EM DEFESA DO POVO BRASILEIRO NOS CASOS DAS UVAS GAÚCHAS E DO AÇÚCAR PERNAMBUCANO.

março 4th, 2023

EM DEFESA DO POVO BRASILEIRO NOS CASOS DAS UVAS GAÚCHAS E DO AÇÚCAR PERNAMBUCANO.

Prof. Severino Vicente da Silva

ORCID  000000189111409

Viver , parecer ser surpreender-se cotidianamente com as manifestações da vida e os desejos da morte, essas pulsões básicas que S. Freud nos desvendou. Saber dessas forças antagônicas que carregamos, nos auxilia a compreender alguns comportamentos, algumas tendências que vemos ao nosso redor e, às vezes, dentro de nossa própria alma. Seja de nossa alma individual, seja a coletiva que, aparece de múltiplas formas em nossas fidelidades a esse ou àquele grupo. Não poucas vezes vivenciamos esse antagonismo pois que pertencemos a muitos grupos simultaneamente. Pertencemos a um grupo nacional e, nele sentimos o quanto alguns dos nossos sócios nos temem e, por isso, procuram nos diminuir, destruir o que construímos.

Nesta semana tivemos o caso de um vereador de uma cidade do Rio Grande do Sul, talvez descendente de algum europeu que chegou aqui no Brasil após 1870, puxando uma corda pensando que ele ainda possuía uma cachorro. É que lhe haviam tomado tudo, menos a imbecil ideia de que havia um “fardo do homem branco”, como dito pelo poeta Rudyard Kipling, condenado a distribuir civilização e ganhar ódio por isso. É que a civilização que levavam a quem não desejava, estava carregada de cobiça e ódio. A cobiça destruía a riqueza dos lugares aonde chegaram e o ódio fez aforar a mais funesta forma de destruição humana: o racismo, a negação da humanidade do outro, como cultura. Arraigado aos modos de pensar dos séculos anteriores, quando os europeus, em busca de riquezas espalharam a morte nas terras e nos mares nunca antes conhecidos, aquele vereador da cidade de Caxias do Sul, quis justificar a prática da utilização do trabalho escravo nos vinhedos do Sul Maravilha, acusando-nos, “os de lá cima” de sermos um povo que gosta de festa, praia e tambor. Sim, nós gostamos disso, pois amamos a vida e sua pulsão, mas não fazemos apenas isso, como os trisavós do vereador constaram ao chegar nesta terra e foram ajudados a nela se fixarem e viverem. Fizeram isso, mas não se despiram dos conceitos tendentes à morte. Como seus antepassados tinham escravos, viviam em uma sociedade escravocrata, fortaleceram, quem sabe, as más lições que aprenderam do outro do Oceano, pois foi a escravidão, como método, um dos principais fatores da riqueza europeia. Este mesmo vereador, ao ver-se interpelado pela sociedade por conta da sua defesa da escravidão e do preconceito contra o Brasil e os brasileiros, veio pedir desculpas e chorar lágrimas de crocodilo, mas não pediu desculpa quando, algumas semanas passadas, acusou os Ianomami de preguiçosos e responsáveis pela morte das suas crianças, pois defendia os garimpeiros que destruíam a fauna e flora dos rios e da floresta. Como não foi pressionado ao atacar os indígenas, senhores primeiros dessa terra brasileira, sentiu-se à vontade para atacar os brasileiros, especialmente os do Norte e Nordeste. Seu racismo, o seu ódio ao Brasil é visceral, estrutural. Ele é incapaz de ser um humano, pois nem soube seguir a orientação de seu advogado que o mandou chorar, ao contar a vergonha que alcançou toda a sua família. Quem odeia não chora.

Mas esse ódio ao brasileiro não exclusividade de parte da população do sul do Brasil, esse ódio ao que o povo pobre cria, apesar de todo o sofrimento e exploração a que tem sido submetido desde que os europeu trouxeram a cana de açúcar e iniciaram o processo de escravização dos indígenas e dos africanos. Sempre lembro que um famoso e amado escritor ficou estupefato com a beleza de cores e movimentos dos caboclos de Tracunhaém surgindo em uma pequena elevação. Na Ocasião disse que era incompreensível que, após tantos anos de exploração, o povo ainda criasse tanta beleza. Ele poderia ter dito: após termos explorado esse povo durante quinhentos anos, como é possível ele ainda está com tanta vida, com tanta criatividade. Pois bem, Valéria Vicente revela em um de seus livros, que famoso colunista social acusava os caboclos do Maracatu Rural de levarem o cheiro de urina e mal gosto de suas fantasias para o carnaval do Recife. Dez anos depois, de muitas lutas e demonstrações de vitalidade, o mesmo cronista, no mesmo jornal, saudava os Maracatus que chegavam da Zona da Mata, especialmente de Nazaré da Mata, pois que traziam com os seu chocalhos, com seu vestuário colorido e alegre, um novo vigor ao carnaval da capital. O povo, os caboclos da Mata Norte, venceu o preconceito do cronista da elite conservadora de Pernambuco. E o que temos hoje em Nazaré da Mata, município que desse sua manutenção à cultura imaginada e criada pela dança dos caboclos que afirmam sua presença desde que seus antepassados, em guerra, perderam suas terras para um povo que, em diversas ocasiões, não cumpria o que havia sido acordado. Os Caboclos de Lança fizeram renascer o município de Nazaré da Mata e muitos outros da região, por isso o governo estadual cedeu terra para um monumento ao Caboclo de Lança, reconhecido como símbolo nacional na capital da Inglaterra, anunciando as Olimpíadas a serem realizadas no Brasil; um artista criou belos caboclos gigantes que foram cobertos de azulejos pela mulheres da Associação das Mulheres de Nazaré da Mata. Um espaço para os Maracatus, para os caboclos que são os cortadores de cana, os criadores das duas principais riquezas do município e da região. Mas a elite local, ignorante e pouco versada na história do seu país, ou mesmo envergonhada do povo que a alimenta, fez eleger um prefeito que, durante o carnaval, mandou avisar por de seus secretários – terá sido o da cultura? – que o monumento aos caboclos, ao maracatu, aos trabalhadores rurais será destruído para construir um “parque de eventos”. Talvez ele esteja pensando trazer, para o “seu parque de eventos”, algumas atrações que são exatamente isso: É VENTOS.

Ao caso do racista do Rio Grande do Sul, cabe processos jurídicos. Que ele seja punido no rigor da lei para aprender a ser gente e não envergonhar seus pais, e seu país. No caso de Nazaré da Mata, devemos pedir a intervenção do Secretário de Cultura do Estado que defenda o patrimônio cultural da região. Talvez o secretário de Educação possa ser chamado para que o prefeito e seu secretariado assista algumas aulas (debates) de história da região e do Estado, mesmo sabendo que cimento duro não absorve água.  

Bibliografia

VICENTE, Ana Valéria. Maracatu Rural: o espetáculo como espaço social. Recife: Associação Reviva, 2006.

https://ensinarhistoria.com.br/o-fardo-do-homem-branco-exaltacao-do-imperialismo/

Uma vista técnica: uma viagem para ver o passado no presente

fevereiro 26th, 2023

UMA VIAGEM PARA VER O PASSADO NO PRESENTE.

Prof. Severino Vicente da Silva, UFPE; sócio correspondente do IHAGGO, sócio da CEHILA, sócio do IHO.

Após as delícias do carnaval, este mês terminou com uma experiência desejada, faz tempo: conhecer alguns engenhos da antiga Capitania de Itamaracá no município de Goiana. Quando conversamos sobre o Goiana, quase sempre nos voltamos ao seu passado e, mais explicitamente, sobre os seus aspectos externos, o material artístico, arquitetônico construído na parte central da cidade, os lugares para onde se dirigiam os que iam cultuar a sua religião, seus santos e seu Deus. Esses lugares importantes testemunhas da longa, e ainda curta, história dos brasileiros, refletem a riqueza que era produzida nos canaviais e engenhos desde o tempo que os portugueses tomaram para si as terras dos tabajara, dos caeté tantos outros povos que viviam na região. Mas ainda hoje esses canaviais são importantes fonte de riqueza para a município. Sempre quis saber onde estão, com estão, qual o segredo que hoje escondem esses canaviais que vemos da janelas dos ônibus ou dos automóveis particulares, ao cruzarmos essa BR 101. O que há além dessa paisagem?

O Instituto Histórico Arqueológico Geográfico de Goiana – IHAGGO, promoveu a realização desse desejo. No dia 25 de fevereiro, saímos em 20 pessoas para conhecer três engenhos: Miranda, Itapirema do Meio e Itapirema de Cima. Miranda é um engenho está localizado próximo à rodovia PE &@, na direção de Condado que, antigamente, era Goianinha. A Casa Grande que visitamos não é a original, e recentemente foi vitalizada, e apresenta mobiliário do século XIX e XX. Fomos recebidos com atenção pelos proprietário que, à medida que falavam da família, nos indicavam os pontos que eles organizaram para mostra, desde a sala de entrada até à cozinha. Observamos o cuidado na restauração do imóvel, ainda que não tenha sido recuperada com a assistência de restauradores profissionais. Há uma segunda casa senhorial, não recuperada, que apresenta melhor como se vivia no início do século XX em casa anterior à chegada do ferro e vidros. Esses apetrechos chegaram com os acenos da Revolução Industrial. Mais abaixo está situada a Moita, ou que resta dela, pois foi reordenada para ser uma cocheira, um recolhimento para os bois. Com a morte do fogo, o engenho passou a fornecer cana para as usinas, e fez o trajeto de mudança do carro de boi para o caminhão, como atesta a pequena oficina de manutenção próxima à casa do administrador. O Engenho Miranda também está mais conhecido pela particularidade de que, em sua capela, dedicada à Senhora Santana, encontra-se os restos mortais da família, especialmente de uma adolescente que tem sido cultuada como santa, a Xaninha, morta na epidemia ocorrida nos anos sessenta e setenta do século XIX. Dela é dito que tinha grande preocupação pelos escravos trabalhadores do engenho. Na segunda metade do século XX seu culto foi ativado e pequenas romarias eram realizadas duas vezes por mês, com missa, até o período da epidemia de COVID. Pelo que ouvimos, os proprietários estão interessados em tornar mais comum as missas, pois a presença de público  ajudaria a preservação do espaço.

E, seguida voltamos ao canavial e seguimos em direção ao Engenho Itapirema do Meio, onde chegamos já um pouco depois das 11 horas. As estradas de cana estavam molhadas da chuva recente, vimos que houve queimada recente, mas não encontramos nenhum caminhão de transporte. É dito que Dom Pedro II ficou hospedado nesse engenho, quando se dirigia à Goiana. Mas a casa grande que encontramos não reflete a antiguidade, esperada, mas parecendo ser uma construção do início do século XX, como pode ser observada pela data da capela, 1913, e pela chaminé da usina, que ostenta a data de 1937. Vimos que foi construída pequena vila para os trabalhadores no local onde pode ter existido a construção a que se refere a tradição, mas apenas escavações arqueológicas poderão sanar essa dúvida. A casa grande, não colonial, está sendo bem cuidada e não tivemos a permissão de nela entrar.

Foi Itapirema de Cima o  nosso terceiro destino, o que nos levou a atravessar o povoado de Sapé, onde pudemos observar, de passagem, a feira semanal, restos do posto de televisão comunitária que era comum nos anos de 1970, que hoje serve de praça. Notamos que o povoado é bem surtido em serviços como mercados, escola, manicure, barbearia, mercado municipal. Esse povoado, como outros da região da Mata Norte, é formado pelos descendentes dos escravos. Mutatis mutantes, essas periferias são as antigas senzalas, distantes dos olhos dos senhores que não desejam ver o que a cana produz com o açúcar, o melaço, a cachaça e o vinagre.

Após Sapé, seguimos pelo canavial até o Engenho, com sua majestática Casa Grande, construída acima de todos. Passamos pelo rio que fazia girara a roda da moenda do engenho, encontramos gado solto pastando e, chegamos à Casa Grande que só não está completamente abandonada porque seus proprietários contratam pessoas para lá viverem e evitar a sua destruição. Atualmente é um casal que cuida da casa que está quase em ruínas. Com andar térreo, local da oficina e onde teria sido posto um depósito de açúcar. Para ter acesso à parte superior, seja dizer, a residência, com mais de uma dezena de cômodos, subimos um escada com vinte degraus, de cada lado; abaixo do encontro dos degraus há espaço para um nicho onde, nos tempos de ouro, deveria ter sido a morada de algum santo protetor. Na parte posterior da casa grande está um pomar e a capela do engenho, completamente dominada por caca de morcegos, e parece ter sido transformada em local para guarda de fertilizante. Comi deliciosa goiaba, arrancada do pé por Josué.

Um brinde especial nos foi ofertado por Basílio Augusto que nos levou a um local que a tradição aponta como sendo o início de um túnel que teria sido construído pelos holandeses, ligando o Itapirema de Cima ao Engenho Ubu. São muitas as questões a serem levantadas em torno dessa tradição, baseada em escrito de Pereira da Costa que quase sempre oculta os sujeitos das ações e os documentos de onde tira as informações. Fala-se de minas de ouro, existência de vulcões, etc, mas tudo dito em frase de sujeitos ocultos, quais fantasmas. O buraco que vimos é capaz de passar o corpo de um jovem adolescente e tem a profundidade de cera de 1.70cm.

Agradeço aos amigos do IHAGGO pela oportunidade de conhecer o mundo que se esconde nos canaviais.  

Em cada um desses locais visitados foram lidos textos alusivos, ora pelo professor Bartolomeu e Victor Romanelli, tudo registrado pelas múltiplas câmeras de nossos fotógrafos.    

CARNAVAL – O PAÍS DA COCONHA

fevereiro 21st, 2023

CARNAVAL ou o PAÍS DA COCONHA

Prof. Severino Vicente da Silva

Estamos em pleno carnaval, esta grandiosa festa que tem crescido de importância nas últimas décadas, este início de século. Paralelamente tem crescido também o número daqueles que afirmam acreditar em uma divindade que falou, ainda fala, através de livros sagrados, devidamente analisados e traduzidos por pastores cada dia mais envolvidos com temas mais relacionados com banqueiros que os bancos das igrejas. Talvez as igrejas sejam as novas e principais casas bancárias, com gerentes competentes, divinamente competidores pelo controle de almas perdidas, que desejam ser controladas por alguém ou algo. Estamos em pleno carnaval e, olhamos ao lado e vemos pessoas sempre a sorrir, com os olhos em ação permanente na busca de outras pessoas. Carnaval é uma festa que não suporta a tristeza, só a alegria do amor, das sensações. O carnaval transporta, quem deseja ser transportado para outro espaço de vibrações. Tem uma canção na qual uma folião distante diz “Recife está dentro de mim”, sendo que sua poesia está toda na descrição do carnaval, das pessoas com as quais viveu carnavais passados, transporta-se para o Recife, mas é o carnaval que está dentro dele, um Recife onde é possível ser feliz, mais feliz, talvez, do que o Recife no qual viveu. O carnaval é um “rio passa levando barcaças para o alto do mar” com a Harmonia Antiga das ruas nas quais os Ferreiras, Nelson e Ascenço, faziam a Introdução aos Catimbós de Água Fria. O carnaval parece ser o rito de celebração fundante da vida ou da civilização.

Embora exista em todos os quadrantes da civilização ocidental, esta festa parece estar a tornar-se uma segunda alma brasileira, algo definidor, se não do Brasil, talvez seja o que une as populações mestiças, quase que formando uma nação paralela. Recife, Salvador e Rio de Janeiro competem por ser o mais animado e maior dos carnavais, seguido de perto pela maior cidade nordestina na diáspora. Minas Gerais aparece na lista com Ouro Preto, mas perdendo espaço para Belo Horizonte, cidade dos tempos mais modernos e republicanos. Aliás, como esquecer que o carnaval que hoje temos é consequência desses dois grandes processos ainda não terminados: o da abolição da escravatura e a formação da República. Então a festa ancestral promove a lembrança da liberdade primeva, quando todos eram iguais, pois que essas igualdade e liberdade ansiadas não parecem fazer parte do ideário daqueles que promoveram o faz de conta da Abolição e o me engana da República. No carnaval quase que se abole as diferenças e promove-se a igualdade. Quase, dizemos, pois quando o olhar se dirige para os lados e os finais dos blocos, podem ser avistada uma multidão que carrega latas de cervejas a serem consumidas; outra multidão cata as latas que são jogadas ao vento após o consumo, na certeza que não ocorrerá o acúmulo excessivo do lixo, graças aos catadores. Sempre foi assim, dirá aquele spenceriano, acolitado pelos pastores que afirmarão “pobres sempre os tereis”. Na dita “quarta feira ingrata” abandona-se a igualdade, todos são carregados para o reino da liberdade e igualdade inalcançáveis. Começarão a ocorrer o tempo das happyhours nos fins de semana.

O carnaval faz parte da vida humana, a parte vivida com paetês, e não é a única que está sendo vivida no planeta que é carregado de outras vidas, as quais carregam outras obrigações para além da simulação da felicidade. O planeta e seus habitantes continuam a trajetória onde o carnaval não acontece. Quem deseja outra coisa além de uma “vida boa e não precisa pressa”, se o carnaval é uma enorme “casa de Noca” onde a “juventude dourada faz o que seus avós fizeram tempos atrás” em busca das “viuvinhas do artista James Dean”, essas “morenas tropicanas” carregadas dos sabores das manga rosa, dos sapotis e juás, com as peles macias e carne de caju, cujos beijos têm sabor de mel de uruçu e do caldo da cana caiana? Será o País da Coconha?

Encruzilhadas civilizacionais

fevereiro 11th, 2023

Encruzilhadas civilizacionais.

Prof. Severino Vicente da Silva

ORCID  000000189111409

A vida pulsa de maneira tão inusitada e, ao mesmo tempo, parece repetitiva. Há milhares de anos que a terra se move e se agita. Move-se silenciosamente no espaço, seguindo uma rota que lhe é própria em meio a uma imensidão de outros corpos, que se atraem e se repulsam. Internamente, contudo, ela é pura agitação, movimentos dos quais não temos conhecimento imediato e, vez por outra explode em forma de vulcões terremotos. A terra se move e não nos pede licença. Também, para organizar-se em culturas e civilizações, os seres humanos não pediram licença para sulcar a terra, modificá-la externamente com o objetivo de produzir alimentos, levantar casas, abrir veredas, controlar o movimento das águas e dos ventos. Os primeiros séculos de convivência dos humanos com a terra, da qual eles fazem parte, parecem ter sido mais tranquilos que os dias de hoje. Apenas parece, como nos deixam entrever as tradições que os povos antigos deixaram em algum tipo de suporte documental. Sabemos da fúria de Posseidon, dos dilúvios presenciados por Gilgamesh e Noé, dos monstros que se alimentavam de humanos.

Nos últimos trezentos anos a ação dos humanos sobre a terra tem sido aumentada e, novas modos do que fazer para manterem-se vivos, fizeram os grupos humanos modificar o relacionamento com o que costumavam chamar de Mãe Terra, Pachomama, e outras maneiras carinhosas de reconhecimento ao lugar onde viviam. E lhe prestavam culto. Perdeu-se a ternura e o jeito poético de conviver com a natureza. Gilberto Gil chamava os poetas e os namorados para cantar “talvez as derradeiras noites de luar”.  E, se as religiões mostraram que os homens deviam reconhecer-se na natureza, as tecnologias que foram sendo criadas para garantir a sobrevivência dos humanos, começaram a ferir a natureza, a terra, distanciando-se dos afetos que uniam homem e terra, a ponto de começarem justificar o estranhamento, a separação, rompendo os laços amorosos que as primeiras civilizações haviam se permitido.

Ao distanciar-se da terra e não se ver mais como parte integrante dela, os humanos começaram a aprofundar a separação entre eles mesmos e com a terra; rompendo esses laços estabeleceram entre si relações de exploração, de dominação, cuidando para que a cooperação que sempre existiu, passasse a ser vivida apenas visando os interesses imediatos do seu grupo imediato. Quase nunca se percebe os efeitos dessas opções. A terra emite, vez por outra, reações que tornam explicitas as consequências das relações desrespeitosas mantidas por grupos humanos contra seus outros grupos humanos. A exploração sem limite das possibilidades da terra por um grupo, faz crescer o egoísmo que as religiões e as filosofias tentaram suprimir ou domar. As consequências dos terremotos recentes, no Haiti e na Síria e Turquia, matam tanto quanto os passado, e explicitam as condições em que viviam os milhares de mortos.

Uma imagem que ficou na minha memória foi o contraste do vestuário do presidente/ditador da Turquia com o vestuário dos que  viviam nos edifícios que foram abaixo, empurrados pelo movimento das placas tectônicas em movimento. O terremoto é natural, como foi o que destruiu parte de Lisboa, o que afetou as instalações nucleares do Japão, bem como a explosão que guardou Pompéia.

A formação e a expansão das culturas, processo de transformação da natureza para garantir a sobrevivência dos humanos tem um preço altíssimo pois, a longa infância dos filhotes humanos exigiu um esforço maior para garantir a sobrevivência das crias que chegavam, um aperfeiçoamento na forma de conseguir alimentos e, como nas demais espécies animais, cuidar defender-se daqueles que, não tendo conseguido os alimentos necessários para si e para os seus, procurou o alimento já coletado. Creio que aqui está a principal encruzilhada da vida humana: dividir o que tem ou manter para si deixando o outro à morte. Esta é a tensão da humanidade entre o altruísmo e o egoísmo. A crescente acumulação de riqueza por alguns em sido a resposta dada pela humanidade, como demonstrado está na organização das primeiras civilizações, onde quer que elas surgissem. Um grupo conseguiu ter acesso ao produto do trabalho de todos. Esse processo acelerou-se mais nos últimos três séculos. Aceleração causada pela organização do conhecimento, um trabalho quase sagrado ao qual poucos tinham acesso provocou a organização de bibliotecas em suas diversas formas, selecionando o grande saber que deveria ser mantido, e este veio a ser privilégio de alguns, justificativa do poder, e o conhecimento que restou à maior parte da população, foi o conhecimento básico necessário para a reprodução da vida. A complexidade dos saberes atingida pelo que vem sendo criado pelas sociedade, ampliou a divisão social e restringiu o saber para poucos.  Consolidou-se a sociedade que separa. Decorre daí a interminável a tarefa de convencer os humanos que a terra é de todos. Muitos que travam esse combate prometendo que está organizando um grupo de pessoas para promover o fim das exclusões, logo que são aceitos nesse processo começam a agir de forma semelhante ao que pretendem mudar, passam a vestir o costume daqueles a quem diz querer modificar. Costume é uma palavra que remete a vestuário. Pelo costume você sabe qual é o costume que virá a se manter. Pequenas e médias mudanças ocorrem neste processo, e elas garantem a continuidade da vida. Mas não sem sofrimento. Enquanto refletia sobre as mudanças ocorridas nos século XIV a XVI na Europa, especialmente sobre o processo da expansão europeia e do processo de evangelização, uma jovem percebeu que esses são aspectos do mesmo processo, então  a pergunta é: o que está acontecendo, em nosso tempo, com o povo Yanomami não será o mesmo processo que ocorreu com os Caeté, Tabajara, Aymoré e todos os povos que viviam em Pindorama (Terra das Palmeiras, para os Tupi), para a América pode ser Abya Yala (Terra em florescimento ou Terra viva, para os Kuna, povo que vive no Panamá). O processo de ocupação e destruição da terra que ocorre em Rondônia não tão dessemelhante do que ocorreu nas Gerais dos séculos XVII e XVIII.  E o comportamento dos garimpeiros, com exceção da tecnologia mecânica, não difere muito do modo de fazer utilizado pelos bandeirantes que, dizem os livros guardadores e transmissores do saber, fizeram os limites do Brasil. A destruição da terra vem sempre acompanhada da destruição dos homens.

 E é esse o paradoxo que vivemos nos dias atuais: viver na compreensão que devemos deixar a terra viver para que possamos viver nela. Talvez, se conseguirmos diminuir o grau de exploração dos humanos, diminuiríamos o grau de exploração da terra aumentaríamos o antropoceno. Mas isso significa mudar a civilização. Faremos isso?

Olinda, dia de Nossa Senhora de Lourdes, cuidadora dos enfermos.  

COMO CHEGAMOS AO BICENTENÁRIO

janeiro 28th, 2023

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COMO CHEGAMOS AO BICENTENÁRIO, Um percurso pessoal na compreensão da Independência do Brasil[1]

Professor Severino Vicente da Silva[2]

ORCID  000000189111409

  1. INTRODUÇÃO COM LEMBRANÇAS

                    Em pouco dias o Brasil irá comemorar o aniversário de duzentos anos de uma ação que ocorreu às margens do Riacho Ipiranga, localizado na cidade de São Paulo.  Ali ocorreu o e encontro de Paulo Emílio Bregaro e o Major Antônio ramos Cordeiro com a comitiva do príncipe dom Pedro que estava retornando de Santos. Tendo recebido as cartas que lhes foram enviadas por sua esposa e regente Dona Leopoldina e o ministro José Bonifácio de Andrade e Silva, Dom Pedro. Narra Rocha Pombo[3], em sua História do Brasil, que Dom Pedro, comovido, teria dito que “é preciso acabar com isso”. Estava referindo-se ao que informavam as cartas. Diziam elas que as Cortes portuguesas haviam decidido que o Príncipe estaria destituído da Regência e que, em trinta dias, deveria estar em Portugal. Foi diante dessa situação que as cartas chegadas do Rio de Janeiro instavam que chegara o tempo de completar o processo que vinha sendo construído desde final do século XIX, a independência do Brasil. Diz Rocha Pombo[4] que Dom Pedro monta seu cavalo e conclama, informa que o Brasil estava separado de Portugal, e resume o projeto para os brasileiros, o grito de “Independência ou Morte”.

Depois de lembrar como um historiador tradicional e voltado para a organização de uma narrativa heroica e romântica da história do país, talvez eu devesse lembrar como foi-me ensinado a reconhecer-me brasileiro e a comemorar o Dia Sete de Setembro como o momento mais importante da nossa história brasileira.  Comemorar o Sete de Setembro é dizer que é brasileiro e que será capaz de morrer pelo Brasil, como diz o hino que o proclamador da Independência fez, tanto a música quanto a Poesia. O Refrão que aprendi antes do que chamamos hoje de Quinta Série, diz assim “ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil”.

A mais antiga memória que tenho dessa data e que me liga às demais pessoas que se afirmam brasileiras, é entre as canas do engenho de fogo morto que pertencia ao meu padrinho de batismo, localizado em lugar chamado Eixo Grande. Não sei se participei da caminhada, ou se foi um sonho que tive. Ali, uma tia minha, Djanira, casada com o irmão de meu padrinho (creio que foi o casamento dessa irmã de minha mãe que permitiu que meu pai pedisse a Cazuza e sua esposa Odete, que fossem meus padrinhos) era a professora e eu devo ter, ou desejado, participar, das suas aulas. Tia Djanira fez seus alunos, formados em batalhão, como ela deve ter aprendido quando aluna, para comemorar a Independência do Brasil entre as fileiras de cana, cana que o engenho já não moía, mas fornecia para alguma usina. Brasil, professora, canavial, família, tudo isso se juntou na minha memória como o primeiro retrato que tive do Brasil independente.

Outra lembrança que tenho, é de lido e aprendido uns versos, uns versos de louvor à independência e a Dom Pedro I. Definitivamente ele era o meu herói, o libertador de minha pátria, do Brasil que eu estava cada vez amando mais. Essa lembrança é do tempo em que minha família já havia migrado para o Recife, e eu sonhava em vestir uma galante farda militar e, se fosse necessário morrer pelo Brasil.

Mas então as leituras e as experiências foram fazendo-me compreender melhor o Brasil e como ele se apresentava. Nos anos de 1960, o Recife recebeu mais uma das tradicionais enchentes do Rio Capibaribe, e que veio acompanhada de muitas chuvas. Creio que essa enchente tem uma importância muito grande na minha maneira de ver e viver o Brasil. Um ano antes, havia ocorrido o golpe realizado por civis e militares para derrubar o governo do presidente João Goulart, e diziam que fizeram tal ação para salvar o Brasil do comunismo e da corrupção. Até mesmo, nos meus simples catorze anos, participei da campanha “Dê ouro para o bem do Brasil”.  Então vieram as chuvas, a enchente de 1965, e vi que no Brasil, havia muitos brasis. O Recife havia crescido e poucos haviam notado que crescera na beira do rio, formando a “população ribeirinha” como falava o então prefeito da cidade[5]; o Recife havia crescido com casas erguidas nos morros e barreiras que margeiam a cidade, casas frágeis, com pouca sustentação e que desabaram. E o “Ouro para o bem do Brasil” não apareceu para cuidar do povo brasileiro. E veio a cheia em 1975 e o drama se repetiu. Não se cuidava, ou melhor não se importava, que o crescimento econômico estava produzindo pobres.

Como chegamos a ser, em 2022, quando completamos dois séculos de nação independente, sermos tão ricos e com tantos pobres, com gente sem ter alimento?

  • O MOMENTO DA INDEPENDÊNCIAEO PRIMIRO IMPÉRIO

Quando Dom Pedro I proclamou a nossa Independência de Portugal, a nossa riqueza era produzida pelo trabalho de escravos, de pessoas que eram compradas na África e trazida para o Brasil. Naquele ano de 1822 a população do Brasil era de 4.396.132 habitantes, sendo que 1.107.389 eram escravos. Quer dizer que livres eram 2.488.743, a que se somavam cerca de 800.00 “índios não domesticados”. O novo Estado assentava-se nas mesmas bases que foram firmadas pelos portugueses enquanto foram donos do Brasil: o apoio dos grandes proprietários. Isso significa dizer que não ocorreram grandes mudanças em relação ao passado, foi quase como uma transferência de herança do pai – Dom João VI de Portugal, para Dom Pedro, seu filho, agora proclamado Imperador do Brasil. Manteve-se o modo de produzir riqueza, tendo a escravidão dos africanos como base trabalhadora, uma pequena parte da população branca dedicada ao comércio e, um menor número ainda de proprietários que governavam o Brasil.

  • PREPARANDO A INDEPENDÊNCIA

Mas o ato ocorrido “às margens plácidas” do Ipiranga não foi resultado apenas das vontade e decisões de Dona Leopoldina e José Bonifácio, o que ali aconteceu foi uma culminância de ações realizadas por homens e mulheres desde o século XVIII, e nós estudamos isso quando mencionamos a Conjuração Mineira de 1879, a Revolta dos Alfaiates, na Bahia de 1889, que já demonstravam insatisfação dos proprietários de minas de ouro, e dos artífices soteropolitanos com o tratamento que a Coroa Portuguesa dedicava ao Brasil. Além disso, as mudanças políticas ocorridas na Europa desde a Revolução Francesa que pôs fim à monarquia absoluta naquele país, e desestabilizou a tradição forma de governo dos europeus. As guerras decorrente desse cenário provocou a crise do império espanhol e as consequentes independência dos povos americanos que estavam dominados pela Espanha. A Independência do Brasil, além de ser um anseio dos brasileiros, era também a consequência das modificações políticas e econômicas vivenciadas pela comunidade internacional. Nenhum país está isolado dos demais.

Foram as mudanças europeias que trouxeram a família real portuguesa para o Brasil, mais especificamente para o Rio de Janeiro, pondo fim à condição de colônia vivida pelo Brasil. Foi a tentativa que recolonizar o Brasil que levou a esposa do príncipe regente a aconselhar e direcionar Dom Pedro para tornar o Brasil independente, “antes que um aventureiro lance mão d coroa”, como aconselhara Dom João VI ao seu filho, quando foi forçado a retornar a Portugal em 1821. Dom João sabia que era inevitável que Portugal viesse a perder a aliança com o Reino do Brasil, criado por ele em 1815. Ele teve que sufocar os anseios de independência de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, em 1817. Foram muitos os enforcados e arcabuzados, foram muitos os mártires da liberdade, e muitos foram enforcados no que hoje chamamos de Praça da República, onde está localizado o Palácio Campo das Princesas. mas durante alguns anos era conhecida como Campo dos Mártires. A repressão à Revolução de 1817 foi muito exemplar, uma ação para que os brasileiros não voltassem a pensar em independência. Entretanto o movimento histórico é irreversível e, entendendo o que estava a ocorrer, é que Dom João VI deu aquele conselho político ao seu filho, que o seguiu e tornou o Brasil uma monarquia típica da Europa.

  • O SANGUE DERRAMADO PELA INDEPENDÊNCIA

Uma nação é forjada pelo heroísmo diário de cada cidadão, entretanto, estamos sempre a estudar a história dos heróis que estiveram nos campos de batalhas. Quando estudamos a história de nosso país parece que nem tivemos os heróis anônimos que trabalham diariamente, nem mesmo os heróis dos campos de batalhas, pois elas não aprecem em nossos currículos, em nossas aulas de história. Alguns chegam a pensar que somos um povo pacífico e que nunca fez guerra nem derramou sangue pela terra em que vive e constrói a sua vida e de sua família. No caso de Pernambuco, a semana de 6 a 10 de outubro deveria ser de festejos, pois naquela semana, no ano de 1821, foram expulsos de Pernambuco os soldados portugueses e, depois daquela semana, nenhuma autoridade portuguesa mandou em nosso Estado. Estávamos independentes, e isso foi obra dos habitantes da Mata Norte, liderados pela Câmara de Goiana, Nazaré, Olinda. Foi assim que começamos a ser independentes.

Quando, em setembro de 1822 Dom Pedro levantou o brado da independência, portugueses, em diversas províncias levantaram-se contra e, tivemos a Guerra da Independência e suas batalhas. Uma delas ocorreu nos limites das províncias de Piauí, Ceará e Maranhão, e é conhecida como a Batalha de Jenipapo, nas margens do riacho do mesmo nome, no ligar Campo Maior, em 13 de março de 1923. Mais de duzentos brasileiros morreram nessa batalha que derrotou exército português comandado pelo Major João Fidie.

 “Vaqueiros, roceiros humildes, que lutaram sob o comando dos bravos Luís Rodrigues Chaves, João da Costa Alecrim, Inácio Francisco de Araújo Costa, Salvador Cardoso de Oliveira, Alexandre Nery Pereira Nereu, Pedro Francisco Martins, Simplício José da Silva e José Pereira Filgueiras. Eles permaneceram durante muitos anos no esquecimento. Apenas algumas toscas pedras marcavam o lugar das sepulturas com restos desses valentes, mortos sem que deixassem à posteridade ao menos os modestos nomes.”[6]

Foi um número maior do que os mortos nas batalhas baianas que duraram um ano de quatro meses, que teve 150 mortos, e que encerrada em julho de 1823. Na luta pela independência da Bahia, duas mulheres firmam-se como heroínas: Maria Quitéria, uma jovem mulher que passa a usar roupas masculinas, entra no exército brasileiro e recebida vitoriosa com a tropa na cidade de São Salvador. A outra mulher é a Irmã Maria Angélica, superior do convento da Lapa, onde morreu na defesa da independência.

Teremos mais histórias como essas à medida que pesquisarmos mais o povo brasileiro, não apenas os que governam.

Mas, a separação definitiva veio em abril 1831, com o Imperador tendo que renunciar o poder, uma vez que o povo do Rio de Janeiro levantou-se contra as suas atitudes autocratas, impondo portugueses como ministros em seu governo. Na primeira semana de abril de 1831, a população, em revolta, recebeu o apoio da tropa que havia sido mandada a reprimi-lo, o coronel Francisco de lima e Silva, colocou o exército ao lado do povo, e o imperador foi obrigado a renunciar e voltar para Portugal. O mesmo povo que pediu em janeiro de 1822 para que ele ficasse no Brasil, desobedecendo as ordens portuguesas, em 1831 o obriga a voltar para Portugal, cuidar dos seu interesses, que era o bem de Portugal, o trono de sua filha Dona Maria da Glória.

  • A INSEGURANÇA DOS PRPRIETÁRIOS

A partir de 7 de abril de 1831, sem um rei que simbolizasse a união da nação, o Brasil foi governado por Regentes escolhidos pelo Parlamento, e eles se viram diante do desafio de manter o país unido nas bases que foram definidas nos primeiros anos após a independência. Dom Pedro reagiu violenta e raivosamente contra Pernambuco, a única província que colocou em dúvida a Carta Constitucional que ele impusera à nação. A Confederação do Equador, de 1824, foi um momento político que pôs em risco a sua autoridade, que alguns ainda hoje preferem dizer que foi um movimento separatistas, mas o sentimento dos pernambucanos era de promover o respeito à constituinte que fora eleita e evitar a concentração de poder autocrata, que teve o nome de Poder Moderador. Nos dez anos que se seguiram à saída de Dom Pedro, o Brasil assistiu revoltas lideradas pelos poderosos regionais, como a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul; a Sabinada, na Bahia; as Revoltas Liberais de São Paulo e Minas Gerais; mas também o clamor dos mais pobres como a Cabanagem do Pará e a Balaiada no Maranhão. A maior parte desses movimentos apontam para a insatisfação e temor dos proprietários diante o poder concentrado no Rio de Janeiro, e eles foram pacificados com maior ou menor grau de conversação política; entretanto, os movimentos de caráter mais popular e formado a partir dos escravos e ex escravizados, como a Balaiada e a Cabanagem, receberam repressão terrível. No caso da cabanagem, ocorreu o massacre de quase metade da população da Província, isso para garantir que o Estado seria o Estado dos proprietários de terra e de gente.

Finalmente o acordo chegou com uma ação parlamentar que concedia maioridade ao adolescente Pedro, coroado imperador em 1840. Mais alguns anos de negociações e, finalmente, em 1851, foi feita a Lei de Terras, que impedia o acesso à posse de terra a quem não tivesse fortuna monetária. Formava-se, definitivamente a exclusão dos brasileiros pobres e, dos escravos que viessem a ter liberdade.

  • O GOVERNO DE PEDRO II, PERÍODO DE PAZ

Na segunda metade do século XIX o Brasil foi introduzido, definitivamente na Revolução Industrial, no mundo moderno, não como protagonista, mas como personagem secundário que recebeu, ao seu tempo os benefícios da industrialização. Essa modernização pode ser verificada com a adesão ao sistema Métrico Decimal, e o povo desconfiado não acreditava nas balanças que passam a ser utilizadas nas feiras, por isso a Revolta dos Quebra Quilos, no sertão da Paraíba; o Ronco da Abelhas, em Paudalho e Nazaré da Mata, Pernambuco; o Censo para contar a população, que o povo entende que é para re-escravizar os que haviam conseguido a Carta de Alforria ou descobrir escravos fugidos. A tudo isso o povo excluído resistia. Finalmente, o povo chamava a Lei de Terras de a Lei das Cercas, porque a terra começou a cercada e impedia o povo ter acesso aos mananciais de água, o que fez os períodos de estiagem, as secas geográficas, tornarem-se Secas Sociais, nas quais o povo morria de sede olhando os açudes. Nesse período ocorreu a grande Peste de 1866, data que vocês podem ler em alguns cemitérios criados então, como o de Nazaré da Mata. Em 1877, milhares de brasileiros morreram de fome nos sertões de Pernambuco. Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Alguns foram enviados para a Amazônia, e tornaram-se trabalhadores nos seringais e, enfrentando os sindicatos norte-americanos, tornaram o Acre parte do Brasil.[7] Esse foi também um período de guerras entre as famílias proprietárias pela posse de suas terras, e dessa disputa, parte do povo se torna cangaceiros, prestando serviço a este ou aquele proprietário. Alguns cangaceiros resolveram lutar por conta própria, e foram perseguidos pela Guarda Nacional, que era dirigida pelos senhores de terras. É daí que vem o hábito de chamar “autoridades” de coronéis. E na base de tudo, está o trabalho dos negros escravizados, os mulatos, os morenos, os curibocas, os caboclos e os brancos pobres, todos a serviço dos proprietários.

 Nas capitais a vida moderna parecia tornar-se mais comum, com a chegada dos trens, facilitando o transporte do café, no sudeste e o açúcar no Nordeste, a iluminação noturna das ruas, a introdução de serviços de água e esgotos e, não vamos esquecer, a vinda de milhares de europeus desempregados e destituídos de tudo, que imigraram para o Brasil, como uma alternativa para a mão de obra escrava que, os proprietários sabiam, que logo seriam libertados, como o foram em 1888, após a criação de várias leis, criadas pelo parlamento formado de escravistas, que  objetivavam postergar a Abolição. As leis do Sexagenário, lei do Ventre Livre são demonstração da força dos escravistas na luta contra os abolicionistas Joaquim Nabuco, Luiz Gama, José do Patrocínio, Cruz de Rebouças e tantos outros.

Mas se os anos de 1870 foram de luta abolicionista, foi também a década do Guerra contra o Paraguai, uma guerra que, entre suas consequências está a participação dos negros e índios os campos de batalha, em defesa da pátria brasileira como sua. Muitos negros foram à guerra sob a promessa da liberdade, muitos índios e pobres alistaram-se nos batalhões de Voluntários da Pátria, e nem sempre tiveram uma retribuição por essa dedicação e esse amor a ela devotada. A Guerra do Paraguai alçou o exército como a principal arma da defesa nacional, formada por homens do que chamaríamos de classe média, e do povo comum. A participação dos mais pobres, inclusive de negros escravizados, na guerra contra o Paraguai levou o Exército a se recusar a manter-se como “capitão do Mato”, o exército recusou-se a continuar perseguindo os negros que fugiam do cativeiro. Fazia eco ao verso de Castro Alves:

Auriverde pendão da minha terra,

que a brisa do Brasil beija e balança,

estandarte que a luz do sol encerra

e as promessas divinas da esperança.

(…)

tu que fostes hasteados por heróis após a guerra,

antes fosses roto na batalha

que servires a um povo de mortalha.

Algum tempo depois, com os debates nas ruas, no Parlamento, nos jornais, com a pressão internacional, veio a lei Áurea, de 1888, não como unanimidade, pois vários deputados, como Francisco de Caldas Lins, Barão de Araçagi, representante de Pernambuco, votaram contra a Lei Áurea preparada pelo pernambucano João Alfredo. (GOMES: 2022. P.46)

Mas como nós sabemos, o fim da escravidão, tornou os negros livres, mas sem acesso aos bens que produziam, porque não houve uma política de integração dos negros na sociedade: não foram criadas escolas, e continuaram o uso das leis do tempo da escravidão.

  • A REPÚBLICA – Resumos dos primeiros anos

Um ano depois da festa da Lei Áurea foi proclamada a República, que ficou quase como uma continuidade da monarquia, agora sem o imperador. Foi feita uma nova Constituição que garantia os direitos para os cidadãos, mas o poder não foi redistribuído, pois a República se organizou de modo a manter os grandes proprietários no poder. Ocorreram algumas revoltas, como a liderada por setores da Marinha, e no Rio Grande do Sul, uma Revolta Federalista. Aconteceu que alguns setores populares estavam insatisfeitos com os rumos da política, e no interior da Bahia Antônio Conselheiros organizou a Vila do Senhor Bom Jesus, em Canudos, no Raso da Catarina. Essa reação do povo foi muito reprimida pela República que enviou o Exército para destruir a cidade.

Desde meados do século XIX até 1936, ocorreu o ciclo do Cangaço, que demonstrava a ausência do Estado para proteger os médios e pequenos proprietários e os trabalhadores rurais. Os cangaceiros eram originários desses grupos desprotegidos e reagiram de forma violenta à violência dos grandes proprietários e do Estado ausente. Estamos falando do Sertão, distante das capitais. Mas, também nelas os mais pobres não eram percebidos como cidadãos.

  •  O INÍCIO DO SÉCULO XX

   No início do século XX ocorreu uma nova arrumação no sistema econômico mundial e, mesmo sociedades que não participavam como protagonistas da Revolução industrial sofreram o impacto dessas mudanças. Capitais portuárias como Rio de Janeiro, Salvador e Recife tiveram que promover modificações técnicas nos seus portos e, evidentemente essas modificações mudaram o visual dessas cidades, pois prédios coloniais e do século XIX foram derrubados para a construção de avenidas mais largas, espaçosas para os novos meios de transportes, além de apressarem o processo de modernização gerado pela industrialização. A renovação dos centros urbanos tornou pública a situação na qual viviam os ex escravos e seus descendentes que não foram incorporados à vida política, social e econômica da República. As condições de suas moradias, antigos prédios e sobrados, agora pardieiros, em condições precárias de saúde e higiene eram focos de doenças, agravadas pela ausência de saneamento: coleta de dejetos abriam caminhos para doenças como a Febre Amarela que, agregadas à ausência de uma educação, serviram como estopim para a oposição aos governos que intervinham a serviço da saúde pública, o que ocasionou a “guerra da vacina”. A rejeição à forma de como eram tratados os pobres que viviam nos lugares escolhidos para serem “modernos” tomou forma em embates com a polícia como a Revolta do Vintém, no Rio de Janeiro, e o surgimento de valentões, capoeiristas que dominavam as ruas do Recife. A insatisfação dos pobres sempre foi tratada como um “caso de polícia”. Os confrontos e lutas continuaram ao longo do século XX, e eles ocorreram de maneiras diversas e, na música e danças populares temos os grandes exemplos, pois foi neles que a criatividade do povo brasileiro apareceu no Frevo, nas estreitas ruas do Recife, no Samba, nas favelas do Rio Janeiro.

Faz cem anos que o Brasil realizou uma grande festa para celebrar os cem anos de independência, uma festa que contou com a coordenação geral do ex presidente Epitácio Pessoa, e manteve o Brasil de então em destaque mundial que ele adquiriu na Conferência de Haia (1907) pela ação de Rui Barbosa, e nas negociações após a Primeira Guerra Mundial (Paz de Versalhes, 1919), com comitiva liderada pelo mesmo Epitácio Pessoa.

Enquanto uma nação surgia, travando um embate para não sucumbir à fome, trabalhando sem proteção do Estado, construindo suas moradias nas margens dos rios, nas encostas das ladeiras e morros, o “desejo de conciliação” que sempre aparece nas elites quando elas percebem que as mudanças são inevitáveis, as obrigou a fazer o reconhecimento de direitos sociais e políticos como o Voto Feminino, as Leis trabalhistas. Apenas após 1930 é que a elite governamental admitiu esses direitos, mas, uma vez mais, não cuidou de criar as condições necessárias para que esses direitos fossem usufruídos pela população.

A partir de 1939 foi instaurada uma ditadura que durou até 1945 e estabeleceu formas de controle do pensamento, da criatividade, ao mesmo tempo em que estabelecia as bases das relações de trabalho, com deferência especial para o grande capital. A Segunda Guerra Mundial, iniciada na Europa, deixou claro que parte da elite detentora do capital cultivou simpatias pelos regimes totalitários nazifascistas da Alemanha e Itália. A influência da ditadura representada por Getúlio Vargas e pelo interventor Agamenon Magalhães, em Pernambuco, é sentida em nossos dias, pois os que aspiram ser ditadores estão sempre a utilizar dos processos democráticos com o objetivo de destruir a democracia.

  •  SÉCULO XX: segunda metade

Após o final da Segunda Guerra Mundial novos rumos foram trilhados pelas nações: os países europeus encaminharam-se para uma vereda na qual o capitalismo aceitou a aplicar algumas das teses socialistas, o que gerou um sistema reconhecedor de direitos sociais, fazendo surgir a Social democracia, o Estado do Bem Estar Social, para barrar as tendências totalitárias contra as quais lutara; nações asiáticas e africanas floresceram no processo de descolonização, fazendo surgir novos Estados; na América Latina, procurando evitar a sedução dos regimes ditos comunistas, foram incentivadas iniciativas para fazer prosperar o capitalismo na região, o que formarem-se estados populistas nas frágeis democracias.

No Brasil, com parte de seu território marcado por longas estiagens, fenômeno geográfico das secas, deu-se início ao processo de industrialização tendo por base a Companhia Siderúrgica Nacional[8], em Volta Redonda, RJ, o fortalecimento de São Paulo como polo industrial, a criação da Petrobrás e outras empresas estatais para assegurar a entrada do Brasil como parceiro da economia mundial e liderança desse processo na América Latina. E, como símbolo dessa época desenvolvimentista: a construção de Brasília. O Nordeste viu-se envolto com a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste[9]. Mas todas essas mudanças foram realizadas sob a direção dos descendentes dos senhorios de terra e de gente. Foram mudanças superficiais e que não atingiram o âmago da nação. O temor de perder o controle da condução da sociedade, levou as elites econômicas e sociais, também intelectuais, a convidar os militares para dirigir o país.

5.3 O GOLPE DE 1964 e a ditadura

Assim nasceu o golpe de 1964, que se apresentou como uma revolução e assim se fez chamar nos livros didáticos, os que dão início ao processo de formação nas escolas. Então, para atender as necessidades do comércio e da indústria, foram criadas escolas públicas para o atendimento e ensino dos filhos dos trabalhadores. Até então eram poucas as escolas públicas, e elas atendiam principalmente os filhos da classe média. A expansão numérica das escolas públicas acarretou o declínio da qualidade de ensino. O retorno ao ensino de boa qualidade nas escolas públicas é hoje a principal luta dos professores, mas como os gestores públicos – prefeitos, governadores – e os legisladores demonstram interesse secundário com a educação escolar, essas escolas sempre apresentam carências, algumas funcionado sem banheiros, água, biblioteca, teatro e área de lazer. Tudo isso acompanhado com os baixos salários que recebem os que se dedicam ao trabalho, quase missionário, de fazer educação.

Foram duas décadas de ditadura, com alguns ganhos e muitas perdas; uma grande perda de tempo que já parece esquecido. Foram tempos dolorosos, a Brasil parecia que iria engrenar no processo virtuoso do crescimento, mas esbarrou na tradicional gula pelo poder econômico e político. Grandes projetos foram postos em prática – Usina de Itaipu, estrada Transamazônica e, contudo, o Brasil saiu mais pobre, mais endividado da experiência ditatorial. Alguns, contudo, viram seu patrimônio pessoal crescer, enquanto as favelas se multiplicavam nas grandes e médias cidades e nas periferias de algumas pequenas.

Interessante é que foi durante a ditadura que se viveu com algum sucesso o debate sobre os Direitos Universais do Homem, debate necessário para condenar as práticas de torturas contra os que se levantaram contra a ditadura. No mesmo ano em que é instituído a lei maior da ditadura, o Ato Institucional de número 5, começou o grande debate sobre a Carta da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos. A sociedade motivou-se sobre o assunto, especialmente a classe média quando percebeu que seus filhos eram contra a ditadura e estavam sendo perseguidos e mortos, ora nas ruas, ora nos quartéis. Enquanto a polícia perseguia apenas os pobres, a elite e os classe média não percebiam o que acontecia. Como atualmente, poucos se importaram com as torturas que nunca deixaram de acontecer em algumas partes do sistema. Aliás não parece ser à toa que hoje haja liberação de armas para caça, como se houvesse tantos animais em nossas florestas devastadas e queimada, elas que nunca tiveram leões, elefantes, hipopótamos e outros cujas mortes serviram para o prazer dos europeus na África.

5.4 FINAL DO SÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULO XXI

O esgotamento da política ditatorial e o apoio perdido internacionalmente, forçaram os militares entregarem o poder, e o fizeram de modo relutante, e em 1985 o Brasil recomeçou a construção de uma sociedade democrática. Vários governos, eleitos diretamente pelo voto popular, esboçaram e realizaram ações que promoveram algumas inserções das classes mais pobres no mercado de trabalho, nas universidades públicas pelo Sistema de Cotas, que agora faz dez anos; e por programas de financiamento em universidades e faculdades particulares fez crescer o número de pessoas com educação universitária, embora não tem sido solucionado a questão de oferta de educação básica para toda população. Com muito esforço os canais de televisão começam a apresentar um quadro de repórteres mais colorido, como é a população brasileira, mas este movimento veio a tornar explícito o racismo estrutural de nossa sociedade, um racismo que sempre existiu e que sempre foi negado. E se ainda não foram integrados os negros e pardos, menor ainda tem sido a integração dos povos originários.

  • CONCLUINDO DE MANEIRA INCONCLUSA

Neste segundo centenário da Independência do Brasil, não observamos uma preparação alegre para os festejos de 7 de setembro, como ocorreu no primeiro Centenário. Mais que nunca a sociedade brasileira está dividida e em dúvida sobre o que ela é, o que ela deseja ser. O comportamento da autoridade maior do país não é de organização coletiva capaz de unir os brasileiros em uma família mítica. Trocou-se o mito coletivo da nação pelo mito privado de uns poucos favorecidos, que parece ter os demais brasileiros como inimigos a serem eliminados. Chegamos ao Segundo Centenário sem uma maioria que assuma a nação com todos; continuamos sob a direção de uma minoria que desdenha do povo, que o deixa famélico para melhor manipulá-lo, como também manipula partidos políticos e políticos tíbios que evitam dizer o que pensam. Mas continuaremos, em nossas escolas a esclarecer que além das aparências, o Brasil há de contar sua história com a história de todos que o fazem, não um gigante “deitado eternamente em berço esplêndido”, mas um povo que luta, cheio de esperança com a “clava forte da justiça” pois os filhos do Brasil não fogem à luta, no amor e na defesa da Pátria Amada. E nossa pátria precisa de carinho, não de guerras, não de armas. Nossa pátria, nossa nação, carece de livros, bibliotecas, laboratórios de pesquisa e estudo.

FELIZ FESTA DO NOSSO BICENTENÁRIO.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL: UMA BIOGRAFIA. Lília M Schwarcz; Heloísa Maria Starlling (organizadoras). São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

CALDEIRA, Jorge. História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas. Costumes e governos. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2017.

COHEN, Benjamin. A questão do imperialismo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

DARON, Acemoglu.  Porque as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022.

A REVISÃO DO PARAÍSO: OS BRASILEIROS E O ESTADO EM 500 ANOS.  Mary DEL Piore (organizadora). Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000.

GOMES, Laurentino. Escravidão, Volume III. Rio de Janeiro: GLOBO Livros, 2022.

HISTÓRIA DA CIDADANIA. Jaime Pinsky, Bassanezi Pinsky (organizadores)São Paulo: Contexto, 2003.

O BRASIL NO CONTEXTO: 1987 -1997; Jaime Pinsky; José de Souza Martins (organizadores); São Paulo: Editora Contexto, 2017.

PINHEIRO, Francisco José. Ceará: Seca e Migração. Análise histórica da incorporação do Ceará como fornecedor de mão de obra ao mercado Capitalista in A Igreja e a Questão Agrária no Nordeste, subsídios históricos , SILVA, Severino Vicente da (organizador). São Paulo: Edições Paulinas, 1986. [23-30]

ROCHA POMBO, José Francisco da.  História do Brasil. São Paulo: Edições Melhoramentos. 14ª edição. 1967.

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—        Da Guerra à neo-cristandade, a Tribuna Religiosa. 1917-1919. Curitiba: Editora Prisma, 2015

—        Entre o Tibre e Capibaribe: os limites do progressismo católico na Arquidiocese de Olinda e Recife. Olinda: Associação REVIVA; Recife: Editora Universitária UFPE. 2014.

—        Festa de Caboclo. 2ª edição. Olinda: Associação REVIVA, 2012.

SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Leya, 2018.

—        A elite do atraso: da escravidão à lava-jato. Rio de Janeiro: Editora Leya, 2017.

—        Classe média no espelho: sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2018.

UM ENIGMA CHAMADO BRASIL. André Botelho; Liliam Moritz Schwarcz (organizadores). São Paulo: companhia das letras, 2009.

VIAGEM INCOMPLETA: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA. Carlos Guilherme Mota (organizador). São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2000;

Batalha de Jenipapo – https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_do_Jenipapo visto em 05/07/2022


[1] Palestra dita no Erem Professora Benedita de Moraes =, Macaparana, PE. Agosto de 2022, e no Colégio Santa Emília, Olinda, em Setembro de 2022,

[2] PHD em História pela Universidade Federal de Pernambuco, Professor Associado III, Departamento de História da UFPE

[3] ROCHA POMBO, José Francisco da.  História do Brasil. São Paulo: Edições Melhoramentos. 14ª edição. 1967.

[4] Rocha Pombo viveu entre 1857 e 1933, tendo experimentado o final do Império e o início da República, inclusive os festejos do Centenário da Independência do Brasil. 

[5] Augusto Lucena, que havia sido eleito vice-prefeito com Pelópidas Silveira, assumiu a prrefitura da cidade após a cassação do mandato do prefeito, acusado de ser comunista.

[6]  https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_do_Jenipapo

[7] PINHEIRO, Francisco José. Ceará: Seca e Migração. Análise histórica da incorporação do Ceará como fornecedor de mão de obra ao mercado Capitalista in A Igreja e a Questão Agrária no Nordeste, subsídios históricos , SILVA, Severino Vicente da (organizador). São Paulo: Edições Paulinas, 1986. [23-30]

[8] A Companhia Siderúrgica Nacional foi criada em 1941, como parte da colaboração do governo estadunidense no esforço de guerra contra as forças do nazifascismo.

[9] A SUDENE foi criada em 1959 com objetivo de integrar o Nordeste no processo industrial brasileiro. Tem com fundador o economista paraibano Celso Furtado

SEM NÓS NUNCA MAIS

janeiro 12th, 2023

SEM NÓS, NUNCA MAIS

Prof. Severino Vicente da Silva

Pouco tempo após a eleição ser definida em favor do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, Eduardo Hoornaert escreveu em seu blog que a derrota do ex-presidente pouco dizia, uma vez que o bolsonarismo crescera e criara raízes nas diversas instâncias do Estado brasileiro, e na mente de muitos cidadãos. O mal estava instalado, era um elefante na sala (http://eduardohoornaert.blogspot.com/2023/01/o-elefante-na-sala.html).

Enquanto isso o ano de 2023 começava com uma festa pelo retorno de  Lula à sede do governo, com todos os simbolismo e promessas de um futuro mais próprio para a diversidade brasileira, gente comum representando gente comum subindo a rampa do palácio para, em gesto inusitado, colocar a faixa presidencial no novo governante. Parecia a realização do sonho de Darcy Ribeiro.

O antigo presidente recusara realizar o gesto que significaria mais um passo na direção de quebrar o monopólio do poder que esteve sempre, explicitamente, nas mão de um pequeno grupo; o antigo presidente sempre fez parte do grupo que pretende perpetuar o Estado baseado no projeto de fazer uma nação sem povo; após quatro anos no governo, ele e seus companheiros e seguidores, não conseguiam entender, como ainda não conseguem, porque razão havia sido rejeitado. De Longe assistiram a posse dos novos/antigos adversários, a quem definiram como inimigos. Não muito distante dos festejos, continuaram a se fortalecer para, na semana seguinte tentar de surpresa mostrar a extensão de seu poder.

Enquanto os novos governantes ainda não se entendiam no todo e mostravam fragilidades desnecessárias, e uma confiança exagerada de que aqueles que garantiram a doutrinação para a aceitação do fortalecimento da estrutura que sempre pautou o comportamento da elite governante brasileira aceitassem ser parte secundária na política. Enganaram-se, pois os ninhos da seita estavam repletos e os filhotes eram alimentados nas átrios das pretendidas novas catedrais, como provavam as atitudes dos ‘cardeais’ que se recusaram a entregar o comando de suas tropas. Ali estava gritando o sinal da sublevação, da ignomínia e da traição à Constituição Cidadã. E então no oitavo dia do ano veio o dilúvio com o qual pretendiam afogar a democracia, a possibilidade de o povo brasileiro tentar apontar outro caminho para uma nação que ainda não se formou plenamente. Os acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 expõem que a elite econômica do Brasil, aliada aos militares, se recusa a ser protagonista de uma proposta social que acolha todos os ramos formadores da humanidade. A exclusão parece ser o afã de sua existência.

A existência humana não pode ser explicada apenas por uma tensão binária, tampouco a história dos homens. Jacques Monod explica que a ocorrência da vida teria sido um acaso, um acontecimento fortuito, mas, um vez instalada, é a necessidade de manter-se viva que permite a continuidade da vida. Falava-se que os portugueses teriam chegado a essa terra que denominamos Brasil, por acaso, no ano de 1500. Essa foi a primeira maneira de desqualificar um dos nossos antepassados, negando-lhes o reconhecimento de seus estudos para o domínio dos mares, na construção naval, no domínio das ciências, enfim. Essa percepção negativa que foi construída sobre os portugueses e sua cultura, parece ter sido resultante das explicações proclamadas pelas nações da Europa Setentrional, que tardiamente seguiram os caminhos abertos pelos lusitanos, a partir de meados do século XVII, na demonização da cultura barroca católica em face de uma pretensa separação da religião protestante em relação ao Estado. Tal explicação levou gerações a acreditarem que todo o processo de destruição dos povos originários desse continente que hoje chamamos América, teria sido realizado pelos iberos. Quando menino e adolescente, tive aulas nos cinemas para nos convencer que os matadores dos Dakotas, dos Chayenes, dos Pés-Pretos, dos Navajo eram heróis fundadores, enquanto os padres jesuítas eram vilões destruidores de nações. Só recentemente é que europeus não iberos começaram a ser vistos como comerciantes de africanos escravizados, eram mostrados apenas os criadores das ligas antiescravistas. Os europeus que, bem ou mal, mesclaram com indígenas ou africanos passaram a ser vistos como inferiores, assim como seus descendentes. Foi com este preconceito contra si mesmo que o Brasil veio sendo construído desde a separação política de Portugal. E o ensinamento que os povos indígenas eram traidores, mentirosos, preguiçosos, antropófagos, etc.  Dos negros africanos e seus descendentes diziam que eram lascivos, preguiçosos, só trabalhavam sob chibata, indolentes e sem religião, como diziam também dos povos indígenas. E aprendemos isso, e naturalizamos essa situação, nos livros, nas escolas, nas igrejas e nas delegacias. Por isso sempre pareceu tão fácil à elite dominar e manter seu poder. Mas estou pensando mais claramente na elite que se firmou especialmente após 1870, embranquecida pela chegada de europeus excluídos do sistema industrial, cuja inclusão foi bastante facilitada pelos que aqui já haviam se alojado. Foi fácil para eles criar uma República excludente, como escreveu um dos seus líderes, os que não concordavam em algum ponto foram massacrados e depois elogiados como sendo “antes de tudo, um forte”; foi fácil convencer que o golpe de 1930 foi uma “revolução”; também foi fácil convencer várias gerações que o que seus avós lutaram para conseguir, foi um agrado dada por um estancieiro que governou o Brasil como dirigia a sua fazenda. Ainda há professores que ensinam que a CLT foi uma doação de Getúlio Vargas retirando o protagonismo de operários que construíram parte de São Paulo no início do século XX, depois vieram “os do Norte” e completaram o serviço.

Mas, como a dinâmica da História não é bipolar, as elites viram-se forçadas a permitir alguma participação do povo, aprovando o voto, desde que a pessoa fosse alfabetizada, assim se excluía 70% da população. Claro que não foram construídas escolas para o povo, mas o povo construiu escolas para si. E começaram a votar e indicar caminhos para o país, e esses caminhos foram sendo obstruídos. O Recife foi a última capital a eleger seu prefeito e, uma vez eleito, tomaram providência para impedir que ele atuasse. Em 1964, afastaram do poder um presidente eleito, conseguiram o golpe impedido em 1954 e 1961. Desde o tempo do primeiro imperador eles sempre querem um poder moderador, alguém que acima das leis represente aqueles que fazem leis para os favorecer e impedem a participação da maioria.

Eles tentaram no dia 8 de janeiro de 2023, mais uma vez, impedir que o Brasil seja planejado para mais que 30% da sua população. O que viram subir a rampa do Palácio na tarde do dia 1º de janeiro, foi a realização de seu maior pesadelo: excluídos incluindo-se. É que a vida, o desejo de viver, é assim pode vir por um acaso mas, depois que se instala começa o tempo da necessidade. Os que estão no reino da necessidade de comer, de vestir, de morar, precisam responder a essas necessidades, e a necessidade de participar. Falta muito, mas chegaremos lá, faremos a humanidade, diversa e colorida, incluir a todos. Como disse Sônia Guajajara: Sem nós nunca mais.