Em entrevista ao canal Globo News, o ex-ministro Joaquim Barbosa afirmou que “O Brasil não se conhece. O brasileiro não sabe direito como a nação, como o estado brasileiro se formou”. Essa é uma observação bastante interessante, pois ela nos leva debater a razão dessa ignorância, uma vez que há um ministério dedicado a pensar, promover a educação formal, sendo o ensino da história pátria um dos objetivos do ensino fundamental e médio, estudos preparatórios para o exercício da cidadania, além de preparar os estudantes para os cursos universitários. Isso quer dizer que são muitos os anos que um brasileiro fica exposto, nas escola a informações sobre o Brasil, sua história, as pessoas e instituições que, em suas vidas, deram feição ao que é o Estado Brasileiro e os valores que formam a nação.
Claro que, um país com uma vastidão territorial que temos e uma população heterogênea na sua origem, e sendo ainda jovem, tem algumas dificuldades para formar, o que se chamava, algum tempo passado, de ‘caráter nacional’. Bem, embora isso tenha alguma verdade, ela pode ser aplicada a países como os Estados Unidos da América possuem uma população formada por imigrantes de todos os continentes e, por suposto, levaram suas tradições que, bem ou mal foram incorporadas ou justapostas. E hoje, os americanos sabem quem são, bem como seus amigos e inimigos sabem o que dizem sobre os americanos. Seu território é tão vasto quanto o do Brasil e é apenas 46 anos mais velho que o Brasil. A Argentina tem alguns anos a mais que o Brasil; o mesmo pode ser dito do Chile e, eles também são países formados por imigrantes. Mas eles parecem que sabem que são. Talvez devamos pensar um pouco no processo educacional, no processo de integração dos imigrantes, já integrados no cotidiano, mas ainda não participante das explicações que são dadas sobre o Brasil e sua formação.
Bem, na próxima semana, poucos brasileiros sabem que o Brasil completará 200 anos de idade, como Estado, um estado livremente unido ao Estado de Portugal e Algarves. É o que se ensina nas aulas de história sem refletir o que é que essa situação significou como parte da formação do que somos hoje. Claro que, da mesma maneira que o significado do 15 de novembro de 1889, data da proclamação da República, passou despercebido na maioria das escolas e dos instrumentos e órgãos de formação social, o 16 de dezembro de 1815 também não receberá comentário algum, nem mesmo nas comunidades acadêmicas cuja função precípua é formar professores de história do Brasil. Nesse momento de nossa história em que a República Brasileira está sendo posta à prova, teria sido interessante um debate sobre o processo que levou ao estabelecimento da República, um movimento que envolveu setores da classe média (advogados, professores, jornalistas), fazendeiros de café e açúcar, além dos militares. Também creio, seria muito interessante perguntar publicamente o que significou a criação do Reino do Brasil, Unido aos Reinos de Portugal e Algarves. Ali já notamos que é foi uma empreitada casuística, um jeitinho português para facilitar a vida do Príncipe Regente Dom João que desejava ficar mais algum tempo na zona subtropical da América e evitar um confronto direto com a burguesia e a nobreza portuguesa que se sentia prejudicada com a ausência do seu rei em Lisboa. Mas esse episódio é tão pouco aproveitado para a reflexão sobre como chegamos a ser o que somos, que nem reconhecemos o esforço do príncipe regente que, continuava regente no que concerne a Portugal, mas passou a ser Rei do Brasil. Esse esforço de Dom João a nossa historiografia nega, pois sempre o consideramos Rei de Portugal e não do Brasil, de tal forma que ainda hoje agimos como súditos portugueses e ensinamos nossas crianças e futuros cidadãos dessa maneira. Sempre o chamamos de Dom João VI, o que ele é em Portugal, e não o reconhecemos como rei do Brasil. E nem consideramos que, no processo de independência, José Bonifácio de Andrade Silva, o Patriarca da Independência, ao escrever o Manifesto às Nações, lembrou que Portugal se recusava a respeitar os direitos do Reino do Brasil, um Estado reconhecido por toda a Europa, que aceitou a participação de Portugal no Congresso de Viena, pois Dom João estava na sede do seu reino, o Rio de Janeiro, onde também se encontrava Dona Maria I, rainha de Portugal, trono do qual ele era herdeiro e seu regente.
Se, em lugar de silenciar sobre esse acontecimento, nossa historiografia cuidasse de examinar mais detidamente esse fato, talvez nossa estima de nós mesmos aumentasse e, os cidadãos brasileiros entenderiam melhor os acontecimentos relacionados com a chamada Revolução Pernambucana de 1817, as disputas, ou ausência delas, para enviar representantes para a Assembleia Constituinte do Porto, as lutas para a formação das Juntas Governamentativas. No caso de Pernambuco estudaríamos com mais interesse a Junta de Goiana e a Convenção de Beberibe. Claro que tudo isso deixaria mais claro que não foi por falta de oportunidade que o Brasil manteve-se monárquico, escravocrático, acentuando a sua tendência à oligarquia, à manutenção de privilégios e regalias, enquanto decidia excluir grande parte da população da vida política. Evidente somos resultado desses e de outros “esquecimentos” enquanto se oferecem migalhas de reconhecimento àqueles que aceitam situações subalternas, desde que possam ter seus subalternos. E então temos uma sociedade na qual o escravo compra sua liberdade e, logo em seguida compra um escravo para si. Aliás este é outro “esquecimento” atual, para não milindrar as mais recentes oligarquias afirmativas.
Outro esquecimento é que, centro e quarenta anos após a chegada de imigrantes alemães, italianos, poloneses, e outros, continuamos a dizer que o Brasil é formado do encontro de indígenas, africanos e portugueses. E, já tivemos dirigindo a república brasileira descendentes de Alemães, de Italianos; também tivemos ministros de ascendência japonesa e atualmente somos governados (?) por uma filha de um migrante húngaro.
Essas e outras reflexões semelhantes é que poderiam nos ajudar a compreender o processo de nossa formação. Enquanto nossa reflexão histórica ficar sendo direcionada pela diretoria que fundou o Instituto Histórico e Geográfico Brasil (Rio de Janeiro), ou pelo desejo de negar a história do Brasil e seus símbolos (parece haver um vertente que deseja trocar a bandeira que lembra nossa relação com Portugal por outra mais orientalizada), não iremos muito longe como nação. Vamos estudar nossa história a partir de nossas tradições, com respeito e não deboche, como querem aqueles que recusam, implícita ou explicitamente, nossa mestiçagem por orgulhos de partes que se opõem e abrem caminhos que aprofundam a crise de identidade, de nosso caráter nacional.
Importante, também, resgatar os esquecimento que são praticados para facilitar a permanência de privilégios que afrontam a ordem republicana, tais como foro privilegiados em tribunais e prisões.