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Frei Henrique Soares, de Cabrália ao Corcovado

quinta-feira, abril 7th, 2022

FREI HENRIQUE SOARES, DE CABRÁLIA AO CORCOVADO

Prof. Severino Vicente da Silva.

Dedicado ao Padre Tiago Torlby

E então ficamos surpreendidos por acontecimento aparentemente comum, no Brasil, desde que Frei Henrique Soares, em rápida passagem nessas terras, então, recentemente descobertas, celebrou a missa na Páscoa do ano 1500, na presença do representante do rei de Portugal. Ali estava exposta a aliança que se formara desde a vitória de Afonso Henriques sobre as pretensões dos outros iberos. Tão antiga quanto a Sé de Braga, é essa união entre a Coroa e a Mitra. Essa união tem sido mantida através dos séculos lusitanos e, por extensão aos brasileiros que, neste ano deveriam estar celebrando a separação política de Portugal. Mas, tendo ocorrido a separação dos reinos de Brasil e Portugal, não existiu a separação do Trono e a Mitra. Coroado por um bispo, no espaço de uma igreja, o novel imperador manteve o Padroado e, dessa forma o seu poder sobre o bispo que abençoava e punha a coroa em sua cabeça. Como Pedro Álvares Cabral, o imperador participou da missa e do Te Deum. Nada disso impediu que fosse expulso do trono, pelos súditos, em Sete de Abril de 1831. A historiografia serviçal iniciada pelo Visconde de Porto Seguro nos fez aprender e decorar a expressão “abdicação em favor de seu filho”.

Outro Te Deum e outra missa foi assistida pelo adolescente que passa a ser o segundo imperador do Brasil em 1840. Assim começava o Segundo Império, de Pedro Álvares a Pedro de Alcântara Orleans e Bragança. E seguiu até o golpe que inaugurou a República e com ela, a separação da Estado com a Mitra. Entretanto, logo foram entabuladas conversações entre a República, representada por Rui Barbosa que traduzira um livro adverso à Igreja, e Dom Macedo Costa, bispo que amargara a prisão por ordem do Imperador. Ambos entendiam que a República não poderia dispensar os serviços da Igreja, doutrina que embasou a construção de uma neo-cristandade que buscou a cristalização nos anos de 1930. Escolhendo um evento para marcar esta nova cristandade, podemos tomar o 12 de outubro de 1931, quando foi inaugurado o Cristo Redentor, no morro do Corcovado, com a presença do Ditador Getúlio Vargas ao lado do Cardeal Sebastião Leme. Não houve o Te Deum naquele dia, mas se manteve a tradição que atravessou o Atlântico, os séculos e os regimes: a cooperação do Estado e a Igreja para manter a união estabelecida nos acordos de 1822.

Em boa parte do século XX, os cardeais e os bispos julgaram que poderiam manter a aliança com o Estado, silenciando sobre os excessos das ditaduras, e os pequenos espaços temporais de liberdades democráticas; e poucos se deram conta que o povo brasileiro estava mudando, como o mundo, pois a sociedade viu-se obrigada a considerar a chegada da parte invisível do povo, um povo mais preto, mais mulato, mais pardo, mais indígena, explicitando outras crenças, outras formas de falar de Deus, outros deuses. Era um Povo Novo, como ensinava Darcy Ribeiro; um Povo Novo traz consigo problemas diferentes e novos, e este Povo Novo chega desejando outras soluções que não fosse a submissão aos tradicionais Donos do Poder, no linguajar de Raimundo Faoro.

Os novos problemas e possíveis soluções são percebidos apenas por uma minoria, mas essa percepção racha a sociedade, como ocorreu na tentativa de evitar a emergência do novo, em 1964, e que estabeleceu uma nova ditadura até 1985. E entre as muitas ações realizadas e vistas no período, assistimos a corrida de líderes religiosos das múltiplas religiões para alcançar o prêmio de ser protagonista da novíssima cristandade. E foi grande a concorrência entre algumas lideranças das ditas igrejas cristãs. Apenas uma minoria dos religiosos não mais queria a apoiar-se ou sentar-se na cadeira ao lado da do “ditador de plantão”, como bem definiu Carlos Imperial. Os ditadores gostam dos obedientes, deixam que levem algumas vantagens, desde que colaborem efetivamente a manter a unidade do Estado. Os mais cooperativos receberam maiores prebendas, mais espaço nas ondas de rádio, de televisão, ampliando os púlpitos e arrecadação de dízimo. Afinal o crescimento populacional também ampliou o número dos “sempre os tereis”, esses que precisam da constante caridade para que o mundo não se renove.  

No mundo plural, a novíssima cristandade não se faz apenas com uma igreja ou religião. A pluralidade religiosa exige múltiplos acordos, aqueles que primeiro se aproximam do Trono e colaboram com maior eficácia com o poder, são melhor aquinhoados com os nacos de poder que sobram. Os que continuaram a sentir-se imprescindíveis ao poderoso do momento, ficaram esperando serem chamados para agir. Depois perceberam que estavam fora do jogo por “serem mornos”. A série apresentada na NETFLIX, com o título SINTONIA, mostra a vida de três jovens no mundo da droga violência e religião, os evangélicos estão presenes mas não há menção ao catolicismo. Embora a série apresente jovens paulistas, pode ser que tenha ocorrido caso semelhante no Rio de Janeiro. A Igreja Católica perdeu espaços peela aderência de uma prática bem sucedida no passado, uma adesão ao mundo que não quer mudar. Pode ser que os cardeais recentes pensassem que poderiam imitar Dom Leme. Na ‘Revolução de 1930’, o presidente Washington Luiz recusava entregar o governo e ameaçava matar-se, então os generais mandaram chamar o cardeal Leme que conversou com o presidente, e este aceitou a saída honrosa do exílio. Esse movimento resultou na inauguração do Cristo Redentor do Corcovado, um sonho da princesa Isabel.

Parece que o atual cardeal não percebeu que os tempo mudaram e o Estado tem mais escolhas para fazer alianças com aqueles que desejem. O militares de pijamas que governam o país atualmente jamais perdoaram as ações de Bispos como Dom Hipólito, Dom Valdyr Calheiros, Dom Arns, Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldaglia, Dom José Maria Pires, e outros que se direcionaram ao novo, ao novo tempo, ao Povo Novo que desejava e deseja uma nova sociedade na qual não sejam tratados como lixo. Por não perdoarem essa novo mudo de ser Igreja, os apijamados deixaram, de maneira geral, os cristãos católicos fora dos acordos para manter as antigas e carcomidas estruturas que mantém a maior parte do povo escravizado pela impossibilidade de atender suas necessidades básicas e procuram reanimação nos templos que vendem ‘os céus’ enquanto lhe tomam as terras. Talvez tenha sido a solidão vivida no palácio de São Joaquim, longe do poder e distane do povo, que levou o cardeal Dom Orani Tempesta a celebrar uma missa – Te Deum seria um exagero maior – para o atual presidente, família, agregados e ministros, aos pés do Cristo Redentor do Corcovado, na esperança de ser redimido pelo ‘ditador’, ou melhor, pelo plantonista servidor da elite herdeira dos escravocratas. Talvez Frei Henrique de Soares seja desses personagens permanentes da história do Brasil.