Archive for the ‘Política’ Category

Drama 10. Corações e mentes

quarta-feira, maio 20th, 2020

Drama

Segunda quinzena de maio e o número de mortos nesta epidemia global, no Brasil, supera a marca dos 15 mil e, o país ouviu o estrepitoso silêncio do presidente da República, controlador do Ministério do Trabalho, sobre tal situação. O que se ouviu foi sua gargalhada comemorativa da liberação de um protocolo para o uso de mu medicamento, cuja eficácia é posta em dúvida pela Organização Mundial de Saúde. O uso desse medicamento foi uma das razões para o afastamento de médicos na chefia do Ministério da Saúde. A outra razão foi que tais médicos recusaram seguir a orientação do presidente que, sabe-se lá que razões tem para tal, desejoso de que os infectados pela Covid19 recebessem tratamento com esta droga. Era a vontade de um desconhecedor da área que desejava se impor aos médicos sob o argumento de que, sendo ele presidente, todos os ministros devem estar unidos com ele, não havendo espaço para a discordância. Esta é a visão na qual são treinados os soldados do exército, treinados a cumprir ordens sem questionamentos. Lembrou bem o tenente que, o exército o treinou para matar, ou eliminar todos os que agem como obstáculo à consecução do objetivo definido pelo Estado Maior, cabendo aos subalternos, o simples cumprimento das ordens recebidas, ainda que elas sejam estúpidas e sem sentido. Ora, neste momento temos um general reservista, que jamais estudou medicina ou ciência correlata, dirigindo o Ministério a Saúde. Por ser um ex-general, ele também foi treinado para matar. Pessoas treinadas para matar precisam matar em si mesmo os sentimentos que a morte de uma pessoa possa provocar. Aliás, para poder matar sem questionamento, os soldados quando se dirigem ao campo de batalha não podem ver pessoas, eles só enxergam inimigos que devem ser eliminados. Os mortos são consequência normal da atividade de um soldado em batalha, daí o silêncio sobre os 15 mil brasileiros mortos desde março pela Covid19.

Recentemente assisti o filme 1917, que conta linearmente a saga de dois soldados que receberam a tarefa de entregar uma mensagem a um comandante, e para tal teriam que passar por campos dominados pelos inimigos. O que considero o momento mais tocante no filme é a cena das ruas formadas pelas trincheiras. A Guerra de 1914-19 foi uma guerra parada, com pequenos avanços que objetivavam aumentar os danos ao inimigo com pouco custo de vida de seus soldados e armamentos. Com essa tática, a troca de tiros e pequenos ataques levou a guerra a longo quatro anos. Mas a cena a qual me refiro apresenta, naquelas ruelas é de soldados postos contra os paredões, esperando a ordem para que subissem as escadas e afrontassem o inimigo com os seus corpos, recebessem as balas, simplesmente morressem sob o comando de um coronel ou general que estava mais protegido, distante da linha de fogo. O que me impressionou era a face de aceitação dos soldados que olhavam, indiferentes, o que ocorria ao logo das trincheiras, o movimento que havia. A eles importava apenas ouvir a ordem de “avançar” e levantavam-se e corriam em direção à morte. A sua morte, mais que a do inimigo é que estava certa e garantia sua vitória: uma morte silenciosa, solitária, distante de tudo. É que o mundo e tudo o que ele representa já havia terminado.

Uma reunião do comando militar para debater a estratégia da ação, verificar a logística que melhor interesse ao comando superior, é o que interessa. Um dos atos iniciais após a declaração russa de guerra à Alemanha, foi o gesto de arrancar os fios de telefone para evitar que houvesse alguma comunicação que desse oportunidade a suspensão da guerra. Os fios foram quebrados, assim como os navios de Cortez. Os que desejam a guerra explicitam que não pode haver retorno, arrependimento, pois só a verdade da morte libertará. Ao transformar o Ministério da Saúde em uma casamata, abrigo protetor do comando, o atual governo brasileiro assumiu que está em uma nova fase de sua guerra, após o controle sobre a Amazônia, sonho cultivado desde a recusa do plano terrorista do tenente que, só não foi expulso do exército pela ação de seus colegas em um julgamento fraudado. A fase anterior, foi a conquista de espaços das mentes. Estão seguindo a pensamento do general Westmoreland na guerra do Vietnan: Conquistar Corações e Mentes. Westmoreland perdeu. Deixaremos que ele nos vença?   

As chuvas e os crimes sociais do verão

sábado, fevereiro 9th, 2019

Mesmo quando apresenta-se com 29 dias, fevereiro é um mês pequeno, o menor de todos, e muito esperado por alguns por conta do grande festival que conhecemos e vivemos como Carnaval. Este ano o carnaval ocorrerá em março, mas em algumas cidades, ou em partes de algumas cidades, as pessoas treinam, preparam-se, para viver plenamente a loucura que se diz existir nos três dias dedicados aos prazeres da carne.

Fevereiro começou ainda com o rescaldo do recente acidente em Brumadinho, MG. Restos do minério retirado da terra e vendido, principalmente aos chineses, guardado em barragem situada metros de altitude acima de uma cidade, desceu montanha abaixo, tudo matando, tudo destruindo, tudo contaminando. Muitas pessoas morreram e a cidade foi sensivelmente afetada, pois perderá a atividade que a fez surgir. Pode ser que venha a Tornar-se uma cidade-zumbi, quase morta. Sua longa história não permite tal afirmação. Originária da atuação de bandeirantes no final do século XVII, esta cidade cresce com a mineração do ferro, após a criação da Companhia Vale do Rio Doce, durante a ditadura de Getúli0 Vargas, e faz parte do esforço de criação da uma indústria nacional. Situada no vale do Rio Paraopeba, suas madrugadas e manhãs são famosas pelas brumas que cobrem o povoado/cidade, de onde lhe vem o nome. Espanta a possibilidade de sua morte, a lembrança de que no século XIX, um inglês, o Senhor Thimoty, ou o Senhor Tim, que foi sendo chamado de Nhô Tim e, Inhotim. Nas terras de Nhô Tim, em 2004, o empresário de mineração siderurgia e arte, Bernardo Paz, guarda no local sua bela coleção de arte, e em 2006 a torna de acesso ao público, e recentemente, em 2014 foi tornado museu a céu aberto da Arte Contemporânea. Inhotim, tem origem na ação predadora da caça ao silvícola e ao ouro, cresce da retirada do ferro de suas entranhas, cujo rejeito agora mata o Rio e suas margens, mas pode ter seu futuro garantido pela arte e pela reconstrução da natureza, que vai tomar algum tempo.

Este desastre anunciado, o rompimento da barragem de rejeito de ferro sobre Inhotim, não tem sido um caso isolado na trajetória de Minas Gerais. Faz menos de uma década que, a cidade de Mariana sofreu o rompimento de uma barragem de rejeito que, parece tem matado o Rio Doce, que alimentava a região. Agora, a morte do Rio Paraopeba, pode vir a atingir o Rio São Francisco. Desastres que ocorrem após a ação descuidada dos empresários em diversas épocas, são comuns na construção do Brasil, pois os que orientam os caminhos do “progresso” parece acreditar que a natureza é capaz de se recuperar eternamente. Em decorrência desse entendimento, os projetos de “progresso” do Brasil têm sido realizados em função do apetite pantagruélico dos seus dirigentes, por isso não deixam espaços para que os menos poderosos, os índios, os trabalhadores de suas empresas possam se acomodar decentemente: os poderosos apossaram-se de tudo, e o resultado são favelas, vilas operárias que amontoam em pouco espaço centenas ou milhares de pessoas; numerosos são os que constroem em morros que estão sempre ameaçados pelas forças da natureza, como assistimos anualmente durante as chuvas de verão que iniciam cada ano, no Sul do Brasil e, em junho/julho no Nordeste. E quando ocorrem os donos dos meios de comunicação, junto com os governantes que foram financiados pelos poderosos, ordenam que as palavras constantemente repetidas seja, “tragédia”, “acidente”, “fatalidade”, de maneira que seja esquecido que o que ocorre a cada ano são atos criminosos.

A cada ano o Rio de Janeiro oferece a visão dos crimes que são cometidos ao forçar parte de sua população a viver em condições infames, nos morros que circundam a cidade. A cada ano casas caem e pessoas são feridas ou mortas por viverem em “locais de riscos”, como dizem os que construíram seus condomínio locais sem riscos. Este ano aconteceu de novo, e as chuvas, como fizeram a trinta, cinquenta e setenta anos, ocuparam a cidade que foi sendo construída sobre riachos e rios. É maravilhoso o panorama da natureza, é maravilhosa a sua ação sistemática de lembrar que os homens precisam encontrar um limite para as suas ações e cometam menos atos criminosos contra a natureza. Sim, os humanos são parte da natureza.

Ato criminoso é que ocorreu também nas acomodações que do Clube Regatas Flamengo, simplesmente flamengo, do Rio de Janeiro, chama de Centro de Treinamento, CT. Nesta semana 10 jovens foram surpreendidos na madrugada por um incêndio no dormitório. Jovens entre 14 e 16 anos foram machucados, seis deles morreram. Nos primeiros momentos as palavras “tragédia” , “fatalidade” provocaram ondas de simpatia ao clube e seus dirigentes, pois este “terrível acidente” é muito doloroso para “os esportes e o futebol brasileiros”, disse famoso atleta. Aos poucos chegam notícias de que a construção onde dormiam os jovens atletas não estava no projeto inicial; depois o Corpo de Bombeiros não havia dado permissão para funcionamento daquele “dormitório”; em seguida se sabe que a Prefeitura da cidade já havia embargado diversas vezes aquela instalação. E o que era um “acidente”, uma “tragédia’, uma “fatalidade” que colheu a vida de seis jovens e os sonhos de dez famílias, finalmente é visto como o que é: um crime. Os dirigentes do Flamengo (talvez outros clubes tenham comportamento semelhante) usam os sonhos de jovens adolescentes pobres, nascidos nas periferias amontoadas em torno das grandes cidades, e dos sonhos de seus pais para aumentar suas ganâncias, seus ganhos. Os dirigentes dos clubes de futebol, como os pais dos adolescentes, sabem que o estudo não garantirá aos jovens condições de vida que a televisão e os meios de comunicação em geral promovem e fazem os jovens desejarem. Mas o futebol pode ser um caminho de esperança para os que nasceram em desvantagem social, como é sempre lembrado nos programas esportivos dedicados a promover os sonhos de alguns, de serem atletas e poderem comprar uma casa para seus avós, sua mãe, seus irmãos. Em um mundo gerado pela ganância dos bandeirantes, os pais estão quase sempre ausentes na maioria dos relatos.

As águas de Janeiro e fevereiro deste ano de 2019 promoveram lama, sofrimentos, mas podem ajudar a tirar parte da sujeira dos olhos sociais que não permitem perceber a luz da realidade histórica de nossa sociedade.

Olinda, 08 de fevereiro de 19

Encruzilhada nas pesquisas e na vida

domingo, maio 7th, 2017

Leio, ouço e vejo vários professores universitários, alguns, como eu, já próximos da aposentadoria, continuando a trabalhar apesar de terem cumprido todos os protocolos para a jubilação de sua vida laboral, e estão quase desiludidos com alguns aspectos vividos na instituição que trabalham e amam tanto após anos de dedicação. É um sentimento nascido no confronto de algumas ideias, de ideologias. Talvez essa situação seja mais sentida na área das ditas Ciências Humanas. Essas ciências quase sempre surgiram para explicar e compreender o comportamento dos homens e mulheres. Houve um tempo de maior dedicação ao conhecimento, à análise do acontecimento social. Foi um tempo dedicado ao trabalho descritivo do mundo histórico cultural. Entretanto, no final da primeira metade do século XIX, surgiu a concepção de que, mais que conhecer a realidade, como vinham fazendo os filósofos, deve-se transformá-la. Desde então a questão que se põe é: transformá-la em qual direção, em qual sociedade, em quais tipos de relações.

À medida que se formavam e cresciam, as ciências ditas humanas e sociais passaram a agir separadamente da filosofia, passaram a dedicar-se ao método. Os homens e o que lhes aconteceriam de fato foram se tornando algo dispensável. Como disse Sartre, é uma Questão de Método. E foram tentados muitos, alguns criados em laboratórios mentais por alguns que associaram os projetos autoritários de Humanistas renascentistas com as ideias de mudanças abruptas, postas em prática pelos seguidores da Criança Terrível dos iluministas. Criou-se um clima indesejável de guerra permanente entre dois grupos que disputam todos os espaços: administração, bancas de concurso, bancas de seleção, gerências de Departamentos, Centros, Reitorias, etc. Mais recentemente essa disputa começou a atingir a sala de aula, os corredores; e então, o engajamento na luta pelo poder e sua democratização levou a uma união, quase total, com o movimento estudantil, pondo em risco a possibilidade de crítica. Quase submissão a La Chinoise. A autocrítica supõe autonomia. Não é à toa que nas recentes invasões, ou ocupações, de unidades da universidade, os professores que foram agredidos foram dispensados de qualquer solidariedade por parte de seus colegas ou colegiado da universidade. E se alguns manifestaram solidariedade, o fizeram de maneira pessoal, informal e privada. Parece ter havido um temor que soubessem desse seu pequeno deslize.

Sem possibilidade de uma crítica, como criar um conhecimento minimamente livre e científico. Ou só será científico aquele que se pareça com a experiência de Lysenko?

É necessário que, lendo o livro dos outros escrevamos os nossos, não copiemos o que lemos. As reflexões sociais que temos a partir das experiências europeias têm nos auxiliado, mas devemos tentar superar a prática de ficarmos apenas na realização de cursos de atualização de conhecimentos; já é tempo de voltarmo-nos para nossa história e procurar nos entender como fomos, somos e queremos ser. Nos divertimos ou nos envergonhamos conosco por sermos um povo mestiço (há algum que não seja?), mas é tempo de nos aprofundarmos nessa nossa mestiçagem que nos faz universais e para além da dicotomia entre Apolo e Dionísio. Para isso, é necessário dedicar mais horas de pesquisa e reflexão sobre o Brasil, esse desconhecido nas universidades.

Esquecidos

terça-feira, janeiro 24th, 2017

Os esquecidos
Por Biu Vicente

Janeiro de 17 quase ao seu final e tudo parece tão modificado que já se torna difícil lembrar o que ocorreu no mês passado.

Muitas mortes ocorreram no Brasil em duas semanas. Uma estatística diz que nos primeiros quinze dias foram mortos quase um policial por dia neste país pacífico. Por seu turno, em três presídios parece ter havido um esforço para superar as mortes nas guerras que estão em andamento naquela parte do mundo que os professores de história nos ensinam terem se formado as primeiras civilizações. Nos tempos de Hamurabi o código dizia que o olho perdido exigia que o outro perdesse seu olho. Nas prisões brasileiras o que está valendo nem é a Lei do Talião, mas a lei que não reconhece o direito simples de viver, se mata para não morrer, enquanto não se é morto. O que os programas de informação estão a nos mostrar é a prática de matar para não ser morto. A decapitação retorna como prática comum, tanto nas guerras do Oriente Médio que usam a religião como justificativa, quanto nos presídios nos quais a justificativa é manter-se vivo, ou explicitar qual a facção está no comando do país. Falta apenas o carnaval de cabeças espetadas, como ocorria nas ruas de Paris no Período do Terror.

O Estado Brasileiro acostumou-se a pensar em apenas 30% da população, fazia planejamento apenas para um terço dos habitantes do país, agora se vê obrigado a ampliar suas preocupações. A sociedade ampliou-se, embora sem fazer crescer proporcionalmente a produção de riquezas. Se há mais gente consumindo, tem haver um crescimento da produção e um alargamento da oferta de ocupação, de oportunidades educacionais, de possibilidades de recreação, facilidade de locomoção, ampliação de coleta de lixo e atendimento preventivo para garantir a saúde e a segurança dos novos grupos convidados a serem plenamente cidadãos, etc.; sem esses complementos cria-se uma sociedade anômica e anêmica social e culturalmente. O Estado que sempre pensou apenas em um terço da sociedade, deve aprender a pensar mais largamente. Novos tempos, novos hábitos. Mas formar novos hábitos leva algum tempo, e pode ser que nosso jovem Estado de apenas duzentos anos, ainda incompletos, já esteja bastante envelhecido; parece que perdeu a prática de sonhar e desejar mudar: ser capaz de sacrificar-se por uma causa é coisa de jovens; ser capaz de fazer os outros sacrificar-se por uma causa, é próprio dos velhos, especialmente dos velhos que venderam seus ideais ainda na segunda idade e, na terceira idade, só pensam em seus confortos. São elefantes que gostam de conforto enquanto esperam a morte. Essa parece ser uma imagem que representa bem a elite que hoje está à frente do Brasil, (talvez não apenas no Brasil, mas em outros países) homens velhos que não souberam ou não quiseram deixar brotar e crescer o novo. Preferiram as novidades, e assim somos uma sociedade que está sempre ofertando novidades a meninos crescidos que se tornam velhos sem experimentar a juventude. Levaram a sério aquela história que “a juventude é uma calça jeans azul e desbotada”.

Na mais rica nação do mundo ocorreu a posse de um novo mandatário que, parece, está disposto a mandar às favas tudo que lembre a construção de uma civilização, uma possibilidade, uma chance para a humanidade. Prefere, ele, apenas a lealdade a seu grupo pequeno. Pensar na humanidade tornou-se estranho, uma vez que vivemos em uma sociedade que cuida de agir pelo prazer do imediato, cuida do pequeno retalho, do fragmento que se escolhe para dizer que é seu. Começamos a agir como aquela galinha da fábula que, tendo caído uma jabuticaba em sua cabeça, saiu a cacarejar que havia caído um pedaço do céu. Donald Trump, em seu discurso de posse citou o “homem esquecido”, imagem utilizada por Franklin Delano Roosevelt, para referir-se aos desempregados da Grande Depressão dos anos 30 do século passado. Este novo presidente foi eleito com o voto dos esquecidos, dos desempregados, daqueles que aparecem nos livros como estatísticas, números sem história que contam a história dos anônimos, esquecidos por aqueles que dizem defendê-lo, enquanto fortalecem sistemas que os tornam mais esquecidos nas histórias. William Reich os chamava de Zé Ninguém. O Zé Ninguém pensa do pescoço para baixo.

Embora bilionário ou trilionário, Trump era um “homem esquecido” a quem não se dava crédito, mas ele falava com os outros esquecidos, com a linguagem necessária para manter a pulsão de vida, a vida não sofisticada, a mais simples. Esses esquecidos se fizeram lembrar. Agora veremos até onde iremos com ideais tão pequenos: como uma conta bancária, um prato de feijão ou lentilhas, a vitória do clube, da tribo da nação que substituem humanidade.

Na cerimônia de sua posse, Trump, que é um homem esquecido, esqueceu que estava acompanhado da esposa.

Massacre de Manaus e a civilização

quarta-feira, janeiro 4th, 2017

Uma vista rápida no facebook e logo vejo uma postagem a informar que mais de 80% dos suecos não acredita em Deus e lá estão fechando presídios por falta de usuários; o mesmo post, também em foto, informa que mais de 80% da população brasileira acredita em Deus e aqui os presídios estão lotados. Termina com a pergunta: para que serve a religião? Claro está que quem posta não fez qualquer comentário. Aliás, grande parte das postagens é apenas o famoso esforço/método de estudo que tem feito grande sucesso nas escolas – secundárias e universitárias – o Copiar e Colar, antigamente conhecido como “tesoura e cola” . Talvez essa publicação na rede social seja uma referência ao massacre ocorrido no sistema prisional do Estado do Amazonas, logo no alvorecer deste novo ano, o décimo sexto do terceiro milênio da Era Cristã. Atrevo-me a comentar, não o massacre, que é uma mostra de nossa incapacidade coletiva de nos proteger contra a barbárie, mas sobre a postagem. Mas uma reflexão está ligada à outra.
Quem posta foto sem as comentar compra a ideia que lhe venderam. Nesse caso, a postagem apresenta-se fora da história, como um dado caído de algum planeta. Essas informações chegam sem refletir que a Suécia e os demais países do Norte da Europa veem modificando seus comportamentos desde o século XVI. Não ocorreu informar que naquelas sociedades o padre foi substituído pelo promotor e o inferno pelas prisões. O famoso Leviatã se fez presente ao tempo que ocorria o processo civilizador e o fortalecimento da ética do trabalho. E isso vinha ocorrendo antes de Freud e das diversas psicologias. Bem, o processo civilizador, apontado por Norbert Elias, não conseguiu terminar seus passos no Brasil. Os mais radicais podem dizer que nem começou.

Como nos ensinou Darcy Ribeiro, um apaixonado pelo Brasil e pelo povo brasileiro, o Brasil, além de ser um “povo Novo” é, também, um povo que não fez nenhuma Revolução Técnico-científica, sendo condenado a fazer constantes Atualizações Históricas, sempre a acompanhar o que outros inventam. o porquê disso fica para outra oportunidade. Por ora ficaremos com a ideia de que, no Brasil o padre foi substituído não pelo Promotor, mas pelo psicólogo; em lugar da ética do trabalho foi criado o sistema de tolerância ao jeitinho; e o Leviatã aqui tomou a forma de um Senhor de Fazenda (não vou dizer engenho para que se pense que isso é coisa do Nordeste açucareiro, apenas, e não se refere ao sudeste do café), sempre cordial, um compadre para todas as horas, e o Inferno é coisa que acontece nas favelas ou Assentamentos Urbanos Não Estruturados.

Os presídios estão vazios em países em que a honestidade nas relações sociais é mais importante que os compadrios; os presídios estão vazios nos países em que as autoridades não sobrecarregam o erários com leis garantidoras de privilégios e regalias próprias dos séculos anteriores às Revoluções Francesa e Industrial. No Brasil, ainda teremos, por algum tempo, levantes contra prisões de figurões da política que cometem crimes contra o patrimônio público. Assim ocorre porque a prisão desses criminosos da política põe em risco as sinecuras de muitos que levantam contra reformas, mas, dizem, estão prontos a fazer revoluções para impor sistemas que já se mostraram falidos, com ou sem religião.

Começamos o ano com um massacre, segundo o noticiário, anunciado. Na verdade poderia ser definido como um “homicídio coletivo culposo”, para que ouvidos mais sensíveis de almas insensíveis não sofram com a ideia de um assassinato previsto pelo ‘leviatã’ caseiro.

Todos os atos cívicos livres valem à pena

segunda-feira, outubro 6th, 2014

Na manhã seguinte à manifestação do povo através do voto, observo a facilidade com que se diz que o povo está enganado por ter votado certo, e votar certo teria sido votar como a pessoa que escreveu votou.

Nos anos que vivi na ditadura recente, sempre que o povo elegia majoritariamente pessoas não ligadas ao poder  que então comandava o Brasil, log em seguida  surgia uma legislação mudando a lei eleitoral.  Agarrados ao poder ficavam em desespero quando o povo dizia: ‘não estamos contentes com vocês, não queremos o seu governo’.  Hoje pela manhã  já li um democrata pedindo uma “constituinte exclusiva” para que a reforma política fosse feita. Era uma resposta que ele dava a outra insatisfeita com o resultado da urna. Para esses, o povo está errado por não ter votado em sua candidata à presidente. Tive a sensação de ler um  jovem pensando como Ernesto Geisel.

Recebi um recado de uma professora, pessoa que vi nascer e crescer juntamente com seus pais, ao longo do período ditatorial. Ele um operário e, como eu organizador do Conselho dos Moradores no nosso bairro. Lutamos juntos contra a ditadura militar, lutamos pelos nossos direitos, os Direitos humanos. Estivemos no mesmo palanque que lançou o movimento Pressão Moral Libertadora, de Dom Hélder Câmara, em ato público na matriz de Casa Amarela. Juntos nós vencemos a ditadura e continuamos a construir a democracia. Ele fez opção partidária para continuar a luta, e eu, por outro lado preferi ficar sem filiação partidária, mas sempre caminhando com pai da jovem. Preferi não ter compromisso partidário, continuar na Igreja como simples fiel da democracia. Continuei lutando, mas não por um projeto de poder. Nesta eleição, após muitas notícias de desmandos, corrupção, clientelismo, uso da máquina governamental para fortalecer o projeto de poder e não apenas a liberdade de pensamento de opções, o povo votou dizendo que os partidos devem repensar as suas ações e não os tratar como animais de estimação. Votei  com o povo e não com o partido, continuo lutando pela liberdade de pensamento e ação e, por isso o desencanto da filha de meu companheiro, que poucos dias antes de sua morte conversou comigo sobre a possibilidade de formação de um grupo de estudos sobre o comportamento ético na política. A filha de meu amigo disse que lamenta a minha posição política e cobra a minha história. Ela acha que “é uma pena”. Eu digo: Não, cara amiga, eu não considero uma pena ter lutado pelo fim de uma ditadura – inclusive com prisão -, não considero uma pena continuar lutando para nenhuma ditadura venha a escurecer o Brasil, matar a sua alegria com pão e circo. Nem mesmo considero uma pena a sua “pena”, pois é assim que é nas democracias: podemos pensar diferentes e nos respeitarmos.  E seu comentário até me deixa contente. Foi para essa abertura de pensamentos e ações que seu pai e eu lutamos juntos, em algum momento, mas nós sabíamos que não concordávamos em tudo.

Biu Vicente