos demais, será cobrado. Cada gota de sangue será cobrado “e de ora em diante, serás maldito e expulsos da terra, eu abriu a boca para beber da tua mão o sangue de teu irmão” Gen 4:11s.

Ao destruir a vida do irmão para saciar a sua vaidade ferida, a pessoa  deseja negar a humanidade dele e afirmar a sua, mas como a humanidade é sempre coletiva, é impossível ser humano sozinho. Negar a vida do irmão é negar a sua própria humanidade. Reconhecer o erro, admitir que é responsável pelos acontecimentos que estão no entorno de sua existência, é a tentativa de recuperar a humanidade perdida.

Após a repercussão negativa do seu “e daí”, ou seja “o que tenho eu com a vida de meu irmão ?”, por sinceridade ou cálculo político, assistimos, agora, o presidente Bolsonaro dizer, timidamente, que talvez tenha sido portador do vírus que ele negava; mas, ao dizer que os governadores com sua política não conseguiram achatar a curva epidêmica, querendo-lhes imputar a culpa das mortes que ele perpetrou, Bolsonaro começa a admitir que cometeu erro. Certo que isso ocorre depois que o presidente Trump indicou que o “Brasil tomou o rumo diferente” e ameaçar suspender os voos doas companhias aéreas norte americanas para o Brasil, como que cumprindo o castigo de ser um pária na sociedade humana.