“Caprichoso ( ….) não punha calma no pendor de querer sempre triunfante o seu alvitre. Desamava Conselhos. Quer isso dizer que temperamentalmente possuía minguados recursos para a função de reinar sem governar (…) da categoria a que deveria pertencer. Daí não vir jamais a compreender ou aceitar a engenhosa combinação do poder popular com as instituições…”
O texto acima é de Octávio Tarquínio de Sousa, na sua obra Vida de D. Pedro I, é sobre o objeto de suas pesquisas. Esse é um retrato do nosso primeiro governante após o rompimento dos laços estabelecidos pelo Reino do Brasil Unido ao Reino de Portugal e Algarves, consequência de séculos de domínio português sobre o Brasil. Tal rompimento foi por ele assumido em um rompante próprio de sua personalidade mercurial, entretanto vinha sendo banhado em sangue desde o final do século XVIII, e foi urdido pela ciência de José Bonifácio que fez a confusão entre o interesse de alguns com o interesse da pátria. Tudo isso parece ser uma das marcas que trazemos em nossa política. O voluntarismo de governantes que põem a sua vontade acima dos objetivos da nação, destes se aproveitando em momentos de confluência, sem contudo perder a oportunidade de afastar aqueles que não formam com sua orientação, desejo ou juízo. Esses governantes que povoam o tempo de nossa história são mantidos por uma aristocracia de proprietários de terras, clérigos de diversas igrejas (inicialmente eram apenas os católicos romanos), mais recentemente juntaram-se os industriais e banqueiros, esses e alguns promotores de algumas ações paternalistas, de modo a manter a população subjugada a um patrão-pai. Assim formou-se o Estado brasileiro, uma nação, hoje com 220 milhões de habitantes, dos quais apenas cerca de 1/3 tem acesso aos bens culturais e civilizacionais, como está a nos provar a atual pandemia.
Em dois anos completar-se-á dois séculos do rompimento dos laços políticos e jurídicos que ligavam o Reino do Brasil ao Reino de Portugal e Algarves, mas quando este fato ocorreu, foi decidido que o novo Estado seria formado por duas grandes nações: a dos proprietários e seus acólitos bajuladores, mas só na medida em que sejam capazes de pensar como o chefe, e manter distância dos interesses dos não proprietários.
Nas primeiras quatro décadas (1820-1850), a nação dos proprietários do novo Estado, viu-se em uma constante guerra contra a outra nação, até submetê-la, para então criar uma legislação garantidora do seu futuro, ainda que fosse obrigada a pôr fim à escravidão. Enquanto isso não ocorria, buscou-se, entre os destituídos da Europa, o material humano para manter a submissão dos eternos insatisfeitos com a ordem que os prende à margem da nação, exceto em tempos eleitorais, de modo a confirmar a sua hegemonia. Mas o ato de votar, só veio a ser reconhecido como direito universal muito recentemente, pela Emenda nº 25 à Constituição de 1967, no ano de 1985. Contudo os governos que se seguiram falaram muito em “educação de qualidade”, e nenhum deles percebeu que deveriam preocupar-se com “educação de BOA qualidade”. E sem uma educação de BOA qualidade, mesmo que saiam da caverna, muitos para ela retornam, assim como os que saíram da escravidão do Egito, na primeira dificuldade, tiveram saudade da “sopa de cebola” que recebiam ao final de um dia extenuante de trabalho. Essa é uma das razões porque, após dois séculos do Brasil livre dos laços portugueses, estamos assistindo parte de nossa sociedade sonhando com o conforto das senzalas, das dádivas do tipo “peixe da semana santa”.
Neste dia que escrevo essas palavras, completa-se 132 anos do estabelecimento legal do fim da escravidão no Brasil, mas essa data não coincide com a decisão de unir as nações que formam o Estado Brasileiro, pois os libertos não viram a terra libertada. Os escravizadores da terra estão muito ativos, uma vez que, os que para o Brasil foram transplantados no final do século XIX, a eles se aliaram, tornaram-se eles, assumiram a sina de manter as nações separadas, parece que vieram para aprofundar as diferenças, e assumiram em realizar o passado crendo estar construindo o futuro.
Nos faltou uma educação de BOA qualidade para que os que saíram das matas, das senzalas. Sem essa educação estaremos sempre à ‘disposição’ dos voluntariosos que se apresentam como salvadores dos carneiros enquanto os encaminham para o matadouro.